doença degenerativa

Radar doméstico monitora paciente com Parkinson

Aparelho semelhante a um roteador, rastreia como paciente caminha dentro de casa. Segundo os criadores, as informações colhidas ao longo dos dias podem ajudar médicos a avaliarem, com mais detalhes, a progressão da doença degenerativa

Indivíduos com Parkinson precisam ir regularmente a consultas médicas para acompanhar a evolução da doença degenerativa — caracterizada por complicações como tremores, rigidez muscular, alterações na fala e lentidão dos movimentos. Cientistas do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, trabalham na criação de um dispositivo que poderá facilitar esse processo e aperfeiçoar as avaliações profissionais. Similar a um roteador wi-fi, o equipamento consegue monitorar o paciente sem ele precisar sair de casa, transmitindo informações sobre a velocidade da caminhada.

A base da solução médica é um roteador que havia sido criado no laboratório de Dina Katabi com o propósito de analisar as radiações eletromagnéticas que saem de uma pessoa enquanto ela se movimenta. A equipe incluiu inteligência artificial (IA) para que ele pudesse ser usado no acompanhamento de pessoas com Parkison. "O dispositivo permitirá a um especialista atender esses pacientes remotamente e vai fornecer informação suficiente sobre o estado de doença e o impacto dos medicamentos", enfatiza Katabi, autora sênior do estudo, publicado na revista Science Translational Medicine.

De acordo com o artigo, o sensor pode ser fixado na parede de uma residência e funciona como um radar de baixa potência — frequência menor que a propagada por um aparelho wi-fi, por exemplo. Em razão disso, ele não interfere em outros dispositivos eletrônicos que estejam próximos. O aparelho capta constantemente as ondas de rádio que refletem em um indivíduo enquanto ele se movimenta. Esse tipo de onda atravessa paredes e objetos sólidos, mas isso não acontece com humanos em razão da presença de água no corpo. Como as ondas de rádio se propagam na mesma velocidade do deslocamento de uma pessoa, o período que os sinais levam para refletir de volta ao roteador indicam a velocidade da marcha.

Joceli Mayer, professor do Departamento de Engenharia Elétrica e Eletrônica do Centro Tecnológico da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), diz ao Correio que o uso do IA é uma destaque do dispositivo. Foi feito um treinamento com inteligência artificial observando vários casos em inúmeros pacientes e, por meio disso, é possível determinar, por exemplo, se a pessoa está tendo uma progressão positiva ou negativa da doença."

O algoritmo de aprendizado de máquina também permite a identificação precisa dos sinais refletidos no paciente mesmo que haja outras pessoas se movendo pela casa, segundo os criadores. Além disso, o aparelho coleta enormes quantidades de dados. Para Mayer, uma das maiores vantagens do projeto é a possibilidade de monitoramento remoto e a distância. "Achei interessante o trabalho, pois não necessita que o paciente carregue nenhum equipamento junto ao corpo", diz.

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Lentidão

Os testes com o dispositivo envolvem 50 voluntários, sendo 34 com Parkinson e 16 sem a doença. A primeira fase contou com 20 pessoas e durou oito semanas. Os demais participantes integram uma pesquisa longitudinal, em andamento, que vai durar dois anos. Na etapa finalizada, a equipe conseguiu mais de 200 mil medições individuais da velocidade da caminhada. Ao avaliar os dados, o grupo concluiu que os voluntários com Parkinson apresentavam cerca de 23% mais lentidão na caminhada, quando comparados ao grupo de controle. Para a equipe, os resultados indicam que a tecnologia funciona como um marcador eficiente de gravidade e progressão da doença.

Amauri Araújo Godinho, neurologista e neurocirurgião do Hospital Santa Lúcia, unidade Brasília, também avalia que a abordagem é promissora. "O que a gente fazia por observação, por grupo de estudo, por relato do paciente ou por vídeo, poderá ser feito sem que haja preocupação com variações externas, pois o aparelho estará monitorando tudo", justifica.

Segundo o médico, na avaliação tradicional, quando são testadas condições motoras e cognitivas, há o risco de variações na interpretação. O paciente pode estar, por exemplo, cansado em função do deslocamento até a clínica. O dispositivo do MIT poderá ajudar a evitar essas distorções. "Não será preciso marcar retorno presencial, o algoritmo que vai analisar como ele está evoluindo, de modo a quando ele começar a ter pioras, o computador alertará e nós, profissionais, poderemos tomar providências."

Medicações

Os dados fornecidos pelo equipamento também poderão ajudar a avaliar o efeito dos remédios prescritos. Isso porque os pesquisadores perceberam que flutuações ao longo do dia na velocidade da marcha dos voluntários correspondiam à forma como eles estavam respondendo à medicação.

Coautor do estudo, Yingcheng Liu indica que a opção mais usada para fazer esse tipo de acompanhamento, apesar de básica, pode ser um desafio para pacientes e familiares. "Anteriormente, isso era quase impossível de fazer, porque esse efeito da medicação só podia ser medido fazendo com que o paciente mantivesse um diário."

Godinho explica que, quando uma pessoa com Parkinson inicia o tratamento medicamentoso, os sintomas costumam melhorar bastante. Contudo, com o passar do tempo, é comum que o remédio diminua os efeitos, e a alternativa é aumentar a dose e, consequentemente, os efeitos colaterais.

O médico brasileiro acredita que o dispositivo poderá ter eficácia na gestão desses percalços. "Por exemplo, o paciente está tomando medicação pela manhã. Por volta das 18h, ele começa a tremer novamente. Então, talvez, tenhamos que ajustar a dose ou administrar uma medicação com efeito mais prolongado", ilustra.

A solução médica começa a chegar ao mercado. "O dispositivo é acessível para fornecedores de saúde e empresas farmacêuticas e biotecnológicas. Mas ainda não está disponível diretamente para os consumidores", conta Katabi. Além disso, o sistema não está isolado ao monitoramento de Parkinson. A cientista conta que ele vem sendo utilizado em pesquisas para diversas doenças neurológicas, como Alzheimer, síndromes de Crohn e Rett. A sua equipe também trabalha em um projeto para, com a solução tecnológica, detectar a doença de Parkinson a partir dos padrões respiratórios de uma pessoa durante o sono. (MLG)

*Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza

Foco também no efeito das medicações


Os dados fornecidos pelo equipamento criado pela equipe do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT) para monitorar pessoas com Parkinson também poderão ajudar a avaliar o efeito dos medicamentos prescritos. Isso porque os pesquisadores perceberam que flutuações intradiárias na velocidade da marcha dos voluntários correspondiam à forma como eles estavam respondendo à medicação.
Coautor do estudo, Yingcheng Liu indica que a opção mais usada para fazer esse tipo de acompanhamento, apesar de básica, pode ser um desafio para pacientes e familiares. “Anteriormente, isso era quase impossível de fazer, porque esse efeito da medicação só podia ser medido fazendo com que o paciente mantivesse um diário”, diz “O nosso trabalho mostra que o dispositivo pode seguir a resposta da medicação”, enfatiza Dina Katabi, autora principal do estudo.
O médico Amauri Araújo Godinho explica que, quando uma pessoa com Parkinson inicia o tratamento medicamentoso, os sintomas costumam melhorar bastante. Contudo, com o passar do tempo, é comum que o remédio diminua os efeitos, e a alternativa é aumentar a dose e, consequentemente, os efeitos colaterais.
O neurologista e neurocirurgião do Hospital Santa Lúcia, unidade Brasília, acredita que o dispositivo poderá ter eficácia na gestão desses percalços. “Por exemplo, o paciente está tomando medicação pela manhã. Pelas seis horas da tarde, ele começa a tremer novamente. Então, talvez, tenhamos que ajustar a dose ou administrar uma medicação com efeito mais prolongado”, ilustra.
A solução médica começa a chegar ao mercado. “O dispositivo é acessível para fornecedores de saúde e empresas farmacêuticas e biotecnológicas. Mas ainda não está disponível diretamente para os consumidores”, conta Katabi. Além disso, o sistema não está isolado ao monitoramento de Parkinson. A cientista conta que ele vem sendo utilizado em pesquisas para diversas doenças neurológicas, como Alzheimer, síndromes de Crohn e Rett. A sua equipe também trabalha em um projeto para, com a solução tecnológica, detectar a doença de Parkinson a partir dos padrões respiratórios de uma pessoa durante o sono. (MLG)