Há mais de 10 veículos e outros equipamentos espaciais sendo usados, no momento, para estudar Marte de perto. Ainda assim, faltam instrumentos para desvendar o planeta vizinho. Um deles poderia "trabalhar" entre os orbitadores e os rovers que estão no solo marciano ajudando em estudos de geologia e processos climáticos atmosféricos. Especialistas aeroespaciais da Universidade do Arizona e um cientista planetário da Nasa projetam um planador para tamanha empreitada.
O grupo inspirou-se no voo do albatroz para desenvolver o instrumento que, segundo os criadores, poderá sobrevoar a superfície do Planeta Vermelho por dias a fio usando apenas energia eólica para propulsão. Pesando menos de 5kg, o planador pode ser equipado com câmeras e sensores de voo, temperatura e gás. Além disso, supera algumas dificuldades que emperram em soluções parecidas.
O helicóptero Ingenuity, por exemplo, pousou na Cratera Jezero, de Marte, em 2021. Com tecnologia de voo miniaturizada e uma extensão do sistema de rotor de cerca de 4 pés, o dispositivo criado pela agência espacial americana, a Nasa, pesa menos de 2kg e foi o primeiro a testar voo controlado e motorizado em outro planeta. Porém, segundo Adrien Bouskela, estudante de doutorado em engenharia aeroespacial na Universidade do Arizona, o veículo movido a energia solar pode voar por apenas três minutos e atingir alturas de até 12 metros.
"Essas outras tecnologias foram todas muito limitadas pela energia", compara o também integrante da equipe que criou o planador, apresentado na última edição da revista Aerospace. Bouskela explica que a proposta do grupo é usar apenas os recursos do local. "É uma espécie de avanço nesses métodos de extensão de missões. A questão principal é: Como você pode voar de graça? Como você pode usar o vento que está lá, a dinâmica térmica que está lá, para evitar o uso de painéis solares e depender de baterias que precisam ser recarregadas?", afirma.
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Voo dinâmico
A equipe norte-americana apostou nas habilidades de uma famosa ave oceânica: o albatroz. O animal tem um voo considerado dinâmico. Isso porque, nas longas jornadas, ele aproveita o fato de a velocidade do vento horizontal geralmente aumentar com a altitude — um fenômeno que é comum em Marte. Com o design criado, toda a vez que o planador muda de direção, ele também começa a mudar de altitude. Assim, em vez de desacelerar a aeronave sem motor, a manobra a ajuda a ganhar velocidade.
Com essa dinâmica, sempre que o planador começa a ficar sem energia do vento de alta velocidade, ele repete o processo, seguindo seu caminho. Segundo os criadores da solução tecnológica, é possível voar de graça durante dias."É quase algo que você precisa ver para acreditar", afirma o coautor do artigo Jekan Thanga, professor-associado de engenharia aeroespacial e mecânica da universidade americana.
Essa grande autonomia abre a possibilidade de realização de missões mais desafiantes e duradouras. Alexandre Kling, cientista do Centro de Modelagem Climática de Marte da Nasa, conta que os rovers atuais capturam principalmente imagens das planícies arenosas do planeta, pois são as únicas áreas em que eles podem pousar com segurança. Os planadores, por sua vez, seriam capazes de explorar novas áreas, aproveitando como os padrões de vento mudam em torno de formações geológicas, como cânions e vulcões. "Com essa plataforma, você pode simplesmente voar e acessar lugares realmente interessantes e muito legais", diz o coautor do estudo.
Sem aposentadoria
Outra vantagem apontada pelos cientistas é que, mesmo quando perder a capacidade de voar, o dispositivo tem potencial para continuar ajudando nos estudos astronômicos. Depois de pousar na superfície marciana, os planadores poderão transmitir informações sobre a atmosfera a espaçonaves, passando a atuar como estações meteorológicas. "Se ficarmos sem energia de voo ou se nossos sensores inerciais falharem repentinamente por qualquer motivo, esperamos continuar fazendo ciência. Do ponto de vista da ciência planetária, a missão continua", diz Bouskela.
A equipe fez uma extensa modelagem matemática para os padrões de voo do planador com base nos dados climáticos de Marte, mas avalia que há mais questões a serem investigadas, como trajetórias de deslocamento e possíveis sistemas de ancoragem. Agora, eles testarão aviões experimentais a cerca de 15.000 pés (4,5km) acima do nível do mar, onde a atmosfera da Terra é mais fina e as condições de voo são mais semelhantes às de Marte.
"Podemos usar a Terra como um laboratório para estudar o voo em Marte", afirma Sergey Shkarayev, do Laboratório de Microveículos Aéreos de Arizona. A equipe já realizou um lançamento amarrado de uma versão inicial do planador. Nos testes, ele desceu lentamente para a Terra preso a um balão. Ainda é um desafio para o grupo americano como colocar os planadores da espaçonave na atmosfera marciana.
A expectativa do grupo é de que o planador "pegue uma carona" em uma missão de grande escala da Nasa a Marte já em desenvolvimento. Na avaliação de Kling, a viagem pode acontecer antes do esperado. "A natureza de baixo custo do esforço do planador significa que ele pode se concretizar com relativa rapidez. Talvez, em anos. Não nas décadas necessárias para uma missão em grande escala", justifica o cientista da agência.