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Grupo da USP cria técnica para diagnosticar doença de chagas pelo celular

Cientistas da USP criam técnica baseada em inteligência artificial que acusa a doença com quase 90% de eficácia

Alice Groth*
postado em 30/07/2022 06:00
 (crédito: Center of Research on Inflammatory Diseases )
(crédito: Center of Research on Inflammatory Diseases )

Embora possa aparecer nas cidades, a doença de Chagas é mais comum nas zonas rurais e afeta principalmente populações vulneráveis, como ribeirinhos, trabalhadores rurais, indígenas e quilombolas. Hoje, um exame de sangue indica a presença do parasita Trypanosoma cruzi. O método, porém, requer um microscópio profissional acoplado a uma máquina de alta resolução, além de um operador especialista. Isso tende a ser caro e inacessível para quem é mais atingido pela enfermidade. Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) desenvolvem um algoritmo que poderá facilitar esse diagnóstico. Com ele, imagens de amostra de sangue registradas por um smartphone simples serão o suficiente para acusar a infecção.

O sistema, denominado floresta aleatória, é treinado para detectar a presença do T. Cruzi em imagens de 12 megapixels tiradas por telefones celulares e, posteriormente, analisadas em um microscópio óptico. "O algoritmo vai extrair características que representam o parasita na foto, como cor, textura, intensidade de brilho, forma, curvatura e tamanho", explica Mauro César Cafundó, pós-doutorando no Computational Systems Biology Laboratory (CSBL), da USP, e principal autor do estudo, divulgado recentemente na revista PeerJ.

Segundo o cientista brasileiro, foi utilizado um método estatístico para ensinar o algoritmo a encontrar padrões que identifiquem o parasita. Depois de treinado e exposto a uma base de comparação, o sistema foi submetido a experimentos que avaliaram o quanto ele aprendeu. "Uma coisa é reconhecer o parasita, outra, é ensinar o algoritmo", pontua Cafundó. Por isso, a inteligência artificial foi desenvolvida com a colaboração de pesquisadores de matemática, estatística, parasitologia e computação.

Em testes, o algoritmo apresentou desempenhos promissores em relação à acurácia (87,6%) e à sensibilidade (90,5%). Cafundó conta que a perspectiva em relação ao sistema é conseguir avaliar até onde ele opera: "Por enquanto, o que a gente tem é avaliação analítica. Precisamos, agora, de validação clínica, sair do ambiente controlado do laboratório", diz. "Este é o momento de entender o que precisa ser adaptado para esse avanço". O código-base da solução está disponível na internet e pode ser incorporado aos aparelhos: "Fica aberto para quem sabe programar", diz Cafundó, reiterando que o sistema ainda precisa de aprimoração.

A equipe também pretende ampliar o software para detectar outros parasitas, como o causador da leishmaniose. "Conseguimos bons resultados nessa iniciativa de aprendizado de máquina. O algoritmo funciona bem para Chagas e pode ser adaptado para outras finalidades que dependem de imagens, como a análise de amostras de fezes, pele e colposcopias", indica, em nota, Helder Nakaya, líder do estudo, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Impacto clínico

Para a médica infectologista do Centro Especializado em Doenças Infecciosas Joana D'arc Gonçalves, soluções como a apresentada pela equipe da USP ajudam no enfrentamento de uma doença ainda muito negligenciada no Brasil. "As diversas formas de apresentação e as dificuldades de diagnóstico precoce fazem com que profissionais de saúde percam o tempo de tratamento adequado", justifica.

Na avaliação da especialista, esse tipo de inovação tecnológica pode evitar a evolução crônica da enfermidade. "O diagnóstico precoce de Chagas é fundamental para redução de sequelas e de mortalidade associadas à doença. Uma pessoa infectada que seja diagnosticada na fase aguda e receba o tratamento adequado tem aproximadamente 100% de chance de cura", afirma.

*Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza

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Alerta para novas variantes

Uma colaboração dos pesquisadores do Instituto Karolinska, na Suécia, descobriu que o Trypanosoma cruzi pode formar novas variantes em função de combinações de diferentes cepas. Essas mutações costumam ser mais eficientes em escapar do sistema imunológico, o que pode tornar o parasita mais perigoso e comprometer a eficácia de exames diagnósticos.

Ao mapear o genoma de linhagens parentais do T. Cruzi e seus descendentes ao longo do tempo, os pesquisadores obtiveram imagens detalhadas de como esses híbridos são formados. Os resultados apontam que essas variantes inicialmente contêm todo o DNA dos pais, mas que a quantidade de material genético é gradualmente diminuída até formar um organismo independente.

O estudo é baseado em cepas de parasitas que formaram híbridos espontaneamente em laboratório. O DNA dos parasitas parentais e dos descendentes foram isolados e os genomas foram mapeados usando sequenciamento de DNA em larga escala. Agora, a equipe trabalha para uma aplicação dos resultados fora do laboratório. "Estudaremos material da natureza e de pacientes para mapear com mais detalhes como o parasita varia seus genes. Também estamos trabalhando para melhorar o diagnóstico da doença de Chagas na Bolívia", conta, em nota, Björn Andersson, o pesquisador principal do estudo.

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