O aquecimento global e o aumento da população mundial indicam que a demanda por sistemas de refrigeração com eficiência energética e ecologicamente sustentáveis não deve parar de crescer. Isso porque os processos mais utilizados hoje não abarcam essas duas características. Ao contrário, podem potencializar desequilíbrios. Normalmente, ter baixas temperaturas significa alto consumo de eletricidade, o que, por sua vez, geralmente significa uma alta pegada de carbono e o risco de emissões de gases refrigerantes que, muitas vezes, têm alto potencial para favorecer o aquecimento da Terra.
Cientistas da Universidade de Saarland, na Alemanha, estão desenvolvendo um sistema de refrigeração que pode romper esse ciclo. Trata-se de uma tecnologia que consegue resfriar o ar flexionando o que os criadores chamam de músculos artificiais, materiais com memória que conseguem dissipar o calor. "Nosso processo é energeticamente eficiente e não requer o uso de fluidos refrigerantes prejudiciais ao clima. Na verdade, nossa tecnologia é até 15 vezes mais eficiente do que os sistemas baseados em refrigerantes convencionais", compara, em comunicado, Stefan Seelecke, o líder do grupo.
Segundo o cientista, a União Europeia e o Departamento de Energia dos Estados Unidos avaliaram o projeto e o consideram a alternativa mais promissora à tecnologia de refrigeração por compressão de vapor em uso atualmente. No momento, o grupo desenvolve a solução para uso em sistemas de refrigeração para veículos elétricos, mas a expectativa é de que ela seja usada em cenários diversos, incluindo ambientes industriais.
Os chamados músculos artificiais são fibras compostas por feixes de fios ultrafinos feitos da liga de níquel-titânio (nitinol) e com memória de forma — ou seja, têm a propriedade especial de retornar à forma anterior após serem esticados ou deformados. Assim, eles conseguem, como os músculos humanos, tensionar e relaxar.
Isso acontece por conta de características específicas da estrutura da liga metálica. Seus átomos estão dispostos em uma estrutura de rede cristalina. Se o fio de níquel-titânio é deformado ou puxado, as camadas de átomos no cristal da treliça se movem uma em relação à outra, criando tensão dentro do material. Quando o fio retorna à forma original, essa tensão é liberada.
Conhecidas como transições de fase, essas mudanças na estrutura cristalina do material fazem com que os fios absorvam ou liberem calor. É esse efeito que Seelecke e sua equipe estão explorando no novo sistema de refrigeração. "O material com memória de forma libera calor para seu entorno quando é carregado mecanicamente em seu estado superelástico e absorve calor de seu entorno quando é descarregado. Esse efeito é particularmente pronunciado no caso do nitinol. Quando os fios de nitinol pré-esforçados são descarregados à temperatura ambiente, eles esfriam em até 20 graus", explica Seelecke.
Segundo Susanne-Marie Kirsch, que ajudou a desenvolver o sistema de resfriamento como parte de seu projeto de pesquisa de doutorado na instituição alemã, a equipe explorou essa propriedade para dissipar o calor. "A ideia básica é permitir que os fios superelásticos e pré-esforçados com memória de forma relaxem e, assim, resfriem o espaço, removendo o calor dele", afirma.
Saiba Mais
Também aquece
Para dar complexidade a esse sistema, o que é necessário para que o sistema de refrigeração chegue ao mercado, a equipe projetou e desenvolveu um circuito de resfriamento no qual fios de nitinol de 200 mícrons de espessura são alternadamente esticados e relaxados, resultando em uma transferência de calor mais eficiente. O ar é soprado através dos feixes de fios em duas câmaras separadas e que geram efeitos distintos: em uma, o ar é aquecido, na outra, esfriado.
Dessa forma, além de resfriar, a máquina pode gerar um efeito de aquecimento. "Quando os fios são carregados mecanicamente, eles aquecem cerca de 20 graus, de modo que o processo também pode ser usado como bomba de calor", diz Felix Welsch, que também trabalhou no sistema protótipo como parte de seu doutorado.
Dependendo da liga utilizada, a potência de aquecimento ou de resfriamento da nova tecnologia é até 30 vezes maior do que a potência mecânica necessária para carregar e descarregar os feixes de fios de liga, segundo os criadores. Isso torna o novo sistema significativamente melhor do que as bombas de calor e os refrigeradores convencionais atualmente disponíveis.
Personalizações
Por meio de uma combinação de estudos experimentais e modelagem numérica, os pesquisadores conseguiram otimizar os mecanismos subjacentes à tecnologia e determinar conforme o grau de resfriamento desejado quantos fios de nitinol precisam ser incluídos no sistema ou qual nível de carga de fio é necessária. Com base nesses resultados, apostam, será possível começar a personalizar o sistema.
No momento, os criadores trabalham em projeto para o uso do sistema de refrigeração em veículos elétricos. "Nosso objetivo é desenvolver, modelar matematicamente e validar um sistema alternativo de ar-condicionado que possa ser usado em todas as classes de veículos. A tecnologia será capaz de fornecer aquecimento e resfriamento de carros e também será mais compacta, leve e econômica", afirma Paul Motzki, engenheiro de pesquisa e diretor administrativo da equipe da Seelecke. Detalhes do trabalho foram apresentados na edição deste ano da Hannover Messe, uma das maiores feiras do mundo de tecnologia industrial, realizada, na semana passada, na Alemanha.