Meio Ambiente

Pesquisas buscam transformar automóveis em sequestradores de poluição

Pesquisas em desenvolvimento pretendem transformar automóveis, conhecidos poluidores atmosféricos, em coletores de partículas tóxicas, como os gases de efeito estufa

Grande vilão das emissões de gases de efeito estufa, o setor de transportes é o principal responsável pela produção de substâncias tóxicas, como o CO2, associadas às mudanças climáticas. Um mundo sem veículos, porém, é impossível de se imaginar. Por isso, pesquisadores têm buscado tecnologias mais sustentáveis que, além de não depender mais de combustíveis fósseis, ajudem a sequestrar da atmosfera os poluentes.

Na Universidade de Delaware, nos Estados Unidos, engenheiros demonstraram uma maneira de retirar efetivamente 99% do dióxido de carbono do ar com um sistema eletroquímico alimentado por hidrogênio. De acordo com os cientistas, que descreveram o método na revista Nature Energy, trata-se de "um avanço significativo para a captura de CO2 e que pode aproximar do mercado células de combustível mais ecológicas".

Yushan Yan, professor da instituição e principal autor do estudo, explica que as células de combustível funcionam convertendo a energia química da substância diretamente em eletricidade. Elas podem ser usadas no transporte para a fabricação de veículos híbridos ou de emissão zero.

Yan vem trabalhando, há algum tempo, para melhorar as células de combustível de membrana de troca de hidróxido (HEM), uma alternativa econômica e mais sustentável, comparada às tradicionais usadas atualmente, à base de ácido. "Mas as células de combustível HEM têm uma falha que as mantém fora das pistas — elas são extremamente sensíveis ao dióxido de carbono no ar. Essencialmente, o CO2 dificulta a respiração de uma célula do tipo", explica.

Esse defeito reduz rapidamente o desempenho e a eficiência da célula de combustível em até 20%, fazendo dela menos vantajosa que um motor a gasolina. O grupo de pesquisa de Yan procura uma solução alternativa para essa questão há uma década e meia. Alguns anos atrás, eles perceberam que a desvantagem pode ser, de fato, uma solução para a remoção de dióxido de carbono da atmosfera.

"Uma vez que investigamos o mecanismo, percebemos que as células de combustível estavam capturando quase todo o dióxido de carbono que entrava nelas, e elas eram muito boas em separá-lo para o outro lado", conta Brian Setzler, professor de engenharia química e biomolecular e coautor do artigo. Embora isso não seja bom para o desempenho energético, a equipe sabia que, se pudesse aproveitar esse processo em um dispositivo separado, poderia transformá-lo em um sequestrador de CO2. "Acontece que nossa abordagem é muito eficaz. Podemos capturar 99% do dióxido de carbono do ar se tivermos o design e a configuração certos", complementa Yan.

Compacto

Agora, os cientistas encontraram uma maneira de incorporar a fonte de energia para a tecnologia eletroquímica dentro da membrana de separação. A abordagem envolveu um curto-circuito interno do dispositivo. "É arriscado, mas conseguimos controlar essa célula de combustível em curto-circuito por hidrogênio. Usando essa membrana interna eletricamente em curto, conseguimos nos livrar dos componentes volumosos, como placas bipolares, coletores de corrente ou quaisquer fios elétricos normalmente encontrados em uma pilha de células de combustível", diz Lin Shi, doutorando do grupo Yan e principal autor do artigo.

A equipe conseguiu chegar a um dispositivo eletroquímico que parecia uma membrana de filtragem normal feita para separar gases, mas com a capacidade de coletar continuamente pequenas quantidades de dióxido de carbono do ar. Incorporar os fios do dispositivo dentro da membrana criou um atalho que facilitou a passagem das partículas de CO2 de um lado para o outro. Também permitiu que os pesquisadores construíssem um módulo espiral compacto com uma grande área de superfície em um pequeno volume. "Em outras palavras, agora temos um pacote menor e capaz de filtrar grandes quantidades de ar de cada vez, o que o torna eficaz e econômico para aplicações de células de combustível", resume Yan. Enquanto isso, menos componentes significam custos menores e, o mais importante, facilitam a adoção da tecnologia no mercado.

Multiúso

Os resultados do estudo mostraram que uma célula eletroquímica medindo 2,5cm por 2,5cm poderia remover continuamente cerca de 99% do dióxido de carbono encontrado no ar, que flui a uma taxa de aproximadamente 2l por minuto. Um protótipo de dispositivo espiral do tamanho de uma lata de refrigerante é capaz de filtrar 10l por minuto e eliminar 98% do CO2, disseram os pesquisadores.

Dimensionado para uma aplicação automotiva, o dispositivo teria aproximadamente o tamanho de um galão de leite, disse Setzer. O equipamento também poderia ser usado para remover dióxido de carbono em outros lugares, além de carros. Por exemplo, a tecnologia patenteada pode levar ao desenvolvimento de aparelhos de sequestro de CO2 mais leves e eficientes para naves espaciais e submarinos, onde a filtragem contínua é crítica. "Temos algumas ideias para um roteiro de longo prazo que pode realmente nos ajudar a chegar lá", diz Setzler.

Segundo Shi, como o sistema eletroquímico é alimentado por hidrogênio, o dispositivo também pode ser usado em aviões e prédios, onde a recirculação de ar é uma importante medida de economia de energia. No fim deste mês, após sua defesa de tese, Shi se juntará à Versogen, uma startup da universidade, fundada por Yan, para continuar avançando na pesquisa do hidrogênio sustentável.

 

Carbono capturado vira combustível líquido

Quando se fala em sequestro de CO2 da atmosfera, uma questão importante é o que fazer com o carbono capturado. Na Universidade de Stanford, na Califórnia, uma equipe de engenheiros químicos liderada por Matteo Cargnello está trabalhando para transformá-lo em outros produtos úteis, como propano, butano ou mesmo combustíveis de hidrocarbonetos compostos por longas cadeias de carbono e hidrogênio. "Nós podemos criar gasolina, basicamente", diz Cargnello.

Um novo catalisador, desenvolvido pela equipe do pesquisador, avança em direção a esse objetivo, afirma ele. Com as mesmas quantidades de CO2, hidrogênio, pressão, calor e tempo, a substância produziu 1 mil vezes mais butano — o hidrocarboneto mais longo que poderia fabricar sob pressão máxima — do que o catalisador padrão.

O novo catalisador é composto pelo elemento rutênio — um raro metal de transição pertencente ao grupo da platina —, revestido por uma fina camada de plástico. Como qualquer substância do tipo, ela acelera as reações químicas sem se desgastar no processo. O rutênio também tem a vantagem de ser mais barato do que outros catalisadores de alta qualidade, como paládio e platina. Cargnello e a equipe descreveram o avanço na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas).

Ciclo neutro

Os cientistas levaram sete anos para descobrir e aperfeiçoar o novo catalisador. O problema é que, quanto mais longa for a cadeia de hidrocarbonetos, mais difícil será produzi-lo. A ligação carbono a carbono requer calor e grande pressão, tornando o processo caro e intensivo em energia. "Nesse sentido, a capacidade do novo catalisador de produzir gasolina a partir da reação é um avanço", diz Cargnello. O reator, em seu laboratório, precisaria apenas de uma pressão maior para dar origem a todos os hidrocarbonetos de cadeia longa para fabricar gasolina.

A gasolina é líquida à temperatura ambiente e, portanto, muito mais fácil de manusear do que seus irmãos gasosos de cadeia curta — metano, etano e propano —, que são difíceis de armazenar e propensos a vazar para a atmosfera. Cargnello, que trabalha para produzir combustíveis líquidos a partir do carbono capturado, imagina um ciclo neutro no qual o CO2 é coletado, transformado em combustível, queimado novamente e, a partir daí, o ciclo recomeça.

Embora os hidrocarbonetos de cadeia longa sejam um uso inovador do carbono capturado, eles não são perfeitos, reconhece Cargnello. Ele também está trabalhando em outros catalisadores e processos semelhantes que transformam dióxido de carbono em produtos químicos industriais valiosos, como olefinas usadas para fazer plásticos, metanol e etanol, que podem sequestrar o elemento sem devolver CO2 à atmosfera. (PO)