Sob pressão de usuários e da Justiça para combater a desinformação sobre a covid-19 em sua rede , o Twitter diz ter removido no último ano 63.876 posts por violarem sua política contra fake news sobre a pandemia, o que equivale a sete por hora, em média.
A rede social aplicou nesta semana, em dois casos diferentes, sanções a usuários notórios porque eles teriam divulgado em suas contas informações que violam essa política do Twitter.
O pastor Silas Malafaia foi obrigado a apagar tuítes considerados "gravemente nocivos" e teve as atividades de seu perfil suspensas temporariamente depois de dizer que a vacinação de crianças contra a covid-19 seria um "infanticídio".
Por sua vez, o empresário Luciano Hang, dono da rede Havan, teve sua conta suspensa por ordem judicial, de acordo com o Twitter.
Hang é investigado no inquérito das fake news instaurado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que apura se existe uma rede de divulgação de informações falsas entre os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Mas, em nota à imprensa, o empresário disse que sua conta teria sido suspensa por ter compartilhado um vídeo em que um neurocirurgião falava da vacinação infantil contra a covid-19
Hang e Malafaia criticaram o Twitter por considerarem suas suspensões injustas e uma violação de sua liberdade de expressão.
O Twitter tem desde março de 2020 uma política específica para combater a divulgação de informações falsas e enganosas sobre covid-19 em sua rede.
Questionada pela BBC News Brasil sobre os resultados obtidos até agora, a empresa apresentou dados que apontam que, em 2021, foram tirados do ar em todo o mundo sete tuítes por hora por causa deste motivo.
O Twitter disse que não divulga o número de postagens publicadas em sua plataforma, mas o site Internet Live Stats aponta que seriam cerca de 500 milhões de tuítes por dia, ou 20,8 milhões por hora.
Ao todo, no último ano, foram removidos 63.876 tuítes por desinformação sobre a covid-19, de acordo com a plataforma.
Para Raquel Recuero, coordenadora do Laboratório de Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais (Midiars) da Universidade Federal de Pelotas, o número é insuficiente diante da tsunami de informações falsas no Twitter.
"É pouco. É um número muito pequeno para a escala de desinformação que tem hoje só Brasil", avalia Recuero.
Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS-Rio), concorda.
"Considerando que o Twitter se tornou umas das principais ferramentas de mobilização e construção de mensagens que são ligadas a conteúdos desinformativos, que vão desde questionar as urnas até duvidar das vacinas, tirar do ar sete posts por hora parece pouco", diz Souza.
Os dados do Twitter mostram ainda que, em 2021, foram suspensas 3.455 contas por violarem as regras de desinformação sobre covid-19.
Atualmente, a rede social tem no mundo 211 milhões de usuários ativos (que acessam diariamente o serviço), de acordo com a própria empresa.
O Twitter não quis comentar a avaliação dos especialistas entrevistados pela BBC News Brasil.
A rede social afirmou, no entanto, que vem aprimorando ao longos dos últimos quase dois anos sua política de combate à desinformação sobre a covid-19.
A empresa diz que a remoção de conteúdo e a suspensão de contas são atualmente apenas duas das medidas previstas.
Um tuíte pode, por exemplo, ser sinalizado por conter "informações enganosas e potencialmente prejudiciais".
A rede social também pode atrelar um link à publicação para melhor informar o usuário sobre o assunto.
Recuero avalia que o Twitter tem sofrido especialmente nas últimas semanas críticas e cobranças em relação à sua política de desinformação.
"Acredito que tenha a ver com a vacinação infantil, que provocou essa reação. Mas me parece que o Twitter tem permitido muita desinformação. Tem desinformação até na lista de assuntos mais comentados."
A pesquisadora ressalta ainda que, mesmo quando um conteúdo é removido, o tempo de reação da rede social pode comprometer todo o esforço.
"O objetivo dos posts desinformativos é viralizar e, quando viralizam, eles têm uma quantidade absurda de retuítes. Se a plataforma demora para excluir o tuíte original, ele já vai ter sido muito replicado, e a remoção do primeiro post acaba sendo ineficaz."
Isso é especialmente preocupante, segundo Souza, quando as mensagens falsas ou enganosas são publicadas por pessoas que têm muitos seguidores, como Hang e Malafaia.
"As postagens ganham uma visibilidade e repercussão ainda maior", avalia.
O que aconteceu?
O empresário Luciano Hang tinha mais de 250 mil seguidores por exemplo, em sua conta no Twitter que foi suspensa na quarta-feira (12/1).
Este era seu segundo perfil na rede social e foi criado após o primeiro ter sido tirado do ar por ordem do STF ainda em 2020.
O Twitter informou que a nova medida foi tomada também por ordem da Justiça, mas não deu mais detalhes.
O empresário esclareceu em nota enviada à imprensa que o motivo teria sido o compartilhamento de um vídeo em que o médico José Augusto Nasser fala sobre a vacinação infantil.
Nasser foi um dos médicos convidados pela deputada federal Bia Kicis (PSL/DF) para falar na audiência pública promovida pelo Ministério da Saúde sobre o tema.
Na ocasião, ele se manifestou contra a imunização de crianças contra a covid-19.
Em reação à sua suspensão, Hang disse que a medida viola seu direito à liberdade de pensamento e de expressão e afirmou que está em contato com a rede social para reverter a medida.
"Um absurdo! Não é possível que se tenha uma única verdade e que você não possa questioná-la. Agora não podemos mais compartilhar informações para as pessoas tomarem suas próprias decisões?", questionou Hang.
Com 1,4 milhão de seguidores no Twitter, Silas Malafaia também teve sua conta suspensa nesta semana.
O pastor evangélico foi alvo da campanha #DerrubaMalafaia para que ele fosse banido da rede social.
O estopim foi uma postagem em que o pastor disse que a vacinação de crianças contra a covid-19 seria um "infanticidio", embora estudos atestem que a imunização é segura.
Os eventos adversos graves são considerados muito raros e não foram detectados até agora nas milhões de doses já aplicadas em crianças de alguns países, de acordo com especialistas.
Malafaia disse ainda que "os números provam que não há necessidade [de vacinar crianças]", sem apresentar dados na ocasião.
Isso contraria as posições apresentadas até agora por autoridades em saúde do mundo, que indicam a importância da vacinação de crianças para proteção individual e coletiva no combate à pandemia.
"As vacinas que receberam autorização de autoridades regulatórias rigorosas para a indicação de idade de crianças e adolescentes são seguras e eficazes na redução da carga de doenças nessas faixas etárias", disse a Organização Mundial da Saúde.
"A redução da transmissão intergeracional é um importante objetivo adicional de saúde pública ao vacinar crianças e adolescentes", afirmou a entidade.
"A vacinação de crianças e adolescentes também pode ajudar a promover outros objetivos sociais altamente valorizados. Manter a educação para todas as crianças em idade escolar deve ser uma prioridade importante durante esta pandemia."
Além disso, o Brasil é destaque negativo no mundo por morte de crianças por covid-19. Os dados oficiais mostram que houve no país até agora 1.449 óbitos de meninos e meninas de até 11 anos em decorrência do novo coronavírus.
Em meio a críticas de que não estaria tomando as medidas necessárias no caso, o Twitter divulgou na terça-feira (11/1) que havia concluído que "alguns" tuítes de Malafaia violaram sua política contra desinformação sobre covid-19.
Também pediu a remoção de posts identificados como problemáticos e restringiu as atividades na conta do pastor evangélico por 12 horas - prazo que já expirou no momento de publicação desta reportagem.
Malafaia poderia pedir que o Twitter reavaliasse o caso, mas ficaria impedido de publicar em conta enquanto os posts "nocivos" estivessem no ar. O pastor apagou então as mensagens e já voltou a postar.
À BBC News Brasil, Malafaia disse que não inventou nem manipulou dados.
Ele afirmou ter se baseado em números do Ministério da Saúde divulgados em um artigo científico sobre vacina contra covid-19 para crianças e adolescentes assinado pelos médicos Eduardo Jorge da Fonseca Lima, Sônia Maria de Faria e Renato de Ávila Kfouri.
O texto aponta que, em 2021, até 18 de setembro, 1,6% dos casos de síndrome respiratória aguda grave, doença usada como parâmetro para os números de caso de covid-19 no país, haviam sido registrados entre pessoas com até 19 anos. A mesma faixa etária respondeu por 0,4% dos óbitos.
"Qual é a pressa de vacinar crianças?", questionou Malafaia.
O pastor também criticou o Twitter por suas políticas e pela remoção dos seus tuítes.
"O sistema é ridículo. Um monte de gente começa a pressionar, agindo ideologicamente, e eles mandam tirar do ar senão o Twitter não volta a funcionar, quando o certo seria, se há uma acusação, que você possa se defender e então analisem se está certo ou errado", diz Malafaia.
"Um instrumento basilar da liberdade de expressão é a livre manifestação do pensamento, por mais esdrúxulo que seja. O Estado democrático de direito está sendo violado na maior cara de pau, e as pessoas estão assistindo e batendo palmas."
'Twitter pode fazer melhor', diz pesquisadora
Os dois casos são um um exemplo dos problemas enfrentados pelas redes sociais para controlar a circulação de desinformação em suas plataformas e que se tornaram mais agudos com a pandemia.
Essas empresas foram intensamente cobradas por medidas para coibir a propagação de informações falsas e enganosas e divulgaram novas medidas neste sentido nos últimos dois anos.
Mas, na avaliação de Raquel Recuero, o trabalho do Twitter no Brasil a esse respeito vem deixando a desejar quando comparado com o que acontece na rede social em inglês e ao seu principal rival.
Em meio a um estudo sobre o engajamento provocado por conteúdos de desinformação, realizado no segundo semestre de 2021, os pesquisadores do Midiars buscaram os 250 posts sobre vacina mais compartilhados em fóruns públicos no Facebook e no Twitter no segundo semestre de 2020.
Foi considerado desinformação todo conteúdo atestado como falso pela rede de checagem International Fact-Checking Network.
O objetivo era formar uma amostra de posts para o estudo, mas o levantamento trouxe outros dados relevantes que ajudam a ilustrar a eficácia do controle de desinformação realizado pelo Twitter.
Os pesquisadores do Midiars notaram que a absoluta maioria dos posts que tinham sido publicados originalmente no Twitter ainda permaneciam no ar. "E nas fontes originais", ressalta Recuero. "Ou seja, eles nunca foram apagados."
O resultado foi diferente quando o mesmo levantamento foi realizado no Facebook."Não conseguimos recuperar um número bem grande de publicações originais. Elas não estavam mais no ar", diz Recuero.
Ao mesmo tempo, uma análise dos pesquisadores mostrou que conteúdos equivalentes aos posts de desinformação postados em português que haviam sido publicados na rede social em inglês haviam sido excluídos, segundo a pesquisadora.
"Quando as mesmas teorias conspiratórias e desinformação circularam em inglês, foram tiradas do ar. Em português, ficou."
Ao final, entre os 250 posts mais compartilhados em cada duas redes que ainda permaneciam no ar - e que foram compartilhados milhares de vezes, vale ressaltar -, 51% continham desinformação sobre vacina no Facebook e 70% no Twitter.
"Por isso, me parece que o Facebook tem sido mais eficiente no monitoramento da desinformação", avalia Recuero.
O Twitter disse à BBC News Brasil a respeito disso que "aguarda o acesso aos dados completos da pesquisa, bem como os links dos conteúdos considerados como desinformação, para fazer sua análise e, assim, estar apto a comentar as conclusões".
Os desafios do controle da desinformação
O controle da desinformação é algo delicado, porque transita em meio à linha tênue que separa a opinião e a informação, segundo especialistas.
Em muitos casos, opiniões vêm acompanhadas de argumentos supostamente científicos que podem ter sido distorcidos ou já terem sido refutados.
Isso se torna mais complexo em relação à covid-19, porque a polarização política contaminou o debate sobre a pandemia, que também se radicalizou em extremos opostos.
Em uma rede social como o Twitter, fazer esse controle é ainda mais delicado por causa da forma como a rede social funciona, explica Carlos Affonso Souza, do ITS-Rio.
Trata-se de uma plataforma construída em cima da ideia de conversas públicas, sobre temas de interesse público, em que são debatidas diferentes opiniões e pontos de vista.
"Por isso, ela tem um olhar sobre a liberdade de expressão no sentido de não prejudicar esse debate e deixar certas posições no ar para que elas sejam desacreditadas e contraditadas pelos próprios usuários", afirma Souza.
O problema é que nem todos que participam dessa conversa têm o mesmo peso ou influência.
"Não é uma conversa entre iguais. No final, vira um palanque para quem consegue falar mais alto e um lugar para promover discursos enganosos", diz Souza.
São justamente nomes influentes que mais contribuem para propagar a desinformação sobre a covid-19.
"Autoridades emprestam sua credibilidade para essa informação, que acaba sendo republicada milhares de vezes. Elas precisam ser responsabilizadas pelo que dizem publicamente, porque o que elas publicam viraliza, tem muita força e impacto", diz Recuero.
Mas a pesquisadora faz um alerta: "Se você fizer uma pesquisa sobre vacina e infanticídio no Twitter, vai ver a quantidade de tuítes que tem parecidos ao que foi excluído. Não foi só ele que falou isso, então, não adianta tirar só o post dele do ar".
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