Sensores vestíveis já são parte do dia a dia de muitas pessoas, especialmente das que fazem dessa tecnologia uma aliada dos exercícios físicos. Mas, para além de contadores de passos e de calorias, esses dispositivos têm uma variedade de utilizações que vêm contribuindo para tornar diagnósticos médicos mais acessíveis. Entre eles, indicadores de saúde mental, como depressão e abuso de bebidas alcoólicas.
Em Cingapura, cientistas da Universidade Tecnológica (NTU) desenvolveram um programa alimentado por aprendizado de máquina que, por meio de um sensor vestível comum e amplamente disponível no mercado, a pulseira Fitbit Charge 2 pode ser usada para detectar pessoas com risco aumentado de depressão. Em uma pesquisa com adultos deprimidos e saudáveis, o método alcançou uma precisão de 80%, segundo um artigo publicado na revista JMIR mHealth.
O software, chamado Ycogni, rastreia o risco de depressão por meio da análise da atividade física, dos padrões de sono, da frequência cardíaca, dos gastos de energia e do ritmo circadiano, todos eles medidos pela pulseira. Como os rastreadores do tipo — e não apenas dessa marca — são usados por quase 1 bilhão de pessoas, segundo um levantamento feito, no ano passado, pela Statista, os autores acreditam que o sistema poderá ajudar amplamente a rastrear um problema que afeta 264 milhões de pessoas no mundo, sendo que metade dos casos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), não é diagnosticada nem tratada.
Para desenvolver o modelo Ycogni, os cientistas realizaram um estudo com 290 adultos, moradores de Cingapura. Os participantes usaram o Fitbit Charge 2 por 14 dias consecutivos e responderam a duas pesquisas de saúde, que rastrearam sintomas depressivos no início e no fim do experimento. Os voluntários foram orientados a remover a pulseira apenas ao tomar banho ou quando o aparelho precisava ser carregado.
Ao analisar os dados, os cientistas descobriram que os participantes com variações mais expressivas na frequência cardíaca entre 2h e 4h e entre 4h e 6h tendiam a ser mais propensos a apresentarem sintomas depressivos graves. A observação confirma descobertas de estudos anteriores segundo os quais alterações nesse parâmetro durante o sono podem ser um marcador fisiológico válido de depressão.
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Rotinas
O estudo também associou padrões de sono menos regulares, como horários variados de acordar e dormir, a uma maior tendência a ter sintomas depressivos. Segundo os cientistas, embora os ritmos dos dias de semana sejam determinados principalmente pela rotina de trabalho, a capacidade de seguir essa rotina diferencia melhor as pessoas deprimidas das saudáveis, sendo que estas últimas demonstraram uma maior regularidade nos horários de acordar e dormir.
Além disso, o cruzamento dos dados coletados pelo sensor com as respostas qualitativas dos participantes apontou que o sistema foi preciso ao apontar o risco aumentado de depressão à perda de interesse nas atividades diárias e nas alterações no apetite e no peso.
"Nosso estudo mostrou, com sucesso, que podemos aproveitar os dados dos sensores vestíveis para ajudar na detecção do risco de desenvolver depressão", enfatiza Josip Car, diretor do Centro de Ciências da Saúde da População da Escola de Medicina Lee Kong Chian da NTU, que coliderou o estudo. "Com a crescente popularidade desses dispositivos, nosso programa de aprendizado de máquina poderá, um dia, ser usado para a triagem oportuna e discreta da depressão", acredita.
As pesquisas futuras incluirão outros sinais vitais que podem ajudar a rastrear a doença mental, como a temperatura da pele. "Nossa equipe também trabalhará na expansão da detecção de outros estados psicológicos, como fadiga mental, que parece ser um problema alarmante hoje em dia", explica o coautor Georgios Christopoulos, também da NTU. "Os vestíveis podem fazer parte do sistema de feedback para ajudar os terapeutas a avaliar melhor o estado psicológico de seus pacientes", afirma.
Suor
Outra questão grave na área de saúde mental é o abuso de álcool, problema que, de acordo com diversos estudos, se intensificou durante a pandemia da covid-19. Agora, cientistas do Departamento de Saúde Biocomportamental da Penn State, nos Estados Unidos, demonstraram, em um artigo publicado na revista Alcoholism: Clinical and Experimental Research, como os sensores vestíveis podem aumentar a compreensão sobre o excesso de drinques, com base no nível de intoxicação, medido por uma pulseira que detecta a concentração de álcool a partir de quantidades imperceptíveis de suor.
"Ao usar a tecnologia vestível para prever as consequências relacionadas ao álcool — que variam de acidentes automobilísticos a ressaca, falta ao trabalho, agressão sexual etc. —, podemos começar a evitá-las. Nossa pesquisa mostra que sensores vestíveis podem ser usados para ajudar as pessoas a entenderem quando beber está se tornando arriscado", destaca Michael Russell, professor-assistente de saúde biocomportamental, que liderou o projeto. Ele ressalta que a maioria das pessoas não sabe determinar exatamente o consumo excessivo, pois isso depende não só da quantidade de doses, mas do teor alcoólico de uma bebida.
De acordo com Russell, os dispositivos que medem a concentração de álcool através da pele fornecem mais dados do que o bafômetro e as medições de consumo autorrelatadas. Os equipamentos são capazes de registrar o nível máximo de intoxicação de uma pessoa, a taxa em que ela fica intoxicada, a quantidade e por quanto tempo a substância fica no organismo. Além disso, são mais baratos que outros métodos disponíveis atualmente.
O teor de álcool no sangue de uma pessoa pode ser estimado na pele porque 1% do álcool consumido é excretado no suor. A concentração da substância nessa amostra é semelhante à do sangue. "Isso torna os sensores transdérmicos uma boa alternativa para medir o teor de álcool na corrente sanguínea sem precisar da coleta de sangue", diz o pesquisador. Outra vantagem apontada por Russell é que o dispositivo vestível dá uma visão mais abrangente sobre a intoxicação, comparado ao bafômetro. "Os bafômetros não capturam o quanto uma pessoa bebeu, a rapidez com que bebeu e quanto tempo o álcool permaneceu em seu sistema, e os sensores transdérmicos capturam tudo isso", justifica.
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Alerta para o excesso de exercícios
Atividades físicas são aliadas da saúde, mas o excesso de exercícios pode ser prejudicial. Para checar se o atleta passou dos limites, pesquisadores da Universidade de Ciência e Tecnologia King Abdullah (Kaust), na Arábia Saudita, desenvolveram um sensor vestível que faz esse monitoramento por meio da transpiração. O dispositivo é constituído por nanomateriais ultrafinos conhecidos como Mxenes.
Os MXenes são compostos de metais não tóxicos, como o titânio, em combinação com átomos de carbono ou nitrogênio. Com condutividade naturalmente alta e cargas superficiais fortes, eles são candidatos atraentes para biossensores que podem detectar pequenas mudanças nas concentrações químicas, disseram os cientistas em um artigo publicado na revista Nanomaterials.
Em 2019, o grupo de pesquisa do professor Husam Alshareef desenvolveu um equipamento que consistia em uma braçadeira vestível equipada pelo sensor. O dispositivo, fabricado com os MXenes, era capaz de absorver a transpiração e detectar componentes químicos no suor humano, incluindo glicose e ácido lático. Recentemente, o cientista tentou combinar folhas do nanomaterial com hidrogéis — polímeros cheios de água compatíveis com o tecido humano por serem flexíveis. Ele descobriu que altos níveis de íons móveis no hidrogel produziam uma forte sensibilidade à tensão mecânica que ocorre durante o exercício físico.
Agora, a equipe de Alshareef desenvolveu um protótipo de sensor vestível com o novo composto MXene-hidrogel. O dispositivo foi capaz de rastrear o movimento muscular, produzindo padrões distintos de resistência elétrica à medida que o estresse mecânico aumentava. Esses padrões, por sua vez, mudaram instantaneamente quando o sensor foi exposto a íons adicionais na forma de soluções ácidas ou básicas. "Isso nos levou a perceber que o dispositivo poderia ser usado para correlacionar as mudanças de pH no suor com o acúmulo de ácido indutor de fadiga nas células musculares", diz o cientista.
"À medida que nos exercitamos e nossos músculos se cansam, o sensor detecta o novo ambiente químico e produz diferentes curvas de resistência elétrica versus estresse", explica, em comunicado, Kang Lee, principal autor do estudo. "Ao comparar essas curvas com as de referência para um determinado sensor, podemos determinar o pH do suor e a fadiga do músculo." Os cientistas trabalham, agora, otimizando a tecnologia. "O desafio mais sério é a estabilidade a longo prazo do sensor. Por isso, estamos analisando a alteração de composições e os designs em experimentos futuros", diz Alshareef.