Um dos processos químicos mais utilizados na indústria mundial é a dessalinização da água. Com ele, o líquido valioso, que tem diminuído de forma acelerada no planeta, se torna potável. Na tentativa de simplificar esse processo essencial, cientistas dos Estados Unidos desenvolveram uma fina membrana capaz de realizar a filtragem de sais de forma mais econômica e com a ajuda de uma proteína presente em algas marinhas. A nova tecnologia é mais eficiente que as disponíveis atualmente, indicam resultados de testes laboratoriais. Detalhes do trabalho foram apresentados na última edição da revista especializada Soft Matter.
No artigo, os criadores da tecnologia relatam que garantir um abastecimento adequado de água potável é um problema de segurança nacional, o que os motivou a se dedicar à nova solução tecnológica. “A água doce é essencial para tudo, desde beber e cultivar alimentos até a produção de energia a partir de usinas nucleares, de carvão e de gás natural. Estimativas recentes apontam que até metade da população mundial poderá viver em áreas com escassez de água até 2025”, escrevem.
Atualmente, um dos processos químicos mais utilizados comercialmente para retirar o sal da água é a osmose reversa. Esse método, porém, tem limitações. “Um dos problemas é que, para retirar os contaminantes da água, usamos muita pressão. É ela que empurra o líquido em direção a uma membrana para filtrá-lo. Só que é necessário aumentar essa pressão toda vez que temos muitos poluentes e, com isso, gastamos muita energia. Quanto mais concentrada a solução salina, maior o problema”, detalham os autores.
Para fugir desse problema, a equipe resolveu explorar uma técnica já conhecida: a eletrodiálise. “Esse é um método que também precisa de eletricidade, usamos uma corrente elétrica para extrair o sal. Mas é uma opção melhor porque a energia requerida é bem menor do que nas máquinas de pressão”, comparam. O toque dos americanos foi o desenvolvimento de uma membrana impermeável feita de biofilme. Trata-se de um conjunto de micro-organismos unidos com um polímero, extremamente fino, como uma teia de aranha, mas capaz de resistir ao impacto da água. Uma corrente elétrica é aplicada na fina película, fazendo com que ela consiga capturar, de um lado, íons carregados positivamente, presentes em sais como o sódio; do outro, íons carregados negativamente, encontrados no cloro, por exemplo.
Na tentativa de tornar esse processo mais eficiente, a equipe colocou, na fina membrana, a fenilalanina. Essa molécula, que está presente em algas, consegue capturar íons de carga positiva com extrema rapidez. “Ela é uma proteína de transporte de íons muito eficaz, pois permite a passagem de muitos íons positivos diferentes, incluindo os de sódio, potássio e cálcio, mas não íons carregados negativamente. Este tipo de seletividade é importante porque permite que a membrana trabalhe de forma ainda melhor”, explica, em comunicado, Susan Rempe, principal autora do projeto e bioengenheira do Sandia National Laboratories.
Terras raras
Os testes laboratoriais com a solução tecnológica têm resultados positivos e com desempenho animador, quando se considera outros métodos de dessalinização. “Realizamos uma série de análises minuciosas e, com os dados obtidos, acreditamos que temos um projeto com grande potencial comercial. É claro que precisamos de mais análises, mas acreditamos ter uma opção mais barata e eficaz graças ao auxílio da natureza”, afirma Rempe.
A cientista adianta que planeja projetar uma membrana de eletrodiálise que consiga separar íons presentes em metais de terras raras, um grupo de 17 elementos químicos com características especiais bastante visadas na área industrial. “Os íons de terras raras são usados em conversores catalíticos automotivos, ímãs poderosos, baterias recarregáveis e telefones celulares. Eles são extraídos principalmente na China”, explica.
Limitações
Na avaliação de Rogério Machado, professor de química e meio ambiente na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, a tecnologia tem como grande destaque o uso de uma substância encontrada na natureza para refinar uma técnica já conhecida e bastante empregada. “Não podemos dizer que é um método totalmente novo, pois a eletrodiálise já ajuda a retirar o sal da água. Mas os pesquisadores conseguiram criar um sistema ainda mais eficiente com essa substância, a fenilalanina, que é usada em outras áreas, mas que não tinha sido explorada em técnicas que buscam água potável”, diz.
Segundo o professor, a abordagem proposta pelos americanos só pode ser usada em casos específicos, como dessalinização de água salobra e água do mar. “Não é algo para ser utilizado com esgoto, por exemplo. Para isso, teríamos que usar outros métodos mais complexos”, explica. Machado acredita que trabalhos como o desenvolvido por Rempe e os colegas, de incorporar moléculas presentes na natureza, devem crescer nos próximos anos. “Acho que é o que mais temos visto nos últimos anos, além da busca por tecnologias mais baratas e, consequentemente, mais benéficas ao meio ambiente. Com certeza, teremos tecnologias similares a essa no futuro, principalmente na busca por água potável.”