Em 2050, prevê a Organização das Nações Unidas (ONU) que dois terços da população mundial estará concentrada nas cidades. Entre as muitas consequências do movimento intenso de urbanização, está o aumento da demanda pelo cimento, material básico para a construção de estradas a edifícios. Mas não basta aumentar a produção. Desde o momento em que se começa a erguer uma casa ou a pavimentar o asfalto, por exemplo, já tem início o processo de deterioração das estruturas. Por isso, engenheiros buscam novas tecnologias que, além de sustentáveis, sejam cada vez mais resistentes.
Uma das maneiras de aprimorar a funcionalidade dos materiais é aumentar a quantidade de carbono, mas isso faz com que se perca algum grau do desempenho mecânico. Porém, ao introduzir nanopartículas no cimento comum, pesquisadores da Universidade de Northwestern, nos EUA, alcançaram, segundo um estudo publicado na revista Philosophical Transactions of the Royal Society A, um cimento mais inteligente, durável e altamente funcional.
Como o cimento é o material mais consumido globalmente e a indústria que o produz é responsável por 8% das emissões de gases de efeito estufa causadas pelo homem, a professora de engenharia civil e ambiental Ange-Therese Akono recorreu à versão nanorreforçada, em busca de uma solução. Akono, principal autora do estudo e pesquisadora da Faculdade de Engenharia, diz que os nanomateriais reduzem a pegada de carbono do cimento, mas, até agora, pouco se sabia sobre seu impacto no comportamento de fratura das infraestruturas. “Como especialista em mecânica de fratura, eu queria entender como mudar a produção de cimento para melhorar a resposta a esse problema”, diz.
Ela explica que o teste de fratura tradicional, no qual uma série de feixes de luz é lançada em um grande bloco de material, envolve muito tempo e componentes e, raramente, leva à descoberta de novas matérias-primas. Akono, então, desenvolveu um novo método, chamado teste de arranhão, que avalia a resposta à rachadura aplicando uma sonda cônica com força vertical crescente contra a superfície de pedaços microscópicos de cimento. Segundo a pesquisadora, isso requer menos materiais e acelera as descobertas.
“Pude ver muitos materiais diferentes ao mesmo tempo”, diz. “Meu método é aplicado diretamente nas escalas de micrômetro e nanômetro, o que economiza uma quantidade considerável de tempo. Então, com base nisso, podemos entender como os materiais se comportam, como eles trincam e, em última análise, predizer sua resistência à fratura.”
As previsões obtidas por meio de testes de arranhão também permitem que os engenheiros façam alterações nos materiais que melhorem o seu desempenho. No artigo, nanoplacas de grafeno, estrutura do carbono que está ganhando popularidade rapidamente na formação de materiais inteligentes, foram usadas para melhorar a resistência à fratura do cimento comum. A incorporação de uma pequena quantidade de nanomaterial também melhorou as propriedades de transporte de água, incluindo a estrutura de poros e a resistência à penetração de líquido, com diminuições relativas relatadas de 76% e 78%, respectivamente.
Previsões
Akono afirma que as implicações do estudo abrangem muitos campos, incluindo construção de edifícios, manutenção de estradas, otimização de sensores e geradores e monitoramento de integridade estrutural. Ela lembra que os materiais inteligentes permitem que as cidades atendam às necessidades das populações em crescimento em termos de conectividade, energia e multifuncionalidade.
A engenheira diz que está animada com a perspectiva de que sua pesquisa poderá influenciar outras equipes. Ela conta que já está trabalhando em propostas que visam o uso de resíduos de construção para formar novo concreto e considera ir ainda mais longe, aumentando a fração de nanomaterial que o cimento contém. “Eu quero olhar para outras propriedades, como a compreensão do desempenho de longo prazo. Por exemplo, se você tem uma construção feita de nanomateriais à base de carbono, como pode prever a resistência em 10, 20 ou 40 anos?”
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Varredura e compressão em microescalas
Na Universidade Estadual da Carolina do Norte, nos EUA, uma equipe de pesquisadores também está preocupada com a melhoria da qualidade do concreto e, para isso, desenvolveu uma técnica chamada compressão micropilar. Trata-se de uma tecnologia que permite caracterizar a resistência em microescala do cimento. Segundo eles, isso levará ao desenvolvimento de um material com propriedades de resistência desejáveis para aplicações de engenharia civil.
“As informações coletadas usando essa técnica podem ser usadas para entender melhor o comportamento do concreto quando ele falha, assim como fornecer dados importantes para modelos ‘constitutivos’, que são usados para projetar e determinar a segurança de estruturas de engenharia civil de grande escala,” diz Rahnuma Shahrin, engenheira civil e pesquisadora de pós-doutorado na instituição. Ela também é a principal autora de um artigo sobre a técnica, publicado na revista Journal of Nanomechanics and Micromechanics.
Para Sharin, os resultados da pesquisa impactarão significativamente o estudo de falha de materiais que contêm cimento. “A produção, o transporte e o uso de concreto representam entre 5% e 9% do total de emissões de dióxido de carbono em todo o mundo. O conhecimento desse estudo pode ser aplicado ao desenvolvimento de materiais mais fortes e sustentáveis para infraestrutura civil, reduzindo o consumo de recursos naturais e a produção de CO2”, aponta.
A engenheira explica que a resistência à compressão do cimento é um fator essencial para determinar quanta carga o concreto pode suportar. Sabe-se, há muito tempo, que a resistência do cimento deriva de um ingrediente chamado silicato de cálcio hidratado (C-S-H) — o produto primário formado quando o pó do cimento é misturado com água. Os pesquisadores, porém, não conseguiam, até agora, medir a resistência à compressão do C-S-H em uma amostra de cimento, pois o material necessário para isolar e testar os componentes químicos do silicato é pequeno demais para se fabricar pelos métodos tradicionais.
Heterogêneo
Para resolver o problema, a equipe da universidade se voltou para a técnica da compressão de micropilar. Normalmente usado em materiais cristalinos, o método usa amostras muito pequenas para determinar a resistência do material. Como o cimento é um material heterogêneo, feito de vários componentes, Shahrin usou uma técnica de microscopia eletrônica de varredura para identificar os locais nas amostras que tinham a maior proporção de C-S-H em relação a outros materiais constituintes. Assim que identificados, eles foram moídos em cilindros de 2 micrômetros de largura e 4 micrômetros de altura. Essas amostras puderam, então, ser submetidas à compressão micropilar.
“Existem muitas maneiras de fazer cimento, e ele pode ser feito com diferentes constituintes em diferentes proporções”, diz Shahrin. “Mostramos que a técnica micropilar pode ser usada para nos dar medidas precisas da resistência à compressão de C-S-H nesses diferentes tipos de misturas. Essas informações podem ser usadas para nos ajudar a entender como vários processos e os constituintes adicionados durante a produção de cimento podem afetar a resistência do material. É basicamente uma ferramenta que pode ser usada para desenvolver um cimento melhor e mais forte.” (PO)