Bebês que nascem prematuros ou com um peso mais baixo não conseguem manter o calor do corpo e, por isso, correm o risco de apresentar hipotermia. Para evitar que esse tipo de complicação atinja os recém-nascidos, pesquisadores dos Estados Unidos desenvolveram um dispositivo de aquecimento infantil barato, simples e eficaz. Semelhante a um cobertor, a nova tecnologia, chamada Dream Warmer, consegue manter a temperatura ideal para os pequenos por mais de seis horas sem a necessidade do uso de energia elétrica. Testes feitos em Ruanda, na África, tiveram resultados positivos, como a diminuição da taxa de mortalidade de crianças. Os dados animadores foram apresentados na última edição da revista especializada The Lancet.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e autoridades da área recomendam algumas medidas para evitar a hipotermia em recém-nascidos, como o contato pele a pele com a mãe e o uso de uma fonte de calor externa suplementar. Esses métodos, porém, têm algumas limitações. “O contato com o cuidador para manter o bebê aquecido nem sempre é viável, porque ele precisa ser interrompido para a realização de tarefas domésticas, por exemplo. Em países desenvolvidos, os aquecedores elétricos são a melhor opção, mas são caros. Além disso, eles requerem uma fonte de eletricidade, algo que nem sempre está disponível nos países em desenvolvimento”, detalham os autores no estudo.
A equipe americana buscou uma nova alternativa para ajudar os cuidadores: um aparelho que dispensasse o uso da energia elétrica, tivesse um baixo custo e fosse conveniente e reutilizável. Todos esses requisitos foram a base para o desenvolvimento do Dream Warmer. Ao contrário de outras estruturas que mudam de temperatura, como os colchões, a nova tecnologia não contém água em seu interior. É composta de uma mistura de óleos vegetais não tóxicos que muda da forma sólida para a líquida quando exposta à temperatura de 37°C. “Isso é possível porque, além do mix de óleos, usamos um material químico feito para ajudar nessa mudança de fase, o PureTemp 37. Ele está presente em toda a estrutura interna do Dream Warmer”, informam os criadores.
Água quente
Para aquecer o cobertor, é necessário apenas o uso de água quente. Por ser pequeno e maleável, o aparelho pode ser enrolado e colocado em um balde até ser “carregado”. “Embora a maioria das comunidades no mundo em desenvolvimento não tenha eletricidade confiável, elas têm fontes confiáveis de água quente, normalmente usadas para beber, cozinhar e tomar banho”, afirmam os cientistas.
O dispositivo também contém um pequeno indicador de temperatura, que mostra quando o material pode ser usado com segurança. “O ideal é dar ao bebê um chapéu e meias, se tiver, e, depois, embrulhar ele e o Dream Warmer em um cobertor. O nosso aquecedor permanece quente por até seis horas, exatamente na temperatura da pele”, diz Anne Hansen, diretora médica da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal do Hospital Infantil de Boston e uma das desenvolvedoras da tecnologia.
A capa do Dream Warmer é feita de um material que facilita a limpeza, algo essencial para os cuidadores, principalmente os de países menos desenvolvidos. “Essa tende a ser uma população que não tem fraldas. Então, uma parte crítica do design era evitar tecidos, velcro ou qualquer outra coisa que não pudesse ser facilmente limpa”, relata Hansen.
Segurança
Para avaliar a eficácia do aquecedor, foram recrutados pacientes de 10 hospitais de Ruanda, entre 19 de novembro de 2019 a 15 de julho de 2020. Durante o período, 464 bebês, sendo 70% deles diagnosticados com risco de hipotermia, usaram o aquecedor 892 vezes. Os pesquisadores observaram que a taxa de eutermia (temperatura normal) aumentou de 51% (antes do uso da tecnologia) para 67% (após o uso).
Os especialistas também constataram que o uso do aquecedor resultou em queda na mortalidade infantil de 2,8% para 0,9%. Eles contam que esperavam algum efeito nesse sentido, mas ficaram entusiasmados com a redução tão significativa. “Foi um resultado de peso e bastante inesperado”, enfatiza, em comunicado, Ashok Gadgil, pesquisador da Universidade da Califórnia e um dos autores.
“Esses resultados demonstram a eficácia e a segurança do aquecedor e abrem as portas para a possibilidade de usá-lo de forma rotineira e generalizada. Primeiro, em Ruanda e, depois, em outros lugares do mundo”, acrescenta Vi Rapp, também autora do estudo. Não houve problemas de segurança ou casos de uso incorreto do aparelho, o que, segundo os criadores, pode ajudar na sua popularização.
Larga escala
Segundo Otavio Andre Chase, membro sênior do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE) e professor adjunto da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), o dispositivo explora uma estratégia inteligente para dispensar o uso de eletricidade. “O aquecimento tão simples desse cobertor é possível porque, ao entrar em contato com a água quente, ele consegue capturar a temperatura e mantê-la estável por horas. Isso ocorre pela diferença da composição de cada um dos materiais e pela forma como eles interagem ao ficarem próximos”, explica.
O especialista destaca que a estrutura simples do aparelho também contribui para uma produção em larga escala. “Só de não utilizar fios, cobre e baterias, que são produtos caros e complicados, como as incubadoras e os cobertores elétricos, já facilita bastante a produção comercial”, justifica. “Essa é uma inovação que classificamos como tecnologia social, feita pensando especialmente em ajudar quem necessita de auxílio. E é o que o mundo precisa.”