Um robô para reforçar a equipe de saúde

Impresso em 3D, braço eletrônico consegue, com apenas um toque, executar atividades rotineiras de um hospital, como aferir a pressão arterial de pacientes. Segundo os criadores, o dispositivo, além de acelerar processos, pode reduzir o risco de transmissão de vírus e bactérias

A rotina diária dos profissionais de saúde envolve alguns riscos, uma condição que ficou agravada durante a crise sanitária gerada pela covid-19. Para facilitar a atividade desses trabalhadores, pesquisadores americanos desenvolveram um auxiliar médico robótico. Com a ajuda da tecnologia 3D, os cientistas construíram um braço humano eletrônico que consegue realizar uma série de exames rotineiros — como medição de temperatura e aferição da pressão arterial — apenas com um toque superficial nos pacientes. A nova tecnologia, apresentada na revista Advanced Materials Technologies, ajuda a evitar complicações pelo contato, como a transmissão de vírus e bactéria. A expectativa é de que, futuramente, ela possa até prescrever medicamentos.

“A recente pandemia demonstra a necessidade de, em algumas situações, minimizar a interação humano e humano entre profissionais de saúde e pacientes. Para ajudar nessa tarefa, nada melhor do que robôs de detecção, que conseguem medir informações de saúde essenciais e reportá-las com segurança”, afirma ao Correio Woo Soo Kim, professor-associado da Escola de Engenharia de Sistemas Mecatrônicos da Universidade Simon Fraser, nos Estados Unidos, e um dos autores do trabalho.

Kim pesquisa robótica e tecnologia 3D há mais de 10 anos, e a ideia de criar um dispositivo voltado para a área médica surgiu recentemente. “Exploramos esses dois nichos tecnológicos desde 2010, quando vim da Coreia do Sul para os Estados Unidos e construí a minha equipe. Mas o conceito de robô médico foi criado há três anos. Desde 2018, temos nos concentrado no desenvolvimento de um novo tipo de detecção biomédica eficiente, construída com técnicas mais inteligentes”, conta.

Com a ajuda da impressão 3D, os cientistas imprimiram peças para montar um braço robótico em tamanho natural. Toda a estrutura foi feita com base em dois materiais que são semelhantes ao plástico e ao metal — bastante resistentes, mas fáceis de serem dobrados. “As estruturas tridimensionais são mais fáceis de lidar, pois são reconfiguráveis. Isso ajuda na montagem. Precisávamos de algo fácil de ser modelado porque nosso objetivo era imitar a forma dos dedos humanos”, diz o autor do estudo.

Cada um dos dedos da mão do robô contém eletrodos biomédicos. Por isso, ao tocarem o braço de uma pessoa, conseguem detectar seus sinais fisiológicos. Com esses recursos, o dispositivo consegue realizar uma série de análises, como eletrocardiograma (que monitora os batimentos cardíacos), frequência respiratória e eletromiograma (movimentos musculares) e temperatura.

Na triagem

Por meio de testes iniciais, o braço robótico gerou resultados apurados em um pequeno grupo de voluntários. “Se ele for implementado nas estruturas dos hospitais, a triagem dos pacientes pode ser feita em muito pouco tempo. Esses robôs podem checar a temperatura e o batimento cardíaco, detectar o nível de oxigênio, entre outros sinais, com facilidade. Com isso, podemos eliminar o risco de interações perigosas entre pacientes e profissionais de saúde. Portanto, qualquer chance de disseminação de vírus causada pelo contato direto seria reduzida”, ressalta Woo Soo Kim.

O projeto terá continuidade. A equipe prevê a inclusão de novas tecnologias ao braço robótico, o que poderá ajudar a expandir o número de ações realizadas. “Se os robôs sensores forem equipados com inteligência artificial, poderão se tornar ainda mais poderosos, conseguindo até prescrever medicamentos a partir dos dados colhidos. Isso, se o paciente tiver sintomas leves, como um resfriado”, explica.

Os pesquisadores também pretendem estudar, de forma mais aprofundada, os níveis de aceitação desse tipo de tecnologia entre várias faixas etárias, de jovens a idosos, dentro de um ambiente hospitalar. “Queremos saber se vamos ter abertura do público, além de ouvir os colaboradores da área de saúde. Precisamos saber se o que criamos atende à demanda diária deles. Também buscaremos financiamentos governamentais para aprimorar o nosso protótipo”, conta Kim.

Escudo

Esther Colombini, membro do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE) e professora de robótica e inteligência artificial da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), destaca que os cientistas desenvolveram um recurso tecnológico extremamente inteligente, que poderá ser usado como uma espécie de escudo para profissionais da saúde. “É importante deixar claro que, quando falamos de robôs que realizam tarefas humanas, não estamos dizendo que eles vão nos substituir. Eles apenas vão atuar para evitar que corramos riscos — nesse caso, para garantir que uma doença não se espalhe, algo ideal para médicos que estão em contato constante com esse perigo”, enfatiza.

Para a professora, o uso da impressão 3D foi uma boa escolha na construção do dispositivo. “Temos visto muitos robôs que são construídos só com o uso dessa tecnologia. Em alguns casos, são incluídos apenas alguns elementos extras, como motores para locomoção. A impressão 3D possibilita uma montagem mais rápida, principalmente na construção de protótipos, como é o caso desse estudo, em que precisamos avaliar se uma peça serve ou se precisa de ajustes. Só em seguida, passamos para uma produção em massa, em escala industrial”, justifica.

Simon Fraser University/Divulgação
"Se os robôs sensores forem equipados com inteligência artificial, poderão se tornar ainda mais poderosos, conseguindo até prescrever medicamentos a partir dos dados colhidos. Isso se o paciente tiver sintomas leves, como um resfriado”
Woo Soo Kim, professor-associado da Universidade Simon Fraser e um dos autores do trabalho


Alternativa aos vestíveis

Os criadores do braço robótico explicam que o dispositivo também foi desenvolvido para ser uma opção alternativa às novas tecnologias vestíveis, que realizam tarefas semelhantes, mas nem sempre funcionam com todos os públicos. “Quando se trata de detecção biomédica, é comum lembrar, primeiro, dos dispositivos que usamos no corpo, como relógios inteligentes. Mas nossa pesquisa inaugurou um caminho alternativo de detecção autônoma. Precisamos nos educar para usar os vestíveis, porém alguns grupos de usuários, como crianças pequenas ou idosos, podem não estar interessados nessas tecnologias”, explica Woo Soo Kim, da Universidade Simon Fraser.

Segundo Esther Colombini, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o uso da robótica no ambiente hospitalar já apresenta resultados positivos. Para ela, esses dispositivos vão se tornar cada dia mais comuns no cotidiano. “Temos alguns exemplos de recursos semelhantes que deram certo, como robôs usados em unidades de terapia intensiva (UTIs), que oferecem chamadas de vídeo para pacientes que não podem ver os familiares, por exemplo, evitando que um enfermeiro precise segurar um celular ou tablete. Temos essas estruturas presentes até na nossa vida cotidiana, dentro de casa, com os aspiradores”, justifica.

A especialista brasileira enfatiza ainda que uma série de novos recursos semelhantes ao braço robótico desenvolvido pelos cientistas americanos estão por vir. “Há muitas pesquisas feitas nessa área. É questão de tempo até que surjam mais dispositivos semelhantes e com mais aplicações disponíveis — possivelmente, muitos deles voltados para a área médica, uma tendência vista nos últimos tempos. No Brasil, temos muitas universidades que trabalham com isso, mas, infelizmente, falta investimento, que é extremamente importante para esses projetos crescerem”, afirma. (VS)

Em vez de eletrônicos, ar pressurizado

Pesquisadores americanos desenvolveram um robô que não contém eletrônicos em sua estrutura. O dispositivo, que é controlado e alimentado por ar pressurizado, também é mais barato e leve que aparelhos semelhantes, o que facilita o uso em locais mais íngremes. A nova tecnologia pode se tornar uma ferramenta promissora para estudos ambientais.

“Esse trabalho representa um passo fundamental em direção a robôs totalmente livres de eletrônicos”, declara, em comunicado, Dylan Drotman, pesquisador da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e principal autor do estudo científico, apresentado na última edição da revista Science Robotic.

Segundo o pesquisador, já existem alguns robôs mais leves, movidos a ar pressurizado, mas eles são controlados com o auxílio de circuitos eletrônicos. “Essa abordagem requer o uso de componentes complexos, como placas de circuito, válvulas e bombas, que, muitas vezes, precisam ser acoplados fora do corpo do robô. Queremos nos livrar disso, fazer o controle e a locomoção, tudo por meio do ar pressurizado”, diferencia.

Para dispensar o uso dessas peças, Drotman e sua equipe criaram um sistema mais leve e de baixo custo, feito de tubos e válvulas flexíveis, montados dentro do robô. Essas estruturas, chamadas circuitos pneumáticos, atuam como osciladores. Controlam a força com que o ar pressurizado entra nos “músculos” e nas “quatro pernas” da máquina. Dessa forma, só precisamos de uma fonte de ar pressurizado, que é muito fácil de ser obtida e pode permitir que, em poucas horas, o robô esteja pronto para explorar uma região mais difícil de ser acessada. Além disso, pode receber uma série de comandos”, explica.

Em teste

Os cientistas ainda estão na fase dos testes em laboratório com o protótipo, mas seguem animados com resultados iniciais obtidos. No futuro, pretendem melhorar a marcha do robô para que ele possa andar em terrenos naturais e superfícies irregulares, enfrentando uma série de obstáculos. “Isso exigirá um sistema pneumático mais complexo”, adianta Drotman.

Há também a aposta de que o sistema empregado na máquina possa ser copiado para outros dispositivos sofisticados. “Nosso foco foi desenvolver uma espécie de sistema nervoso movido a ar, bem mais simples que os atuais, mas, com essa nossa nova abordagem, é bem possível desenvolver um cérebro robótico extremamente elaborado. É uma das muitas opções futuras”, aposta Drotman.