Plantação interativa

Dispositivo capta sinais elétricos emitidos por plantas e consegue repassar comandos

Solução poderá ajudar no monitoramento de lavouras e inspirar a criação de peças robóticas com sensibilidade apurada

Vilhena Soares
postado em 29/03/2021 06:01
 (crédito: NANYANG TECHNOLOGICAL UNIVERSITY/)
(crédito: NANYANG TECHNOLOGICAL UNIVERSITY/)

O plantio de alimentos é essencial para a sobrevivência da sociedade, mas também bastante complexo, já que agricultores lidam com uma série de fatores externos até chegar à colheita. Esse trabalho pode se tornar um pouco mais fácil com a ajuda de uma tecnologia criada por pesquisadores da Ásia. Eles desenvolveram um minúsculo dispositivo eletrônico que consegue monitorar o comportamento de plantas e até “se comunicar” com elas. O aparelho, apresentado na última edição da revista especializada Nature Eletronics, pode ser usado para evitar o surgimento de pragas e também auxiliar na construção de robôs.

Sabe-se, há décadas, que as plantas emitem sinais elétricos para responder ao ambiente em que vivem e para se comunicar com alguns animais, como as abelhas, que recolhem pólen. Pesquisadores da Universidade Tecnológica de Nanyang, em Cingapura, desenvolveram uma ferramenta capaz de monitorar esse comportamento, com a esperança de abrir portas para uma série de conquistas na área agrícola. “É algo muito interessante para não ser usado. Se conseguirmos medir os sinais elétricos das plantas, vamos ter um mundo de novas possibilidades valiosas, como detectar as doenças nas colheitas mais cedo”, ilustram.

Segundo os investigadores, o monitoramento é uma tarefa difícil, porque os sinais elétricos emitidos pelas plantas são muito fracos e só podem ser detectados quando há um bom contato entre as superfícies das plantas, folhas e caules, e o aparelho eletrônico usado para a medição. “As estruturas peludas, cerosas e irregulares das plantas tornam difícil para qualquer dispositivo eletrônico de película fina se conectar e obter uma transmissão de sinal confiável”, explicam.

Para superar essa dificuldade, os investigadores se inspiraram no eletrocardiograma (ECG), aparelho usado para detectar anormalidades em humanos por meio da medição da atividade elétrica gerada pelo coração. Os investigadores usaram um eletrodo adaptável, com três milímetros de diâmetro, para monitorar as plantas. Nos testes iniciais, o aparelho foi fixado com um adesivo macio e pegajoso, um hidrogel, na folha de uma armadilha de Vênus, planta carnívora com lóbulos de folhas peludos que se fecham sobre os insetos quando acionados.

No experimento, a equipe conseguiu executar duas tarefas importantes: captar e transmitir sinais elétricos. A primeira informação ajuda, por exemplo, a monitorar como a planta responde ao ambiente. No segundo caso, os cientistas conseguiram emitir um comando para que a planta fechasse a folha. Para isso, usaram um smartphone, que transmitiu pulsos elétricos ao eletrodo de monitoramento em uma frequência específica. Dessa forma, a armadilha de Vênus fechou sua folha em apenas 1,3 segundo. “O uso do dispositivo demonstrou total sucesso e não afetou a capacidade da planta de realizar fotossíntese durante o processo”, comemoraram os cientistas.

Em uma segunda fase do estudo, os pesquisadores fixaram a armadilha da Vênus em um braço robótico para que suas folhas fossem usadas como a “garra” do aparelho. No experimento, a planta agarrou um pedaço de fio de meio milímetro de diâmetro. Para a equipe, o resultado indica que a solução tecnológica poderá contribuir para a criação de peças robóticas mais sensíveis, desenvolvidas para lidar com objetos frágeis.

Prevenção

Com relação à agricultura, a expectativa é de que os profissionais do setor possam tomar medidas preventivas, usando o sensor elétrico de comunicação para, por exemplo, evitar prejuízos rotineiros. “Os agricultores podem descobrir quando uma doença está em andamento mesmo antes de os sintomas completos aparecerem, como as folhas amareladas. Eles terão a oportunidade de agir rapidamente e manter o rendimento do plantio”, ilustra, em comunicado, Chen Xiaodong, professor do Departamento de Ciência e Engenharia de Materiais da Universidade Tecnológica de Nanyang, em Cingapura, e um dos autores da pesquisa.

Para os especialistas, a ferramenta de monitoramento se torna ainda mais importante diante dos prejuízos climáticos gerados pelo aquecimento global. “A mudança climática está ameaçando a segurança alimentar. Monitorando os sinais elétricos das plantas, podemos detectar possíveis sinais de perigo e anormalidades e evitar transtornos que são já esperados pelos produtores”, acrescenta Xiaodong.

Vivaldo José Breternitz, professor da Faculdade de Computação e Informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie, também acredita na funcionalidade da ferramenta, apesar de o seu desenvolvimento estar em fase inicial. “Já temos alguns dispositivos tecnológicos usados para monitorar colheitas, como drones, mas esse tipo de tecnologia, que é mais individual, pode gerar dados mais completos sobre as plantas. Porém, só saberemos disso mais à frente. É algo que precisa ser mais testado, ainda está no nível de protótipo”, diz.

Breternitz indica outro ponto do trabalho que precisa ser mais explorado: a “tradução” dos sinais emitidos pelas plantas. “Para realizar essa tarefa, é necessário criar um sistema de inteligência artificial, um software capaz de decifrar os sinais emitidos. É ele que também vai permitir aos cientistas emitir mais comandos para a planta”, explica.

A possibilidade de usar a tecnologia para o desenvolvimento de robôs também é avaliada pelo especialista brasileiro. “A maioria dos robôs que temos hoje não apresenta essa delicadeza das plantas, eles são, inclusive, construídos com materiais mais pesados. Seria muito interessante termos alguns dispositivos com essas características tão distintas.”

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Maior aderência

Na próxima etapa do estudo, a equipe planeja usar uma cola mais resistente. A ideia é apostar em um novo tipo de hidrogel, o termogel, que se adapta melhor a estruturas mais complexas. Em testes com girassóis, que têm a haste mais peluda, esse material atingiu um força adesiva quatro a cinco vezes maior que a do hidrogel comum.

Palavra de especialista

Aplicações interessantes

“Essa tecnologia permite duas vias de exploração interessantes. A primeira, a longo prazo, que seria a criação de robôs com base na estrutura das plantas. A de curto prazo, e extremamente positiva, seria o aumento da segurança alimentar por meio do monitoramento das plantas. Esse tipo de acompanhamento é cada dia mais importante, porque muitas mudanças drásticas têm ocorrido no ambiente de forma rápida e constante, como fortes chuvas, ausência de água por muitos períodos, secas extremas etc. O que pudermos fazer para evitar que esses fenômenos prejudiquem o desenvolvimento de plantas é muito bem-vindo, pois essas medidas evitam prejuízos para a nossa alimentação. Hoje, temos visto que o uso de tecnologias na área agrícola só cresce, ferramentas como drones e satélites, por exemplo, que conseguem monitorar grandes áreas de terra, têm ajudado bastante os produtores. Com certeza, essa é uma área que deve crescer ainda mais com o surgimento de novos dispositivos, como o desenvolvido por esses cientistas.”

Magno Botelho Castelo Branco, biólogo e doutorando em ecologia e recursos naturais