Vilão do meio ambiente, o polietileno — tipo de plástico mais comum no mundo — pode, no futuro, ser usado na confecção de roupas. Cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, conseguiram transformar o material em fibras e fios, criando, potencialmente, tecidos reciclados. O resultado da pesquisa foi publicado na revista Nature Sustainability.
O polietileno é parte do problema global dos resíduos plásticos. Centenas de milhões de toneladas métricas de polímeros são produzidas a cada ano, a grande maioria das quais é descartada após o uso. Devido à estabilidade química e à durabilidade dos polímeros industriais, os resíduos não se degradam facilmente em aterros sanitários e costumam ser queimados, o que produz dióxido de carbono e outros gases perigosos. Para impedir a crescente inundação de resíduos de polímeros e reduzir as emissões de CO2, os plásticos precisam ser reciclados ou convertidos em novos produtos de valor agregado, sustentam os pesquisadores.
O polietileno, material das sacolas plásticas de supermercado, é fino e leve e pode constituir um tecido mais fresco do que a maioria dos existentes porque não prende o calor. Contudo, ele também retém água e suor, pois é incapaz de evaporar a umidade. Essa propriedade de antiaderência tem sido um grande impedimento para a adoção do material como um tecido vestível, disseram os cientistas do MIT.
Agora, os pesquisadores conseguiram transformá-lo em fibras e fios projetados para dissipar a umidade. A equipe teceu os fios em tecidos leves e sedosos que absorvem e evaporam a água mais rapidamente do que os comuns, como algodão, náilon e poliéster.
Os cientistas também calcularam a pegada ecológica que o polietileno teria se fosse produzido e usado como tecido. Contrariando a maioria das suposições, estimou-se que os tecidos com o material podem ter um impacto ambiental menor ao longo de seu ciclo de vida do que os de algodão e náilon.
Os pesquisadores do MIT esperam que os tecidos feitos de polietileno possam fornecer um incentivo para reciclar sacolas plásticas e outros produtos do tipo em têxteis vestíveis, aumentando a sustentabilidade do material. “Uma vez que alguém joga um saco plástico no oceano, isso é um problema. Mas essas sacolas podem ser facilmente recicladas. E, se você puder transformar o polietileno em um tênis ou um moletom, faria sentido econômico pegar essas sacolas e reciclá-las”, diz Svetlana Boriskina, pesquisadora do Departamento de Engenharia Mecânica do instituto americano.
Aderência
Uma molécula de polietileno tem uma estrutura de átomos de carbono, cada um com um átomo de hidrogênio anexado. A estrutura simples, repetida muitas vezes, forma uma arquitetura semelhante ao teflon, que resiste à aderência à água e a outras moléculas. “Todos com quem conversamos disseram que o polietileno pode mantê-lo fresco, mas não absorve água e suor porque rejeita a água, e, por isso, não funcionaria como um tecido”, diz Boriskina.
No entanto, ela e os colegas do MIT insistiram em fazer fibras tecíveis de plástico. Eles começaram com o polietileno em sua forma de pó bruto e usaram equipamentos de manufatura têxtil padrão para derreter e extrudar o material em fibras finas, semelhante à produção de fios de espaguete. Surpreendentemente, descobriram que esse processo oxidou levemente o material, alterando a energia da superfície da fibra de modo que o polietileno se tornou fracamente hidrofílico e capaz de atrair moléculas de água para sua superfície.
A equipe usou uma segunda extrusora padrão para agrupar várias fibras de polietileno a fim de fazer um fio tecível. Eles descobriram que, dentro de um fio, os espaços entre as fibras formavam capilares através dos quais as moléculas de água podiam ser absorvidas passivamente, quando atraídas para a superfície de uma fibra.
Para otimizar essa nova capacidade de absorção, os pesquisadores modelaram as propriedades das fibras e descobriram que aquelas de um certo diâmetro, alinhadas em direções específicas ao longo do fio, melhoraram a capacidade de absorção do líquido.
Com base na modelagem, os pesquisadores fizeram um fio de polietileno com arranjos de fibra e dimensões mais otimizadas. Então, usaram um tear industrial para tecer o fio em tecidos. Depois, testaram a capacidade de absorção do tecido de polietileno sobre algodão, náilon e poliéster, mergulhando tiras dos materiais na água e medindo o tempo em que o líquido levava para passar ou subir em cada tira.
Em todos os testes, os tecidos de polietileno se soltaram e evaporaram a água mais rápido do que outros. Os pesquisadores observaram que o polietileno perdeu parte de sua capacidade de atrair água com lavagens repetidas, mas simplesmente aplicando um pouco de fricção ou expondo-o à luz ultravioleta, pode-se induzir o material a se tornar hidrofílico novamente. “Você pode refrescar o material esfregando-o contra si mesmo e, dessa forma, ele mantém sua capacidade de absorção”, diz Boriskina. “Ele pode continuamente e passivamente bombear a umidade.”
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Peças podem ser coloridas a seco
A equipe que trabalha na criação de roupas de plástico também encontrou uma maneira de incorporar cor aos tecidos de polietileno, o que tem sido um desafio — novamente devido à resistência do material à ligação com outras moléculas, incluindo tintas e corantes tradicionais.
Foram adicionadas partículas coloridas ao polietileno em pó antes de extrudar o material em forma de fibra. Dessa maneira, as partículas ficaram encapsuladas dentro das fibras, dando-lhes cor. “Não precisamos passar pelo processo tradicional de tingir tecidos mergulhando-os em soluções de produtos químicos agressivos. Podemos colorir as fibras de polietileno de forma completamente seca e, no fim do seu ciclo de vida, podemos derreter, centrifugar e recuperar a partícula para usá-la novamente”, explica Svetlana Boriskina, pesquisadora do Departamento de Engenharia Mecânica do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
O processo de coloração a seco contribui para a pegada ecológica relativamente pequena que teria o polietileno caso fosse usado para fazer têxteis, dizem os pesquisadores. A equipe calculou essa pegada usando uma ferramenta de avaliação do ciclo de vida comumente empregado pela indústria têxtil. Levando em consideração as propriedades físicas do polietileno e os processos necessários para fazer e colorir os tecidos, os pesquisadores descobriram que seria necessário menos energia para produzir têxteis de plástico, em comparação com poliéster e algodão.
“O polietileno tem uma temperatura de fusão mais baixa. Então, você não precisa aquecê-lo tanto quanto outros materiais poliméricos sintéticos para fazer o fio, por exemplo”, explica Boriskina. “A síntese de polietileno bruto também libera menos gases de efeito estufa e calor residual do que a de materiais têxteis mais convencionais, como poliéster ou náilon. O algodão também exige muita terra, fertilizante e água para crescer e é tratado com produtos químicos agressivos, que geram uma enorme pegada ecológica.”
Lavagem facilitada
Em sua fase de uso, o tecido de polietileno também poderia ter um impacto ambiental menor, diz ela, pois exigiria menos energia para lavar e secar o material, em comparação com o algodão e outros tecidos. “Não fica sujo porque nada gruda nele”, diz Boriskina. “Você poderia lavar o polietileno no ciclo frio por 10 minutos em vez de lavar o algodão no ciclo quente por uma hora.”
“Embora seja uma descoberta surpreendente, acho que o planejamento dos experimentos e os dados são bastante convincentes”, diz Shirley Meng, cientista de materiais da Universidade da Califórnia em San Diego, que não esteve envolvida na pesquisa. “Com base nos dados apresentados no artigo, o tecido relatado apresenta propriedades superiores às do algodão. O ponto principal é que o polietileno reciclado pode ser usado para fazer têxteis, um produto de valor significativo. Essa é a peça que faltava na reciclagem de polietileno na economia circular.”
A equipe está explorando maneiras de incorporar tecidos de polietileno em roupas esportivas leves e de resfriamento passivo, uniformes militares e até mesmo trajes espaciais de última geração, como escudos de polietileno contra a prejudicial radiação de raios X do espaço.