Turbulência não derruba avião. Mas rende bons sustos e, em casos mais sérios, o sacolejo exagerado dentro da cabine pode ferir os passageiros. E, embora o fenômeno não faça a aeronave ir ao chão, ele pode desencadear uma queda livre por algum tempo: foi o que ocorreu em junho de 2018, na Austrália, quando um A380 da Qantas “despencou” durante 10 segundos, devido à colisão dos vórtices do avião com outro, que voava próximo.
“Quando os vórtices colidem, há um choque que cria muita turbulência”, diz Carlo Scalo, professor de engenharia mecânica da Universidade de Purdue, nos EUA. Ele é autor de um artigo publicado na revista Journal of Fluid Mechanics, no qual descreve um modelo computacional que poderá ajudar a reduzir ocorrências do tipo. O projeto foi financiado pelo Exército norte-americano.
Vórtice ou vórtex é um fenômeno natural ou provocado, e se caracteriza por movimentos em espiral ao redor de um centro de rotação. Quando se mexe o café na xícara com uma colher, as ondas que se formam no líquido, ao redor do talher, são vórtices. Furacões e tornados, idem. Vórtices envolvidos com as turbulências de aviões são como redemoinhos muito fortes, resultantes da diferença de pressão entre as partes superior e inferior das asas, que criam correntes opostas. Nesse caso, a corrente provocada pela parte inferior flui para a superior pela ponta da asa, reduzindo a sustentação da aeronave.
´Os aviões são desenhados levando-se em consideração esse fenômeno. Por isso, na maior parte do tempo, ele não é um problema. Porém, quando há a colisão de vórtices, como no caso australiano, gera-se uma turbulência extrema. Hoje, explica Scalo, os projetistas das aeronaves fazem simulações que capturam apenas uma parte desse fenômeno. Além disso, as modelagens exigem um processamento extensivo de dados em um supercomputador. “Atualmente, as simulações não são capazes de encenar facilmente tudo o que acontece quando os vórtices colidem. Isso limitou os projetos de aeronaves.”
Liderada por Scalo, uma equipe de pesquisadores da Purdue desenvolveu uma abordagem de modelagem que simula todo o processo de uma colisão de vórtice, em tempo computacional reduzido. Esse conhecimento da física de fluidos, diz o especialista, poderá ser incorporado aos códigos de projeto de engenharia para que a aeronave responda de maneira adequada ao fenômeno.
Daí o interesse do Exército dos EUA: com simulações mais realistas e completas, os engenheiros poderiam projetar veículos, como caças, capazes de manobras mais abruptas, ou helicópteros que podem pousar com maior segurança em porta-aviões, disseram os pesquisadores. “Aeronaves em condições extremas não podem depender de modelos simples”, diz Scalo. “Apenas para solucionar alguns desses cálculos, seriam necessários mil processadores por um mês. Você precisa de computação mais rápida para fazer o projeto da aeronave.”
De acordo com o pesquisador, os engenheiros ainda precisariam de um supercomputador para executar o modelo que a equipe de Purdue desenvolveu, mas esse equipamento seria capaz de simular uma colisão de vórtice em cerca de um décimo a um centésimo do tempo, usando muito menos recursos computacionais do que aqueles normalmente necessários para cálculos em grande escala.
Grande turbilhão
O modelo, chamado de simulação de grande turbilhão com preservação coerente de vorticidade (CvP-LES), foi desenvolvido ao longo de quatro anos. “Ele é capaz de captura física supercomplexa sem ter que esperar um mês porque já incorpora conhecimento que cálculos de escala extrema teriam que reproduzir meticulosamente”, observa Scalo.
Xinran Zhao, pesquisador de pós-doutorado no projeto, conduziu cálculos complexos e em grande escala para provar que o modelo é preciso. “Esses cálculos permitiram criar uma representação mais detalhada do problema, usando mais de um bilhão de pontos. Para efeito de comparação, uma tevê de ultra alta definição 4K usa aproximadamente 8 milhões de pontos para exibir uma imagem”, explica Zhao.
Os pesquisadores, então, aplicaram o modelo CvP-LES aos eventos de colisão de dois tubos de vórtex chamados de “vórtices com nós de trevo”, que são conhecidos por seguir as asas de um avião e “dançar” quando se reconectam, um fenômeno bastante complicado de se capturar. “É muito difícil simular computacionalmente porque você tem um evento localizado, intenso que acontece entre duas estruturas que parecem muito inocentes e sem intercorrências até que colidem”, destaca Scalo.
Usando o supercomputador Brown em Purdue para cálculos de médio porte e as instalações do Departamento de Defesa dos EUA para cálculos em grande escala, a equipe processou dados sobre os milhares de eventos que ocorrem quando esses vórtices “dançam” e incorporou esse conhecimento ao modelo. Os cientistas, então, usaram um modelo de turbulência para simular toda a dança da colisão. Com as informações obtidas, eles esperam poder munir os desenvolvedores de aeronaves de informações capazes de evitar esse tipo de fenômeno.
Em nota, o gerente de programa de Dinâmica de Fluidos do Gabinete de Pesquisa do Exército, Matthew Munsun, afirma que “é uma estratégia inteligente porque torna o método de solução aplicável a uma variedade maior de regimes do que muitas outras abordagens”. “Há um enorme potencial para que isso tenha um impacto real no projeto de plataformas de veículos e sistemas de armas que permitirão aos nossos soldados cumprir suas missões”, opina.