Uma das principais desvantagens do uso do plástico é o seu descarte, já que o material demora mais de 400 anos para se decompor na natureza. Devido ao problema, empresas têm tentado reduzir a quantidade de descartáveis — principalmente as do setor alimentício, que recorrem a essa facilidade para ofertar talheres, copos e tigelas a clientes. Uma nova matéria-prima desenvolvida por cientistas estadunidenses poderá ajudar nesse processo. Eles uniram bagaço de cana-de-açúcar e bambu e os transformaram em um elemento com a mesma resistência do plástico, mas com uma decomposição mais rápida. A nova tecnologia foi apresentada na revista especializada Matter.
“Para ser honesta, a primeira vez que vim de férias aos Estados Unidos, em 2007, fiquei chocada com a quantidade de recipientes de plástico de uso único disponível no supermercado”, confessa Hongli (Julie) Zhu, pesquisadora da Universidade de Northeastern e criadora da tecnologia. A cientista chinesa conta que se surpreendeu ainda mais quando se deparou com torres de pratos, tigelas e talheres de plástico descartados em uma lixeira, durante uma pequena festa de que participou. “Esses apetrechos facilitam a nossa vida, mas logo depois já se transformam em um monte de lixo que não pode se decompor no meio ambiente. Foi aí que me perguntei: ‘Será que não poderíamos usar um material mais sustentável?’”, conta Zhu.
Anos depois, em 2012, ela voltou ao país como pesquisadora e se tornou professora-assistente na Universidade de Northeastern, onde também se dedica a estudos na área de biomateriais. Nos últimos anos, Zhu e sua equipe concentram-se no desenvolvimento de uma matéria-prima que possa substituir o plástico na fabricação de utensílios de cozinha descartáveis. Eles escolheram o bambu e o bagaço da cana-de-açúcar, um dos maiores resíduos da indústria alimentícia, como base para a investida científica. “São dois materiais mecanicamente estáveis e biodegradáveis”, justifica.
Rede de fibras
Os pesquisadores enrolaram fibras de bambu longas e finas com fibras curtas e grossas de bagaço para formar uma espécie de rede apertada. Também adicionaram à combinação o elemento químico dímero de alquil ceteno (AKD), um produto ecologicamente correto muito utilizado na indústria alimentícia. A junção do produto aumentou a resistência ao óleo e à água dos copos e das tigelas feitos com o novo material e garantiu a resistência mecânica do produto — ou seja, forneceu solidez para os utensílios descartáveis, mesmo quando eles eram molhados.
“Fazer embalagens para alimentos é um desafio. É preciso mais do que ser biodegradável”, enfatiza Zhu. “Por um lado, precisamos de um material que seja seguro para alimentos. Por outro, o recipiente precisa ter boa resistência mecânica quando úmido, já que será usado para tomar café quente, por exemplo.”
A principal vantagem do material, porém, está depois que ele é usado: ao ser descartado no solo, ele se decompõe rapidamente, perdendo totalmente a forma após 60 dias. Outro atrativo é que os utensílios descartáveis criados a partir da tecnologia têm uma pegada de carbono significativamente menor. O processo de fabricação do novo produto emite 97% menos CO2 que o empregado para fazer os recipientes de plástico disponíveis no mercado, e 65% menos CO2 do que produtos de papel e plástico biodegradável.
O próximo passo da equipe é baixar ainda mais o custo de produção para competir com o plástico tradicional. Embora o custo dos copos feitos com o novo material seja duas vezes menor que o dos biodegradáveis, os copos tradicionais ainda são um pouco mais baratos. “É difícil fazer com que as pessoas parem de usar esses descartáveis porque eles são baratos e convenientes”, afirma Zhu.
No Brasil
Omar Ginoble Pandoli, professor do Departamento de Química do Centro Técnico Científico da PUC-Rio (CTC/PUC-Rio), destaca que o trabalho desenvolvido na universidade americana é interessante, principalmente pelos materiais escolhidos na fabricação, que são encontrados em abundância também no Brasil. “No Acre, está presente uma floresta nativa de bambu, a maior da América Latina, que poderia ser fonte primária para uma nova economia verde e mais sustentável”, cogita o especialista que, há mais de cinco anos, se dedica a estudos para o desenvolvimento de dispositivos químicos e eletroquímicos a partir da biomassa de bambu.
Segundo o professor, o uso de materiais mais ecologicamente corretos para substituir produtos tradicionalmente usados pela indústria, como o plástico, é uma realidade que ganhará ainda mais força nos próximos anos. “Nosso futuro será voltado ao desenvolvimento de produtos derivados de biomassas biodegradáveis. Teremos a possibilidade de desenvolver uma gama de opções mais econômicas a partir do cultivo e da transformação de plantas e seus derivados secundários, que, até hoje, são pouco utilizados”, aposta. “Papéis, películas, dispositivos eletrônicos e muitos outros tipos de produtos já estão sendo desenvolvidos ao redor do mundo com base nessa premissa. O Brasil ainda precisa avançar nesse sentido para não perder oportunidades.”
Palavra de especialista
Avanços X necessidades
“Essa pesquisa tem como principal objetivo a produção de recipientes de alimentos plásticos alternativos e biodegradáveis a partir de biomassa. Há muitas pesquisas com objetivos semelhantes em andamento, mas, mais do que pensar em alternativas plásticas, precisamos considerar se precisamos mesmo de determinado material, qual seria seu tempo de uso, a sua função, dentre outras questões socioambientais. No fundo, a pergunta de base é: ‘Precisamos mesmo de tanto plástico?’. Muitas vezes, aquele objeto de uso único não é necessário, caso dos canudos. Se precisamos, quais características esse plástico deve ter? Por quanto tempo? É reciclável? Qual é a logística reversa já desenhada para tal? Como todo trabalho científico que busca contribuir para o bem comum, esse acrescenta o uso de resíduos de biomassa e reforça a ideia sobre a necessidade de reúso, reciclagem e, no fundo, circularidade de materiais e energia. Não podemos mais nos dar ao luxo de consumir sem pensar nos impactos que geramos. Os plásticos são, hoje, uma das principais questões a serem discutidas em nível global, e ninguém deve ou pode dizer que não participa dessa problemática.”
Vânia Gomes Zuin,
professora do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo (UFSCar)