Em 2016, o físico Stephen Hawking visitou a Universidade de Harvard e interagiu com alguns estudantes. Entre eles, estava a então bolsista júnior da Sociedade de Fellows da instituição Canan Dagdeviren. Daquele encontro, surgiu o desejo da hoje pesquisadora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) de desenvolver um dispositivo que tornasse mais eficiente a comunicação de pessoas que, como Hawking, falecido dois anos depois, sofrem de esclerose lateral amiotrófica (ELA), uma doença degenerativa que afeta a capacidade de controle muscular.
Hawking tinha uma forma de ELA de evolução lenta. O físico se comunicava usando um sensor infravermelho capaz de detectar contrações musculares em sua bochecha, que movia um cursor por linhas e colunas de letras. Embora eficaz, trata-se de processo demorado e que exige muitos equipamentos para funcionar. Outros pacientes usam dispositivos semelhantes, que medem a atividade elétrica dos nervos que controlam os músculos faciais. No entanto, a abordagem também requer aparelhagem pesado, e nem sempre é precisa.
Não houve tempo de beneficiar Hawkings com a invenção, como gostaria Cana Dagdeviren. Porém, ela conseguiu desenvolver um sensor parecido com a pele e com alto grau de precisão, que poderá mudar a forma como milhares de pessoas que sofrem de ELA se comunicam.
O dispositivo extensível, projetado pela equipe do laboratório de Dagdeviren no MIT, é conectado ao rosto de um paciente e mede pequenos movimentos, como uma contração muscular ou um sorriso. Usando essa abordagem, é possível comunicar sensações e sentimentos, como “Eu te amo” ou “Estou com fome”. Para isso, bastam pequenos movimentos, medidos e interpretados pelo sensor.
“Nossos dispositivos não são apenas maleáveis, macios, descartáveis e leves, eles também são visualmente invisíveis”, diz Canan Dagdeviren. “Você pode camuflá-lo com maquiagem e ninguém pensaria que você tem algo na pele”, conta.
Em um artigo publicado na revista Nature, os pesquisadores descreveram os testes da versão inicial do dispositivo em dois pacientes com ELA. Os resultados indicam que o sensor é capaz de distinguir com precisão três expressões faciais diferentes — sorriso, boca aberta e lábios franzidos.
Chamado de Conformable Decoders, o laboratório de Dagdeviren é especializado no desenvolvimento de dispositivos eletrônicos conformáveis (flexíveis e extensíveis), que podem aderir ao corpo para diversas aplicações médicas. “Os dispositivos atualmente disponíveis são muito rígidos, planos e quadrados, e a confiabilidade é um grande problema. Você pode não obter resultados consistentes em um mesmo dia, com os mesmos pacientes”, diz a pesquisadora.
Componentes
O dispositivo consiste em quatro sensores piezoelétricos embutidos em uma fina película de silicone. Feitos de nitreto de alumínio, esses sensores conseguem detectar a deformação mecânica da pele e convertê-la em uma voltagem elétrica. Segundo Dagdeviren, todos esses componentes são fáceis de produzir em massa; por isso, ela estima que, no mercado, o equipamento custaria cerca de US$ 10 (em torno de R$ 57).
Antes de testar o sensor em pacientes, era preciso registrar, em voluntários saudáveis, diversos movimentos faciais. Os pesquisadores fizeram marcações no rosto dessas pessoas, as gravaram enquanto moviam a face e diziam as letras do alfabeto e enviaram as imagens para um software capaz de analisar como os pequenos pontos se movem em relação uns aos outros.
“Tínhamos pessoas fazendo movimentos diferentes e criamos mapas de deformações de cada parte do rosto”, diz Rachel McIntosh, aluna de graduação do MIT e coautora do artigo. “Em seguida, olhamos nossos mapas e determinamos onde estávamos vendo o nível de deformação correto para nosso dispositivo e determinamos que aquele era um local apropriado para colocar o sensor durante nossos testes.”
Os pesquisadores também usaram as medições das deformações da pele no treinamento de um algoritmo de aprendizado de máquina para distinguir entre sorriso, boca aberta e lábios franzidos. Usando esse algoritmo, eles testaram os dispositivos com dois pacientes de ELA. O sistema acertou com 75% de precisão a distinção entre os três diferentes movimentos.
Com base nesses movimentos faciais detectáveis, uma biblioteca de frases ou palavras poderia ser criada para corresponder a diferentes combinações de movimentos, dizem os pesquisadores. “Podemos criar mensagens personalizáveis com base nos movimentos que você pode fazer”, diz Dagdeviren. “Você pode criar tecnicamente milhares de mensagens que, no momento, nenhuma outra tecnologia está disponível para fazer. Tudo depende da configuração da sua biblioteca, que pode ser projetada para um determinado paciente ou grupo de pacientes”, acrescentou.
As informações do sensor são enviadas para uma unidade de processamento portátil, que as analisa usando o algoritmo que os pesquisadores treinaram para distinguir os movimentos faciais. No protótipo atual, a unidade é conectada ao sensor, mas a ligação também poderá ser feita sem fio para facilitar o uso.
Os pesquisadores entraram com o pedido de patente da tecnologia e, agora, planejam testá-la em outros pacientes. Além de ajudar as pessoas a se comunicarem, o dispositivo pode ser usado para rastrear a progressão da doença ou avaliar se os tratamentos que o usuário está recebendo tem algum efeito.
"Nossos dispositivos não são apenas maleáveis, macios, descartáveis e leves, eles também são visualmente invisíveis. Você pode camuflá-lo com maquiagem e ninguém pensaria que você tem algo na pele”
Canan Dagdeviren, pesquisadora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.