O plástico é um dos materiais mais versáteis para a produção de invólucros e embalagens, mas as 220 milhões de toneladas do material descartadas anualmente provocam uma tragédia ambiental, com contaminação de oceanos, solos e, como demonstrado por um estudo recente, do ar. O produto não pode ser queimado, devido à composição tóxica, e os programas de reciclagem ainda são limitados. Por isso, cientistas buscam alternativas para descartá-lo, sem que isso ameace a saúde do planeta. Uma delas é a decomposição por enzimas.
Há quatro anos, cientistas japoneses descobriram uma bactéria chamada Ideonella sakaiensis 201-F6 que usa como combustível o tereftalato de polietileno (das garrafas pet), um polímero utilizado em plásticos, praticamente impossível de biodegradar. O micro-organismo foi detectado no solo de uma usina de reciclagem. A PETase, enzima responsável pela decomposição desse composto, foi sintetizada em laboratório, mas os testes mostraram que ela só era 20% mais eficiente para o trabalho, comparado à que existe na bactéria. Alguma coisa faltava para reproduzir, com maior sucesso, o que ocorre naturalmente.
Agora, pesquisadores da Universidade de Portsmouth, no Reino Unido, e do Laboratório Nacional de Energia Renovável (NREL) dos Estados Unidos encontraram a solução. Eles conseguiram estudar, em nível molecular, outra enzima que participa do processo e, ao recriá-la em laboratório, observaram que o trabalho conjunto da PETase e da MHETase acelera a degradação do pet: as versões sintéticas devoraram um microfilme plástico seis vezes mais rápido do que a Ideonella sakaiensis 201-F6.
“A MHETase não havia sido estudada, até agora, na mesma extensão que a PETase”, conta Brandon Knott, pesquisador do NREL e coautor do estudo. “Agora, sabemos, em detalhes de nível molecular, como a enzima realmente funciona”, diz. Para isso, os cientistas combinaram abordagens estruturais, computacionais, bioquímicas e bioinformáticas.
Do outro lado do Atlântico, em Oxfordshire, John McGeehan, diretor do Centro de Inovação Enzimática (CEI) da Universidade de Portsmouth, usou uma tecnologia chamada Diamond Light Source. Trata-se de um síncrotron que usa intensos feixes de raios X 10 bilhões de vezes mais brilhantes do que o Sol para funcionar como um supermicroscópio. O equipamento permite enxergar átomos individuais. Assim, a equipe montou a estrutura 3D da enzima MHETase, o primeiro passo para recriá-la em laboratório.
Somando forças
McGeehan recorda que o primeiro estudo de Portshmouth revelando a estrutura da PETase gerou muitas expectativas sobre a solução para um grave problema global. Mas, era preciso buscar uma eficiência maior, o que foi possível criando o “coquetel enzimático”. Depois de caracterizar a MHETase, os cientistas a combinaram à PETase. “Elas atuam melhor juntas do que separadas. A PETase conduz a quebra inicial do polímero PET e a MHETase desconstrói ainda mais os produtos solúveis que produzem os blocos de construção do PET”, diz ele. “Ligar geneticamente as enzimas faz com que funcionem ainda melhor. Por si só, a MHETase não atua sobre o PET”, conta.
A mistura da PETase com a MHETase dobrou a velocidade de decomposição do PET. Quando ligadas fisicamente, isso resultou em uma superenzima, que aumentou essa atividade em mais três vezes. Assim, o coquetel mostrou-se seis vezes mais rápido do que a degradação natural do plástico pela bactéria. McGeehan, que publicou os resultados do estudo na revista Proceedings of National American Society (Pnas), esclarece que, mesmo com o sucesso do experimento, são necessárias mais etapas antes que as enzimas possam ter aplicação industrial.
Ainda assim, os autores do estudo estão empolgados com o uso futuro da abordagem e apostam em pesquisas que misturem enzimas sintéticas baseadas nas naturais, como a da bactéria Ideonella sakaiensis 201-F6, às das fibras de celulose, proteínas de lã, entre outros. “O projeto de sistemas multienzimáticos para despolimerização de resíduos de polímeros mistos é uma área promissora e frutífera para investigação contínua”, escreveram.