A pandemia da covid-19 tem sido um período repleto de novos desafios. Neste momento difícil, a troca de informações é essencial para ajudar as pessoas a lidarem com a doença. A velocidade com que dados são transmitidos e recebidos pode fazer a diferença no tratamento de infectados pelo coronavírus, por exemplo. Muitas cidades brasileiras, porém, enfrentam dificuldades nessa área. Um nanossatélite desenvolvido por cientistas da Universidade de Brasília (UnB) poderá ajudá-las nesse processo. O dispositivo de baixo custo está na etapa de montagem e foi projetado com o objetivo de levar a internet a locais que enfrentam problemas de telecomunicação, como a região amazônica.
Batizada de CubeSat 1U, a tecnologia promissora terá um formato de cubo, com uma aresta de 10 centímetros, e pesará em torno de 1,5 quilo. “Muitos países trabalham no desenvolvimento desses aparelhos, que são mais baratos e se diferenciam dos satélites tradicionais por terem uma massa menor. Eles pesam apenas alguns quilos, enquanto os usados em grandes missões pesam toneladas. Isso é ideal para realizar a tarefa que queremos”, explica ao Correio Renato Borges, coordenador do Laboratório de Simulação e Controle de Sistemas Aeroespaciais da UnB, membro sênior do Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos (IEEE) e responsável pelo projeto.
O tamanho reduzido é essencial para que o nanossatélite consiga se estabelecer em órbitas mais baixas, o que permite uma comunicação mais potente com a Terra. “O objetivo é que a altitude dessa órbita em que ele se estabelece seja em torno de 500 quilômetros. Isso faz com que o atraso de comunicação seja menor com a sua base”, detalha o pesquisador. CubeSat 1U contará com diversos dispositivos eletrônicos, como computador de bordo, sistema de rádio para comunicação com a base, baterias e um painel solar para geração de energia.
Pelo sistema desenvolvido, o nanossatélite proverá sinais para comunicação de voz e de dados para a estação localizada na UnB por meio de conexão em banda estreita. “Esse é um termo que define uma conexão menos veloz. O volume de dados transmitidos é reduzido, mas isso é o que permite chegar a regiões em que é difícil oferecer sinal de banda larga”, explica Borges.
Os dados do nanossatélite serão enviados diretamente para a estação base, onde serão processados pelos cientistas, que também poderão monitorar o dispositivo. “Na estação terrestre, vamos receber esses dados e enviar comandos remotamente. Lá, também saberemos da qualidade do nanossatélite, que chamamos da saúde do aparelho. Precisaremos avaliar se ele está com bateria, seu controle térmico e se os painéis solares geram energia suficiente para o seu funcionamento”, detalha Borges.
Impacto global
Segundo o pesquisador, a solução permitirá que grupos mais isolados, que vivem em regiões afastadas, melhorem a sua comunicação e possam usufruir das facilidades das interconexões tecnológicas. “O nanossatélite pode facilitar também a implementação, em regiões remotas, da Internet das Coisas, que permite a interconexão de dispositivos como celulares, aparelhos de televisão e computadores”, ilustra. “Muitas áreas rurais sofrem com a cobertura da internet devido às características geográficas. Em uma região de mata densa, algo que é uma característica do território amazônico, as torres de celulares não funcionam da forma esperada. Para resolver esse problema, nada melhor do que usar dispositivos aéreos, como os nanossatélites.”
José Breternitz, professor da Faculdade de Computação e Informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, acredita que o estudo é promissor e pode ser visto como um investimento inicial em um setor que será essencial ao país. “Esse é um projeto muito interessante. Além da tecnologia nova, pode proporcionar um ganho ainda maior, que é a capacitação de profissionais. Precisamos muito de técnicos que trabalhem com esse tipo de tecnologia”, analisa. “O uso de nanossatélites vai ser essencial para áreas que estão em crescimento, como a Internet das Coisas e a tecnologia 5G, que já começa a se expandir e promete impactar a área tecnológica consideravelmente”, complementa.
Breternitz frisa que o investimento na área de nanossatélites ajudará a colocar o Brasil em pé de igualdade com outros países, fazendo dele um forte concorrente no mercado tecnológico global. “Esse tipo de satélite proporciona uma série de aplicações. Por isso, a China, os Estados Unidos e uma série de outras nações têm investido pesado nessa área. Ter as mesmas armas que outros países é essencial porque, dessa forma, podemos nos destacar na economia e não ficamos dependentes deles. Fora o fato de poder usufruir de um sistema que é feito totalmente no Brasil”, justifica.
Aposta de décadas
Os nanossatélites são apontados como uma das vertentes mais promissoras na área tecnológica durante as próximas décadas. Eles fazem parte da lista de tendências futuras de tecnologia da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), publicada em 2016. Também são apostas os nanomateriais, a inteligência artificial, a Internet das Coisas, tecnologias avançadas para uso de energias renováveis e sustentáveis e a análise de dados massiva e inteligente (big data).
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Auxílio no combate a pandemias
O projeto do nanossatélite CubeSat 1U surgiu em setembro do ano passado, antes da pandemia da covid-19. Os criadores do sistema acreditam que, agora, essa tecnologia tem valor ainda maior, pois ajudará no combate à disseminação dessa e de outras enfermidades em regiões mais afastadas. “Cenários como o atual exigem que os dados sejam compartilhados o mais rápido possível. Os centros urbanos têm a vantagem de contar com esses recursos. Acreditamos que o nanossatélite pode contribuir para que o mesmo ocorra em locais isolados”, ressalta Renato Borges, responsável pelo projeto.
O especialista acredita que a telecomunicação possibilitará colocar em prática medidas que poupem o tempo no atendimento de pacientes, oferecendo recursos como a telemedicina a povos indígenas. “Essas comunidades são mais vulneráveis à covid-19 porque, na maioria dos casos, não têm estrutura de saúde e demandam logística especial para o transporte de pacientes até hospitais nos grandes centros urbanos”, diz.
Borges explica que o projeto está na fase de busca por peças para compor o nanossatélite, além da montagem da estação solo, que permitirá também o acesso a tecnologias semelhantes. “Temos trabalhado em pontos essenciais, como a análise do clima da região, o que ponde influenciar no uso da tecnologia. Também estamos avançando na parte do solo, o que é muito importante, pois receberemos dados de outros satélites, de outros grupos. Acreditamos que no primeiro semestre de 2021 a tecnologia estará finalizada.”
Geoespaço
Pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em parceria com instituições de ensino brasileiras, como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), também estão desenvolvendo um satélite de tamanho reduzido. O NANOSATC-BR2 foi projetado para realizar o monitoramento, em tempo real, do geoespaço, executando tarefas como a avaliação de partículas cósmicas.
Desde 2014, a solução é submetida a várias etapas de testes e aperfeiçoamento e já tem dada prevista de estreia. “O nanossatélite está nas fases finais de teste e será lançado em março de 2021”, afirma Fernanda Gusmão de Lima Kastensmidt, membro do Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos (IEEE), professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e participante do projeto.
Para a cientista, esse tipo de tecnologia pode ajudar o Brasil a crescer ainda mais no setor tecnológico. “O uso de nanossatélites é muito importante para a expansão do país na área espacial. O Inpe mesmo criou recentemente uma divisão de pequenos satélites, elevando investimento nessa área”, afirma. “Os nanossatélites, normalmente, são mais baratos para projetar e lançar e podem ser usados, com segurança, para diversas aplicações, como rastreamento de imagens e comunicação com áreas remotas.” (VS)