Asas da libélula e da cigarra podem frear superbactérias, aponta estudo

Insetos têm, em seus membros, diferentes nanoestruturas que matam micro-organismos que pousam sobre eles. Cientistas americanos buscam, entre esses mecanismos, os que têm maior efeito antibactericida. O objetivo é explorá-los em soluções médicas

Paloma Oliveto
postado em 24/08/2020 06:00
 (crédito: Chris Johnson - University of Te)
(crédito: Chris Johnson - University of Te)

De painéis solares a turbinas eólicas, passando por fitas adesivas e plásticos de uso hospitalar, são incontáveis os objetos e as tecnologias inspirados na natureza. Agora, as asas da libélula e da cigarra, insetos que repelem alguns micro-organismos, poderão influenciar o desenvolvimento de nanomateriais capazes de destruir bactérias, mesmo as super-resistentes, segundo um estudo de revisão publicado na revista Nature Reviews Microbiology.


As asas das cigarras e das libélulas são cobertas por inúmeros nanopilares. As bactérias que pousam nessas nanoestruturas são puxadas, esticadas ou cortadas, um processo que rompe a membrana celular e, por fim, mata os micro-organismos. Os minúsculos capilares na superfície dos insetos já foram reproduzidos por cientistas, com o objetivo de imitar o efeito bactericida. O estudo de revisão, pela primeira vez, categoriza as diferentes maneiras como essas estruturas fornecem as forças mecânicas necessárias para romper a camada de proteção celular do patógeno e, assim, eliminá-lo.


“Nossas nanoestruturas biomiméticas sintéticas variam substancialmente em seu desempenho antibacteriano e nem sempre está claro o porquê”, afirma a principal autora do artigo, Elena Ivanova, pesquisadora da universidade australiana RMIT, o antigo Instituto Real de Tecnologia de Melbourne. De acordo com ela, catalogar as maneiras diversas pelas quais libélulas e cigarras conseguem destruir a membrana celular das bactérias poderá ajudar no desenvolvimento de materiais de uso hospitalar, um ambiente permanentemente ameaçado pelas superbactérias resistentes aos antibióticos. Por ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que ocorrem 700 mil óbitos devido a esse problema.


Ivanova explica que, assim como a equipe da RMIT, cientistas de várias instituições estão em busca de respostas que possam levar à obtenção desse material, como as dimensões ideais do nanopadrão para que seja o mais letal possível. “Mesmo olhando para as libélulas, por exemplo, vemos que espécies diferentes têm asas que são mais eficientes para matar algumas bactérias do que outras”, afirma. “Quando examinamos as asas em nanoescala, vemos diferenças na densidade, na altura e no diâmetro dos nanopilares que cobrem as superfícies dessas asas. Então, sabemos que a chave está em obter as nanoestruturas corretas.”


De acordo com a pesquisadora, se for possível entender exatamente como os nanopadrões inspirados em insetos matam as bactérias, a engenharia dessas formas ficará mais precisa e eficaz contra as infecções. “Nosso objetivo final é desenvolver superfícies antibacterianas escaláveis e de baixo custo para uso em implantes e em hospitais e fornecer novas armas poderosas na luta contra superbactérias letais.”
Material experimental

Embora reconheça que a produção de superfícies nanoestruturadas em grandes volumes com boa relação custo-benefício ainda seja um desafio, Ivanova afirma que avanços recentes nas tecnologias de nanofabricação mostraram-se promissores para a abertura de uma nova era da nanotecnologia antimicrobiana biomédica. Em maio, por exemplo, cientistas publicaram na revista da Associação Norte-Americana de Química um artigo no qual descrevem um material experimental que repele vírus e bactérias.
No estudo, um dos catalogados por Elena Ivanova, pesquisadores da Faculdade de Tecnologia de Queensland, na Austrália, replicaram o efeito antimicrobiano das libélulas e cigarras ao reproduzir os nanopadrões da superfície das asas desses insetos. A equipe, liderada por Prasad Yarlagadda, pretendia inativar, além de bactérias, vírus.


Os cientistas fizeram experiências com discos de alumínio 6063, que são usados em batentes de portas, painéis de janelas e equipamentos hospitalares e médicos. O condicionamento ácido dos discos com hidróxido de sódio por até três horas mudou a superfície inicialmente lisa e hidrofóbica, transformando-a em ondulada e hidrofílica, com nanopadrões semelhantes aos das asas dos insetos. Bactérias ou vírus foram, então, aplicados aos discos.


A maioria das bactérias Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus foi inativada após três horas na superfície. Já os vírus respiratórios morreram em duas horas. “Ambos resultados foram melhores do que o verificado em superfícies de plástico ou alumínio liso. Os discos mantiveram sua eficácia mesmo após os testes projetados para simular o desgaste que sofrem no cotidiano hospitalar”, diz Yarlagadda.
Os pesquisadores observam que esse é o primeiro trabalho a mostrar propriedades antibacterianas e antivirais combinadas em uma superfície durável e nanoestruturada. De acordo com Yarlagadda, que, agora, estuda as superfícies nanotexturizadas para combater o Sars-CoV-2, a estratégia poderia ser estendida além do uso hospital, em outros locais com grande circulação de pessoas.

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