Os chinelos são um dos produtos mais populares no mundo e, assim como canudos e sacolas, se tornam um problema para o meio ambiente quando perdem a utilidade. Por serem feitos de plástico, eles demoram, em média, quatro séculos para se decompor quando descartados em aterros, lixões e oceanos. Para evitar esse acúmulo de lixo, pesquisadores americanos desenvolveram um material feito a partir de óleo de algas marinhas que tem as mesmas propriedades da matéria-prima original dos famosos calçados e se degrada na natureza em poucos meses. O projeto foi publicado na revista especializada Bioresource Technology Reports.
Segundo os autores do estudo, 3 bilhões de chinelos à base de plástico são produzidos a cada ano. “Mesmo que pareça algo menor, é um produto descartável que todos usam. É o calçado número um do mundo”, contextualiza, em comunicado, Stephen Mayfield, professor de biologia da Universidade de San Diego e um dos responsáveis pela nova tecnologia. “São os sapatos de um pescador, de um agricultor, entre outros. Eles estão presentes em centenas de países. E, de fato, um dos maiores poluentes do oceano é o poliuretano de chinelos e de outros sapatos que são jogados nos rios e fluem para o oceano”, detalha.
Mayfield e sua equipe trabalharam em parceria com uma fábrica de pranchas de surfe que constrói os produtos esportivos com base em óleo de algas. Os pesquisadores desenvolveram uma espuma semelhante ao poliuretano, um polímero com textura parecida à de uma espuma. “Dependendo de como você faz a química, pode fazer espumas duras ou macias usando óleo de alga. Muito do petróleo que usamos hoje veio de algas antigas, e o óleo de algas recém-colhido é quimicamente semelhante”, explica Mayfield.
Os cientistas concentraram-se em atender às especificações comerciais de sapatos de sola intermediária, que precisam ser maleáveis, fazendo movimentos de vai e vem, como os chinelos. Os resultados surpreenderam: a equipe conseguiu imitar as mesmas características da borracha. “Nosso artigo mostra que temos espumas de qualidade comercial que se biodegradam no ambiente natural. Depois de centenas de formulações, finalmente alcançamos uma que atendia às especificações comerciais. Essas espumas são 52% recicláveis e, eventualmente, chegaremos a 100%”, diz Mayfield.
Ciclo de reúso
Mas tão importante quanto fazer os chinelos sustentáveis é desmanchá-los. Para evitar a criação de mais resíduos de plástico, o produto precisa ser biodegradável em condições de compostagem tradicional por um curto período de tempo. Mayfield explica que poliésteres, bioplásticos e plásticos de combustível fóssil, entre outras opções tradicionais, podem se biodegradar, mas apenas dentro de laboratório ou em compostagem industrial. O pesquisador e sua equipe alteraram as ligações químicas do bioplástico de algas para que os sapatos desenvolvidos com o material permanecessem resistentes enquanto estão nos pés, mas se degradassem rapidamente quando descartados.
Em testes, eles emergiram a espuma feita de algas em um composto tradicional (solo) e descobriram que o material se degradou após 16 semanas. Além disso, observaram que os subprodutos decompostos poderiam ser usados para criar materiais plásticos. “Mostramos, então, que poderíamos isolar os produtos despolimerizados, que se transformam em moléculas menores, chamadas monômeros, e usá-los em outras aplicações, completando, assim, um ciclo de reúso”, diz o cientista. A equipe planeja que, a partir do próximo ano, as pessoas poderão “entrar na loja e comprar um chinelo que seja sustentável e biodegradável.”
José Tavares Araruna Júnior, professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental do Centro Técnico Científico da PUC-Rio (CTC/PUC-Rio), acredita que o projeto americano mostra dados iniciais animadores, mas precisa evoluir para que possa ser usado com segurança. “A pesquisa é interessante e muito relevante ao buscar uma solução para a redução da utilização de plásticos oriundos de combustíveis fósseis. Ainda é cedo para afirmar que o bioplástico desenvolvido venha a substituir os polímeros atualmente empregados em sandálias e chinelos. Faz-se necessário uma análise do ciclo de vida desse bioplástico para evidenciar as suas vantagens e desvantagens”, explica.
Segundo o especialista, esse tipo de trabalho é uma tendência mundial, que pode crescer ainda mais nos próximos anos, proporcionando mais opções de materiais sustentáveis. “Há vários grupos de pesquisa em engenharia de materiais e áreas afins que se dedicam ao desenvolvimento de polímeros que sejam mais amigáveis ao meio ambiente e que permitam manter as características intrínsecas a um calçado de boa qualidade: maciez, maleabilidade, durabilidade e resistência”, enumera.
Skip Pomeroy, professor do Departamento de Química da universidade americana e também autor do estudo, enfatiza que a própria sociedade tem demandado mais esse tipo de solução, o que estimula cientistas a buscar as inovações. “Felizmente, as pessoas estão se preocupando com a poluição do oceano por plástico e começando a exigir produtos que possam lidar com o que se tornou um desastre ambiental. E acreditamos que esse é o caminho a ser seguido daqui para frente.” Mayfield lembra ainda que há um grande descompasso entre o tempo de existência de algumas matérias-primas e o de seu uso.“A vida útil do material deve ser proporcional à vida útil do produto. Não precisamos de um material que fica por 500 anos em um produto que você só usará por um ou dois anos.”
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Composição complexa
Chinelos geralmente são feitos de materiais derivados do petróleo, ou seja, de plásticos. Esses têm a forma de polímeros, uma estrutura complexa composta por milhares de micromoléculas. Alguns dos polímeros usados como matéria-prima dos chinelos são poliuretanos, acetatos de vinila (EVA) e estireno butadieno (SBR).
Mudanças também em outras etapas
“Esse é um exemplo de algo que vem sendo muito buscado na área de pesquisa ambiental: o uso de biopolímeros feitos a partir de biomassas que podem ser biodegradáveis. A pesquisa mostra um produto que pode ser produzido de forma sustentável, prejudicando menos o meio ambiente, e que pode se decompor apenas com a ajuda de micro-organismos do solo. Ainda não é uma tecnologia 100% renovável, como destacam os criadores, mas, ainda assim, esse é um passo importante e que pode evoluir para ser totalmente renovável. É importante garantir que não só a matéria-prima do produto seja sustentável, mas também a forma como ele é feita e o fim que ele vai levar. Todas essas etapas precisam ser consideradas. Essa é uma área de pesquisa também explorada por muitos cientistas brasileiros, mas temos sofrido com cortes de financiamento. Desenvolver trabalhos semelhantes a esse é uma tarefa difícil, e que se torna ainda árdua com a falta de investimento. Precisamos de apoio para competir com projetos internacionais como essa pesquisa americana.”
Vania Zuin, professora do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo