Pneus velhos contaminam o meio ambiente, e partículas de microplástico provenientes do descarte desse objeto já foram detectadas, inclusive no oceano. Resíduos de construção civil também geram impactos negativos: entopem bueiros, o que pode facilitar enchentes. Por outro lado, a fabricação de pavimentação, que envolve materiais e processos poluentes, não é menos prejudicial. Uma tecnologia desenvolvida em Melbourne, na Austrália, pretende ajudar a solucionar esses três problemas simultaneamente. Pesquisadores da Universidade RMIT (antigo Instituto Real de Tecnologia de Melbourne) criaram um material que combina entulho e borracha reciclados para pavimentar estradas.
A mistura, descrita em um artigo publicado na revista Construction and Building Materials, não é apenas sustentável, afirmam os autores. Em diversos testes, mostrou-se mais flexível do que o pavimento padrão, o que reduz o risco de rachaduras. De acordo com cientistas responsáveis pela descoberta, o material poderá ser usado como uma “alternativa sustentável para a construção de estradas, em uma solução sem desperdício, utilizando a reciclagem e apoiando a economia circular.”
Construção, reforma e demolição representam cerca de metade dos resíduos produzidos anualmente em todo o mundo, enquanto cerca de 1 bilhão de pneus de sucata são gerados globalmente a cada ano. No Brasil, estimativas do Sistema Social do Transporte e do Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Sest/Senat) apontam que são descartadas, todos os anos, 450 mil toneladas de pneus, sendo 90 milhões apenas de carros de passeio. O país produz mais de 122 mil toneladas de resíduos da construção civil diariamente, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, sendo que somente 21% disso é reciclado.
Mohammad Boroujeni, pesquisador-chefe da equipe da Universidade RMIT, explica que, na Austrália, a situação não é tão melhor. “Apenas 16% dos pneus velhos são reciclados no mercado interno. Cerca de 3,15 milhões de toneladas de entulho processado de construção — conhecido como agregado de concreto reciclado (RCA) — são descartadas a cada ano, em vez de serem reutilizadas”, diz. Ele relata que, em 2019, os governos federal e estaduais concordaram em proibir a exportação de certos resíduos com o objetivo de aumentar a capacidade do país de gerar commodities recicladas de alto valor e demanda associada. Como parte do acordo, será proibido exportar pneus usados até dezembro do ano que vem.
Boroujeni conta que o novo material é o primeiro a combinar entulho e borracha reciclados em uma mistura “otimizada para atender aos padrões de segurança da engenharia rodoviária”. Projetado para ser usado em camadas de base, o produto é mais durável, segundo o pesquisador. “As bases de pavimentação de estradas tradicionais são feitas de materiais virgens insustentáveis — rochas extraídas e areia natural”, conta. Ele explica que o revestimento das estradas é feito de quatro camadas: subleito, base e sub-base, com asfalto no topo. Todas as devem ser fortes o suficiente para suportar as pressões de veículos pesados e, ao mesmo tempo, flexíveis o suficiente para permitir a quantidade certa de movimento para que não rache facilmente.
Combinação ideal
O RCA tem potencial para ser usado sozinho para fabricar camadas de base de estradas, mas a adição de pneu reciclado pode melhorar significativamente o produto acabado, diz Boroujeni. Em pesquisas anteriores, a equipe de engenharia da RMIT mostrou que a mistura de entulho e borracha tem um bom desempenho quanto ao estresse, à resistência a ácidos e à água, assim como propriedades de força, deformação e dinâmica. A baixa propensão a encolhimento e a boa flexibilidade reduzem o risco de rachaduras.
Os pesquisadores analisaram como o mix suportaria as pressões de ser “pisoteado” por inúmeros veículos ao longo de sua vida útil. Para isso, usaram máquinas especiais que avaliam o desempenho do material misturado sob força de atrito, ou tensão de cisalhamento, e compararam diferentes tipos de borracha (fina e grossa) misturada na RCA em proporções diversas.
A equipe chegou à mistura ideal — 0,5% de borracha fina para 99,5% de RCA —, que proporciona resistência ao cisalhamento, mantendo boa coesão entre os dois materiais. O coautor do estudo, Jie Li, diz que, enquanto a reciclagem de resíduos de construção e pneus vem aumentando, os dois setores continuam produzindo significativamente mais resíduos do que atualmente são reutilizados. “As soluções para nossos problemas de resíduos virão não apenas da redução do quanto vai para o aterro sanitário e do aumento do quanto reciclamos. O desenvolvimento de novos e inovadores usos para nossos materiais reciclados é absolutamente vital”, destaca.
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Das rodas para os tanques de combustível
Pesquisadores da Universidade do País Basco afirmam, em um artigo publicado na revista Renewable and Sustainable Energy Reviews, que pneus usados podem ser utilizados na fabricação de combustível, quando passam por um processo chamado pirólise catalítica, que decompõe moléculas de um produto em altas temperaturas. “A pirólise é uma alternativa extremamente interessante quando se trata de revalorizar os materiais dos pneus para obter combustíveis alternativos e produtos petroquímicos de alto valor agregado. Nesse contexto, ela envolve a degradação da borracha do pneu por meio da aplicação de calor na ausência de oxigênio” conta Miriam Arabiourrutia-Gallastegui, principal autora do artigo.
O grupo de pesquisa analisou as vantagens mais importantes na valorização de pneus usados por pirólise catalítica. “O principal interesse em valorizar resíduos de pneus por pirólise está baseado no potencial dos produtos obtidos: gás, líquido e carvão sólido. O rendimento e a composição de cada um deles dependem das condições da pirólise”, conta Arabiourrutia.
Segundo ela, o líquido é o principal produto obtido na pirólise catalítica. “É basicamente o que mais interessa, pois poderia ser utilizado como combustível se fosse incorporado, por exemplo, em uma refinaria”, explica. A composição da substância é complexa e inclui compostos de diferentes tipos (aromáticos, parafinas, olefinas e naftenos), além dos de enxofre, que limitam seu uso direto como combustível. “Portanto, o interesse pela pirólise catalítica tende a estar ligado à melhoria nas propriedades ou rendimento desta parte”, afirma a pesquisadora.
Os gases produzidos pela pirólise também podem ser usados como combustível para a produção de energia. Por fim, o carvão poderia ser reaproveitado na fabricação de pneus novos. “No processo que utilizamos, a pirólise catalítica tem certas condições muito específicas: o tempo que os gases gerados permanecem no reator é curto, e isso promove uma série de reações que, por exemplo, levam a uma produção de alto rendimento da parte líquida. Vimos também que, mais do que tudo, esse processo permite que o produto líquido seja utilizado nas refinarias para obtenção de combustível”, destaca Miriam Arabiourrutia-Gallastegui.