>> DEBORAH FORTUNA

“Eu comecei a procurar faculdade este ano, mas não vai dar certo.” A fala é de Rebeca Teles, que, embora tenha apenas 18 anos, aparenta já estar vencida pela desesperança. Em 2018, ano em que teve o primeiro filho, ela concluiu o ensino médio com planos de entrar em um curso de nível superior e aumentar, assim, as chances de conseguir um bom emprego. A realidade, no entanto, se impôs sobre os sonhos.

Moradora da Ponte Alta, núcleo rural do Gama, a jovem conta que pensou em estudar à noite, período em que o marido, após voltar do trabalho, poderia cuidar da criança. Mas logo se desiludiu: “Com os horários dos ônibus, não dá para estudar à noite, fazer uma faculdade. Para nós, que moramos aqui, só tem o deslocamento de carro. E quem não tem carro não tem o que fazer”, explica.

A trajetória escolar de Rebeca espelha o cenário descrito pelas estatísticas educacionais brasileiras. Segundo dados da Síntese de Indicadores Sociais (SIS) divulgados em 2018 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quanto mais envelhecem, mais dificuldade de continuar os estudos os moradores das áreas rurais encontram.

Quando se comparam os índices de crianças de 6 a 14 anos que estão no ensino fundamental, as áreas urbanas e rurais do país quase não apresentam diferença. Enquanto, nas cidades, o índice fica em 97,1%, no campo, é de 96,9%. Dos 15 aos 17 anos, porém, a diferença já fica clara. Nessa faixa etária, 70,6% dos adolescentes do meio urbano estão no ensino médio. Entre os do campo, a taxa cai para 57,4%. 

A distância, então, dá um salto gigantesco quando se olha a porcentagem dos jovens de 18 a 24 anos que cursam o nível superior: 25,6% na cidade e apenas 8,3% no campo. Tal situação faz com que a desigualdade entre os dois meios seja enorme. Quando olhada toda a população, brasileira, percebe-se que 17,6% dos moradores de áreas urbanas têm ensino superior completo, enquanto, nas áreas rurais, essa taxa cai para 3,5%. Além disso, 16,5% das pessoas no campo não têm instrução, contra 5,7% nas cidades.

 

Direito de ir e vir

Certamente, mais de um fator explica esses índices. Enquanto programas sociais, como o Bolsa Família, estimulam pais e mães mais pobres a manter suas crianças na sala de aula, a baixa renda das famílias serve de pressão para que os jovens ingressem no mercado de trabalho precocemente, sem concluir todo o ciclo educacional. No entanto, a mobilidade é outro dado que deve ser levado em conta.

O transporte para ir e voltar da escola é um direito dos estudantes brasileiros de ensino fundamental e médio garantido pela Lei nº 11.947, de 2009. No Distrito Federal, para cumpri-la, o governo conta com repasses federais do Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (Pnate), mas, como o recurso está longe de ser suficiente, são utilizadas outras fontes, como o Fundo de Participação dos Estados e Distrito Federal. 

Em 2018, foram investidos no transporte escolar local R$ 119,8 milhões, atendendo aproximadamente 58 mil alunos. Desses, 17 mil moram em zonas rurais, que podiam contar com 510 ônibus, de acordo com a Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob). A disponibilidade do serviço, porém, deixa os moradores intrigados. Se os ônibus escolares rodam, não são as estradas de baixa qualidade que impedem a oferta regular de transporte, como alegam algumas empresas. “Se o escolar funciona, por que não pode funcionar o convencional?”, indaga a líder comunitária do Capão Comprido, em São Sebastião, Michelly Sllany de Matos, 34 anos.

Em todas as zonas rurais do Distrito Federal visitadas pelo Correio, o serviço escolar é elogiado, embora, por causa das estradas de terra, as jornadas possam ser desconfortáveis e longas — a média de duração é de 40 minutos, passando de uma hora em alguns trajetos. “Não tem muito do que reclamar. Na época da poeira, tem muita. Mas a monitora (responsável pelos alunos durante a viagem) é uma excelente pessoa”, elogia a agricultora Vanessa Silva Faria, 25 anos, moradora do núcleo São José, em Planaltina, e mãe dos estudantes Oswaldi Marcos, 9, e Arthur Gabriel, 6.

Segundo a Semob, está em fase de implementação um sistema de monitoramento do transporte escolar, por meio do qual os veículos são rastreados via GPS. A pasta diz que a inovação vai proporcionar “maior precisão e controle das quilometragens e duração dos percursos”. 

E depois?

Foi num desses ônibus que Rebeca foi para a escola durante todo o ensino médio. Na hora de cursar a faculdade, porém, se viu presa em casa. Em outros núcleos rurais, a queixa se repete. E jovens que podem fazer uma graduação ou um curso técnico se veem obrigados a escolher entre abrir mão da formação ou do lugar onde moram.

"Aqui não tem ônibus em horário nenhum pra gente. E tem muito jovem que termina o ensino médio e fica parado, ou então tem que se locomover para a casa de algum familiar ou alugar uma casa na cidade", lamenta Lauricélia Alves de Souza, 28 anos, moradora do Buriti Vermelho, no Paranoá.

Essa situação faz com que muitos moradores perguntem por que não se cria um serviço do mesmo tipo para atender os universitários das zonas rurais, uma vez que os alunos da educação de jovens e adultos (EJA) são beneficiados. Diante da indagação, a Semob afirma que já avalia essa possibilidade, buscando uma forma de atender os universitários que estudam de manhã e de tarde com os ônibus já existentes e de oferecer transporte para os alunos da noite sem aumentar o deficit no sistema.

Garantir meios de os jovens melhorarem sua qualificação é uma medida essencial não só para o desenvolvimento de cada um deles, mas de toda a região, aponta Débora Ferreira da Cunha, professora da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG). “Se as pessoas não têm acesso à educação, como elas vão se inserir no mercado de trabalho? Se houvesse políticas públicas e atenção mais específica para essas áreas, isso também contribuiria para o desenvolvimento regional”, avalia. 


Solução a distância

Diante da dificuldade de se locomover até uma faculdade, alguns jovens dos núcleos rurais do DF buscam a saída no ensino superior a distância. É o caso de Isabela Duarte Oliveira, 21 anos, moradora do Núcleo Rural São José, em Planaltina, a 70km do Plano Piloto. A jovem conta que na localidade, até passam ônibus, mas em horários que inviabilizariam os estudos. “Se não tivesse ensino a distância, eu teria que dar um jeito de morar em outro lugar, porque não tem como sair daqui”, diz a estudante, que cursa pedagogia. 

Em 2015, com a disponibilidade de utilizar o carro do pai, ela chegou a fazer um curso técnico de nutrição, que se seguiu por dois anos, em Planaltina. “Aí, eu saía daqui às 5h40, ia de carro até onde passa o ônibus, às 6h, e ia para a aula, que começava às 7h30. Às 12h, a aula acabava, eu pegava ônibus para Formosa, onde meu pai me buscava”, conta.

Sua vizinha e colega de curso, Geisy Kelly Gomes de Oliveira, 18 anos, ressalta, porém, que nem sempre é possível uma solução assim. "A maioria aqui mora com os pais, que quase nunca têm condições de levar os filhos para a faculdade, porque o gasto é muito alto." 

Com a EAD, elas garantem que estudar se tornou bem menos árduo. O problema é que essa solução ainda não está ao alcance de todos os jovens que moram em áreas rurais do Brasil. Falta para muito deles uma ferramenta básica: a internet. No Centro-Oeste, por exemplo, apenas 45,3% dos domicílios têm acesso a rede mundial de computadores, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua de 2017, do IBGE. 

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