>> DEBORAH FORTUNA
Quadrado planejado para tudo comportar, o Distrito Federal se revela hoje um quebra-cabeça no qual a peça “rural” não se encaixa. A precariedade das estradas e a escassez ou falta completa de transporte público funcionam como um muro que separa os moradores dos mais de 140 núcleos não urbanos de Brasília da educação, do trabalho, da saúde, da segurança e do lazer.
Após acompanhar, ao longo de um mês, a rotina dos brasilienses que vivem nessas regiões, o Correio constatou como a falta de transporte de qualidade e baixo custo faz com que jovens desistam de cursos técnicos e universitários, trabalhadores percam oportunidades de emprego, doentes fiquem sem atendimento médico e mulheres sejam expostas à violência em lugares ermos. “O governo não nos enxerga”, resume a líder comunitária Márcia Aparecida de Souza, 30 anos, moradora do Núcleo Rural Buriti Vermelho, no Paranoá.
Na esperança de serem vistos e poderem construir um futuro melhor, muitos se veem obrigados a deixar suas famílias e o lugar onde cresceram. “Aqui, ou você vai embora, ou você não trabalha nem estuda”, diz Francisco José Carvalho Maia, que, aos 74 anos, viu muitos jovens do Núcleo Rural Morada dos Pássaros, em Brazlândia, viverem esse dilema.
Dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) sugerem que a escolha pela primeira das opções apresentadas por Francisco tem sido cada vez mais comum. Segundo o Atlas do DF, publicado em 2017, os moradores das zonas rurais representam 2,9% dos pouco mais de 3 milhões de habitantes da capital. Mas esse índice tende a cair. Entre 2000 e 2010, a população rural diminuiu de 89,6 mil para 88,8 mil pessoas, com queda mais significativa entre os jovens. O fenômeno, afirma o documento, se deve provavelmente à “busca por estudos e/ou melhores condições de vida”.
Cada vez menos linhas
Não é só a população que diminui nas áreas rurais do DF, entretanto. O já pequeno número de ônibus disponíveis também vem sendo reduzido. Enquanto, em 2015, 88 linhas compunham o Serviço de Transporte Público Complementar Rural, hoje são 30, percorridas por 49 veículos.
A Secretaria de Transporte e Mobilidade do DF (Semob) afirma, em nota, que, em 2018, diversas linhas foram extintas devido ao vencimento de contratos, e cerca de 16 foram absorvidas pelas concessionárias após serem reclassificadas como urbanas. A pasta, no entanto, reconhece que o serviço precisa ser “repensado e reestruturado para melhor atender as áreas rurais de todo o DF” e garante que alternativas têm sido avaliadas por técnicos para se chegar, “o quanto antes”, a uma solução para a população. E, em entrevista ao Correio, após o início da publicação desta série, o secretário da pasta, Valter Casimiro, prometeu novas licitações que significarão a oferta de transporte às comunidades.
Medidas que se mostram urgentes, avalia Pastor Willy Gonzales, especialista em transporte e mobilidade da Universidade de Brasília (UnB). “No núcleo rural, é comum a pessoa ter de sair 4h ou 5h de casa, caminhar até encontrar um transporte irregular e só depois achar um ônibus. Fora que eles acabam sem serviços de saúde, segurança, educação, lazer”, descreve. “É uma situação que termina criando famílias com instabilidade econômica e desenvolvimento prejudicado”, completa.