
Hoje, com tantos aplicativos de mapas, mais conhecidos como Navegadores GPS, fica fácil encontrar o lugar ao qual se deseja ir. No entanto, o novo olhar para essa bússola digital, por vezes, desvia o foco de algumas belezas que estão espalhadas por aí. Apesar de essas ferramentas terem facilitado inúmeros processos, sobretudo com auxílio dos meios de transporte, é apenas caminhando que se descobre um universo cheio de possibilidades. Frutas no pé, cachoeiras deliciosas e, até mesmo, aquela livraria perdida entre os prédios da cidade. De fato, existem encantos que só vê quem vai a pé.
Seja pela fé, seja por uma paixão inexplicável pela natureza, muitos doam suas vidas por uma enorme causa: a de caminhar e desbravar o mundo. Inúmeras pessoas já ouviram falar dos roteiros turísticos que estão localizados em cidades tão históricas que mal dá para chegar de carro. É necessário descer do veículo para conhecer tudo. E quanto ao caminho de Santiago? Famoso, principalmente, pelas rotas de peregrinação e pontos que podem ser explorados, popular há séculos, essa caminhada é o sonho de muita gente.
Nesse montante tão único presente no país e fora dele, o Distrito Federal dispõe de dezenas de trilhas ecológicas mapeadas. Inúmeras delas já estruturadas, como os Caminhos da Flona; as Trilhas Cristal Água do PNB; as Ecotrilhas da Serrinha; as Trilhas Roda e Cruz, na região da Pedra Fundamental; as trilhas dos Parques das Copaíbas e muitas outras.
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sema-DF), por intermédio do Sisdia, tem se preparado para disponibilizar todas elas em um processo de reconhecimento formal, de acordo com a Lei nº 6.892/2021, que criou o Sistema Distrital de Trilhas Ecológicas, que vai facilitar aos usuários, ciclistas e caminhantes, e contribuir para a conservação ambiental. Segundo a pasta, as trilhas atuam como ferramentas de educação ambiental e precisam ser planejadas e geridas adequadamente.
É fundamental respeitar a capacidade de carga, oferecer infraestrutura adequada, promover atividades educativas e envolver a comunidade local, garantindo que o turismo ecológico seja sustentável e benéfico para todos. No momento, a Sema tem se dedicado a ouvir os trilheiros e todos os envolvidos na prática do ecoturismo, promovendo o diálogo constante e a construção coletiva de soluções.
"As trilhas de turismo ecológico no Distrito Federal são verdadeiros instrumentos de preservação ambiental, desenvolvimento sustentável e promoção da qualidade de vida. Elas conectam as pessoas à natureza, geram oportunidades para as comunidades locais e despertam a consciência sobre a importância da conservação. Nosso compromisso é garantir que essas trilhas sejam cada vez mais acessíveis, seguras e sustentáveis, sempre com o envolvimento da sociedade", destaca Gutemberg Gomes, Secretário de Meio Ambiente do DF.
Luta e paixão
Desde os tempos em que andava de bicicleta e caminhava pelo Cerrado para colher cajuzinho, João Machado, 60 anos, sempre foi um apaixonado pela natureza. Tamanho afeto fez com que ele também resolvesse transformar esse hobby em um enorme propósito. Em 2016, organizou-se com parceiros para construir ou estruturar trilhas que estavam espalhadas pelo Distrito Federal. “Hoje, todo mundo fala que vai às cachoeiras do Poço Azul. Na minha época, não tinha nada disso. Lá, era completamente isolado”, lembra.
Com isso, decidiu trabalhar para mapear, verificar as condições, tanto institucionais quanto físicas dessas áreas, para a implementar trilhas. “Um trabalho de sinalização. Sinalizar a trilha como um equipamento definido, um percurso bem conhecido, para facilitar a orientação das pessoas, de tal maneira que a gente consiga popularizar, dar mais conhecimento, facilitar o acesso às pessoas interessadas”, acrescenta. Em resumo, popularizar a prática de trilha, tanto para caminhantes quanto para ciclistas.
João, há quase 10 anos, é coordenador do Movimento de Apoio ao Caminhos do Planalto Central (@movimentocpc), um sistema de trilhas de aproximadamente 400km que corta o Distrito Federal e compõe a Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso. Assim, o trabalho consiste em melhorar a experiência daqueles que desejam conhecer ou explorar as maravilhas naturais que eram desconhecidas em Brasília. Fato é que, graças aos projetos desenvolvidos, o amadorismo que antes existia deu espaço para a profissionalização da prática no Distrito Federal.
Pesquisas, dicas de equipamento e uma labuta de formiguinha. Além das caminhadas pelo puro prazer da prática, João e os amigos peregrinaram em diversos lugares com o intuito de conhecer povos e culturas, bem como o de conectar caminhos. Há alguns anos, inclusive, o Movimento recebeu um convite do Instituto Chico Mendes de Conservação e Meio Ambiente (ICMBio), para criar o sistema de trilhas da Floresta Nacional.
“A Flona é uma unidade de conservação muito pouco conhecida, sofreu muito preconceito. Ela era um objeto de muitos comentários na cidade quanto a problemas na área de segurança, de risco e de visitação. Resolvemos quebrar esse paradigma, a convite do ICMBio, e estruturar dois sistemas de trilha por lá. A nossa articulação, o sistema de trilhas de caminhada e grupos de mountain bike criaram um circuito Flona de Mountain Bike. O nosso sistema recebeu o nome de Caminhos da Flona”, detalha.

Labuta de formiguinha
De acordo com João, são dois sistemas de trilhas no mesmo território que foram planejados de maneira a não gerar conflito ao usuário, facilitar a vida do ciclista e também dos caminhantes. Hoje, a Flona é muito importante, sendo uma das unidades de conservação mais visitadas no Distrito Federal. A prática esportiva é a mais visitada e está entre as mais importantes do Brasil. Esse projeto, aliás, reforçou a importância de proteger esse espaço que, segundo o coordenador do Movimento, sempre foi objeto de ganância por parte daqueles que não queriam o bem dessa área.
Essa grande trilha começa na Cidade de Goiás, em um dos lados, e na Chapada dos Veadeiros, do outro lado, com outros sistemas interligados. “Tem o caminho de Cora Coralina, muito conhecido ali, partindo da Cidade de Goiás e vindo até Corumbá. Temos, ainda, o caminho de Veadeiros, com todo o simbolismo da Chapada e a sua importância, enquanto área de relevante interesse ambiental para o Brasil e para o mundo. Aqui existem os caminhos do Plano Central”, complementa.
Como avanço, em 2021, foi aprovada a Lei Distrital Nº 6.892, que prevê o reconhecimento como área protegida de todos os espaços que vierem a ser oficialmente registrados na Secretaria de Meio Ambiente como trilhas ecológicas. “Repare que essa experiência da Flona e de outros locais, da primeira iniciativa nas Trilhas Cristal Água do Parque Nacional, das ecotrilhas da Serrinha do Paranoá, do Parque das Copaíbas, do Lago Sul e de outras experiências menores, todas agora estão se somando em uma política pública”, enfatiza o coordenador.
A missão tem sido cumprida com êxito, mas há muitos obstáculos a serem superados. E pensar que, no passado, João só queria descobrir algumas cachoeiras, tomar um belo de um banho nas que encontrasse. Jamais imaginou que tanto seria feito a partir de uma inspiração que nasceu na infância. Hoje, o Movimento de Apoio ao Caminhos do Planalto Central se sustenta com as próprias pernas, vendendo produtos como camisetas, canetas, chaveiros e outros itens. “A gente está nessa união. Quem quiser participar, será bem-vindo”.

Elas juntas!
E bom, esse universo de trilhas faz realmente um sucesso danado. Em todos os públicos e para todas as idades. O Clube Trilheiras de Brasília (@trilheirasdebrasilia) é um destes, que é organizado e feito somente para mulheres. A condutora de ecoturismo Poliane Farias, 30, que também é voluntária e comunicadora do Movimento de João, afirma que são mais de 560 participantes ativas no projeto, que também conta com uma assinatura mensal para quem deseja entrar no grupo.
“Só participa mulher, todas as condutoras são mulheres, a fundadora é mulher. O nosso intuito é juntá-las para irmos às trilhas de forma segura”, enfatiza. O Clube, que nasceu no dia 8 de março de 2020, já visitou vários espaços espalhados pelo Brasil afora. Somente o fato de estarem todas juntas é o que torna a jornada melhor e mais bonita. Reunidas, elas se nutrem de experiências e compartilham as caminhadas na natureza. Conhecem histórias, objetivos uma das outras e se emocionam com os afetos que distribuem. “Ser mulher é tudo de bom”, brinca Poliane.
A condutora, que faz trilhas desde os 15 anos, começou na área no final de 2023. Para ela, não há nada melhor do que estar e ser uma só com a natureza. Sobretudo se, claro, estiver na companhia de tantas mulheres que ela admira. Pertencer a um propósito tão bonito era algo que nunca pensou para si mesma. E bem mais do que estar inserida no meio, é quanto se perde por entre as caminhadas que se descobre melhor como ser humano.
“Caminhar me ajuda a manter a mente clara e o corpo saudável. Cada passo, seja em trilhas desafiadoras ou em um caminho mais tranquilo, me permite me conectar com o ambiente ao redor e com as pessoas. Além disso, consigo aliviar o estresse e me conectar com a natureza”, finaliza.

Benefícios
Incorporar a caminhada à rotina traz uma série de benefícios para a saúde. A melhora da saúde cardiovascular é um deles. “A caminhada regular ajuda a fortalecer o coração, reduzir a pressão arterial e melhora a circulação sanguínea”, explica o professor de educação física André Araújo.
A prática também contribui para o controle do peso, favorecendo a queima calórica de forma acessível e eficiente. Além disso, os efeitos positivos se estendem à musculatura e aos ossos. O movimento contínuo fortalece os músculos das pernas, melhora a densidade óssea e auxilia na prevenção de doenças como a osteoporose.
A caminhada também traz impactos positivos para a saúde mental. Segundo a psicóloga Thirza Reis, a prática estimula a liberação de neurotransmissores como endorfina, dopamina e serotonina, substâncias associadas à sensação de prazer e bem-estar. “Esses neurotransmissores estão associados à redução do estresse, ao aumento do humor e à sensação de satisfação”, detalha ela.
Além disso, o movimento pode funcionar como uma forma de meditação ativa, na qual o ritmo do corpo e o foco na caminhada ajudam a aliviar tensões emocionais. “A caminhada pode ser uma excelente ferramenta para lidar com emoções difíceis, oferecendo um espaço para refletir e processar sentimentos enquanto o corpo se mantém ativo”, sugere a psicóloga.
Outros benefícios incluem a melhora da qualidade do sono, o aumento do foco e a estimulação da criatividade. Não é à toa que muitas pessoas consideram a caminhada uma atividade terapêutica e relaxante. Quando realizada ao ar livre, os benefícios são ainda maiores. “Somos expostos a estímulos sensoriais que não experimentamos em ambientes fechados, o que pode potencializar a sensação de bem-estar”, explica Thirza.
Por fim, caminhar em espaços abertos ajuda a desconectar dos estímulos digitais e do estresse cotidiano, facilitando o descanso mental e aumentando o estado de presença.Por tudo isso, a caminhada também se mostra uma aliada na prevenção e na redução dos sintomas de transtornos como ansiedade e depressão.
Além da natureza
Desde quando ainda era criança, Márcio Nascimento, 52 anos, teve contato com caminhadas, trilhas e natureza. A influência vem do saudoso pai, que era um grande conhecedor e defensor do Cerrado. “Tenho inúmeras memórias afetivas dessa nossa relação com o meio ambiente”, conta. Mas, na prática, a paixão veio mesmo com o passar do tempo. Isso, sobretudo, na descoberta do trail run — corrida em trilha.
Ultramaratonista, ele sempre teve questionamentos sobre a construção das trilhas e como elas eram formadas. Em 2017, a convite de uma amiga, se envolveu com o voluntariado do Grupo de Caminhadas Brasília (GCB). Em aproximadamente um ano e meio e inúmeras horas de dedicação, construíram os Caminhos da FloNa, um sistema de trilhas para pedestres na Floresta Nacional de Brasília. “A frase não é só caminhar se justificou em minha vida”, completa Márcio.
Em Brasília e no Entorno, teve a felicidade de conhecer grande parte das trilhas e atrativos naturais, os quais percorreu caminhando, correndo, pedalando, em provas de orientação (mapa e bússola) e até corrida de aventura trekking (travessia). Márcio também é fã ciclismo, caiaque, técnicas verticais, além de outros voluntariados em exploratórias e estruturação de trilhas, como os do Caminhos do Planalto Central, o qual tem entregue a população diversos aparelhos públicos, servindo para práticas esportivas diversas — algo que cresceu mais ainda no período pós pandemia.
“No ano de 2023, acompanhado de dois amigos, participei da 1ª Expedição-Piloto de Trekking do Caminho dos Veadeiros, onde percorremos 507 km caminhando ao estilo Thru-hiking (percorrer uma trilha de longa distância estabelecida de ponta a ponta, continuamente), durante 19 dias, partindo de Formosa (GO), passando por mais cinco municípios, até chegar em Cavalcante (GO)”, relembra.
Futuro das trilhas
Apelidado de Zerando Veadeiros, o projeto informal criado pelo grupo de Márcio, onde marcaram em um mapa regional os atrativos visitados e visualizaram os que ainda faltam para serem percorridos. “Para este ano, estou preparando um projeto, juntamente com dois amigos, em que pretendemos percorrer a Trilha Nacional Caminho dos Goyazes, que é a junção de 5 ou 6 trilhas regionais, no sistema bike packing (ciclismo autônomo), com aproximadamente 1.200km, partindo da cidade de Goiás (GO), cruzando o DF e podendo chegar ao estado de Tocantins, através de Cavalcante (GO)”, detalha
O envolvimento com a prática esportiva outdoor — em ambientes abertos e principalmente em meio à natureza—, além da participação nos voluntários envolvendo trilhas de um modo geral, deu um novo sentido à vida de Márcio, bem como estreitou a conexão com o divino. “Costumo dizer que a natureza é a minha igreja, a cachoeira, o altar e todos os elementos que a compõem são meus irmãos de fé e lá é o lugar onde reconheço a minha pequenez, agradeço, peço perdão, me emociono e renovo minhas energias”, confessa.
Estar natureza é parte integral da rotina de Márcio. E participar dos movimentos em prol dessa prática tão preciosa dão outro significado a sua existência, agrega pertencimento, conhecimento, orgulho e lhe presenteia com várias amizades valiosas. “Na natureza é onde está a cura para todos os males”, completa. Para ele, não existe outra possibilidade senão a de estar andando pelo mundo e conhecendo as belezas que estão perdidas por aí.

Uma cidade inventada
Quem anda pelo Distrito Federal, sabe bem que, por entre as gramas, existem uma espécie de trilhas demarcadas, para que os pedestres possam passar sem maiores preocupações. Tão comum em determinados pontos de Brasília, talvez, algumas pessoas nem percebam que esses ‘vãos’ estão ali presentes. Contudo, o fotógrafo Diego Bresani, 42, decidiu por si só, observar a maneira como essas áreas se desenvolviam ao longo do tempo. Em um trabalho de quase uma década — e perdura até hoje —, ele fez registros para lá de especiais.
“Comecei em 2013 e 2014 a me interessar pelos caminhos. Ali na 207 Norte, que é uma quadra que não era construída ainda. Lá teve um incêndio, que acabou deixando a grama preta e os caminhos ficaram bem marcados, porque as pessoas continuavam andando depois do incidente. Essa situação me despertou muita atenção, fazendo com que eu me interessasse por esses espaços”, ressalta.
Com o passar do tempo, outras questões relacionadas ao projeto foram lhe deixando ainda mais curioso. A estética dos lugares, os horários em que esses caminhos estavam mais cheios ou vazios. Tudo passou a ser motivo de inspiração para que o processo do trabalho se tornasse ainda mais grandioso. Assim, passou a fotografar com uma câmera em grande formato, em analógico, com uma das chapas conhecidas na profissão como 4x5. E os maiores desafios estavam justamente nessa parte mais técnica, já que ele precisou investir na compra de filme para sua máquina e ainda por cima revelar as fotos fora do país.
Dessa forma, apesar da trabalheira que deu, esse projeto representa para Diego uma leitura dessa cidade inventada e da maneira que as pessoas encontraram para criar seus próprios caminhos. Esses indivíduos, na avaliação do fotógrafo, são muitas vezes brasilienses que nem moram no Plano Piloto, mas que descobriram um modo de andar pela cidade. “Brasília sempre teve esse aspecto muito forte dos veículos e do boom automobilístico que tivemos. Então, em alguns casos, quem não tem carro acaba tendo que rasgar a cidade e inventar as coisas para chegar nos lugares”, destaca.
Mostrar por uma lente mais poética e artística esses rasgos presentes no Distrito Federal denunciam, também, um pouco das lutas que os pedestres enfrentam para se locomoverem. “Essa é a batalha de como essas pessoas vivem numa criação da cabeça de uma pessoa. É uma experiência interessante ter esses caminhos, eles mostram muito assim. Eles são bons registros, mostrando um outro tipo de funcionamento do Plano Piloto, especialmente daqueles que não moram aqui”, finaliza Diego.
Como começar
Se você deseja incluir a caminhada na rotina, mas não sabe por onde começar, especialistas oferecem dicas valiosas para tornar esse hábito mais fácil e motivador. O primeiro passo é definir metas claras e realistas. “É essencial considerar seus objetivos pessoais, seu nível de condicionamento físico e adotar uma abordagem gradual para evitar lesões. Varie o ritmo e a intensidade, mas, acima de tudo, mantenha a constância”, orienta o professor de educação física André Araújo.
Antes de iniciar, é fundamental consultar um médico para garantir que você está apto à prática. O especialista também destaca a importância de bons calçados, hidratação adequada e paciência no início. “Os primeiros dias podem ser desafiadores, mas, quando o corpo se adapta, caminhar se torna natural e muito mais prazeroso”, afirma.
Embora a motivação ajude, a psicóloga Thirza Reis ressalta que disciplina e organização são ainda mais importantes para criar um hábito duradouro. Algumas práticas podem contribuir para tornar a caminhada mais envolvente:
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Crie uma rotina: Estabeleça um horário fixo para caminhar. A regularidade elimina a necessidade de decidir diariamente se você vai ou não se exercitar.
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Varie os trajetos: Explorar diferentes rotas e parques evita o tédio e transforma cada caminhada em uma nova experiência.
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Ative os sentidos: Preste atenção ao ambiente ao seu redor. Observe a paisagem, sinta o vento no rosto, o calor do sol na pele e os aromas do caminho. Ouça os sons ao redor e respire conscientemente. Isso ajuda a relaxar a mente e aumenta a sensação de bem-estar.
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Encontre companhia: Caminhar com um amigo ou familiar torna o exercício mais prazeroso e pode ser uma oportunidade para conversas leves e momentos de conexão.
Um propósito de vida
Fernando Lopes, 69, é aposentado e apaixonado por caminhada. Apesar de sempre ter incluído a prática em sua rotina, hoje o esporte representa para ele muito mais do que uma atividade física - é uma terapia e uma forma de autoconhecimento. Essa jornada começou em 2007, quando, aos 52 anos, decidiu percorrer, pela primeira vez, o Caminho de Santiago de Compostela.
Com destino final em Santiago, na Espanha, o Caminho de Santiago é a rota de peregrinação religiosa mais famosa do mundo. Embora existam diversos trajetos, o mais conhecido é o Caminho Francês. Nesse percurso, peregrinos de diferentes partes do mundo, independentemente da religião, viajam até a França para percorrer cerca de 800 quilômetros, a pé, de bicicleta ou a cavalo.
Para Fernando, dar o primeiro passo não foi nada fácil. “Quando eu senti a vontade de fazer o Caminho pela primeira vez, levei cerca de quatro anos para criar coragem. Arrumava todo tipo de dificuldade. Dizia que a imigração ia me pegar, que minha mulher ia ficar sozinha, que o avião poderia cair… Inventava um monte de desculpas”, lembra ele.
Entretanto, uma voz interior e uma intuição que vinha do coração continuavam a perturbá-lo. “Um belo dia, eu não aguentei mais. Falei: ‘vou fazer’. Comprei a passagem para Madri e comecei primeiro na cidade de Roncesvalles, para fazer o caminho francês”, narra ele. A primeira experiência durou 34 dias e mudou a vida de Fernando para sempre.
O impacto da primeira experiência foi tão grande que, desde 2007, Fernando já percorreu o Caminho de Santiago seis vezes, em diferentes trajetos e com variadas companhias. No entanto, ao longo dos anos, ele percebeu o aumento nos preços da peregrinação na Europa.
“O caminho está muito mais caro e muito cheio”, relata ele. Como alternativa, Fernando encontrou no Caminho da Fé, uma expedição brasileira de 320 quilômetros que atravessa os estados de São Paulo e Minas Gerais. O destino final dessa rota é a cidade de Aparecida.
Nos últimos três anos, ele já percorreu o Caminho da Fé quatro vezes e se encantou com a beleza do trajeto. “É um caminho muito mais bonito e conta com toda a infraestrutura, assim como o Caminho de Santiago. Mas é muito mais difícil que o Caminho Francês”, afirma. Apesar de ser mais curto, o Caminho da Fé passa por regiões de serra e grande inclinação, tornando o percurso mais desafiador. “Nesse, as pessoas precisam se preparar melhor fisicamente”, recomenda ele.
De acordo com Fernando, além de exigir resistência física, a peregrinação traz outros desafios. “Uma das lições de caminhar é praticar a paciência. Você passa muito tempo sozinho, levanta-se todos os dias às 4 ou 5 horas da manhã, fica isolado da internet e se expõe aos seus medos. Para mim, isso é uma terapia, mas quebrar esses paradigmas pode ser difícil no começo”, explica ele.
Durante os trajetos, Fernando aproveita para refletir, ouvir música e fazer suas orações. Como católico, os caminhos são uma oportunidade de fortalecer e aprofundar sua espiritualidade. Mas não é só isso. “Caminhar é uma terapia para mim. É uma forma de praticar minha autoestima, de mostrar e provar para mim mesmo que, aos 70 anos, sou capaz e não estou descendo a ladeira da vida”, destaca.
Daqui para frente, a meta de Fernando é continuar caminhando, independentemente do destino. “Até os meus 80 anos, quero percorrer os caminhos pelo menos uma vez por ano. Seja 200, seja 300 quilômetros, eu não vou parar de caminhar”, afirma ele. Para quem tem vontade de viver essa experiência, mas não sabe por onde começar, Fernando aconselha: “Se o desejo está dentro de você, siga em frente, não importa se você vai se cansar ou se machucar. Não precisa percorrer os 820 quilômetros do Caminho de Santiago. Comece aos poucos, até mesmo percorrendo a metade do caminho”, finaliza.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte