SEXUALIDADE

Disforia de imagem: quando o sexo se torna desconfortável e constrangedor

Caracterizada por desconforto com o próprio corpo, a disforia pode se manifestar em diversos níveis em questões sexuais

O apagar das luzes pode significar mais do que apenas uma mudança no ambiente para criar um clima. Para quem enfrenta a disforia, a imagem do próprio corpo nu na presença de outra pessoa pode ser torturante. O termo é usado para caracterizar um estado emocional de mal-estar, tristeza e irritabilidade consigo mesmo.

A disforia pode se manifestar em diversas categorias, como a de gênero, a de imagem e a de personalidade. A angústia psicológica pode afetar qualquer pessoa e costuma acompanhar transtornos psicológicos como ansiedade e depressão. 

Desvendando a disforia: diferenças entre categorias

Ângelo Guimarães, psicólogo clínico, neuropsicólogo e especialista em avaliação psicológica, explica a diferença entre as categorias: “Disforia de imagem diz respeito a partes do corpo que incomodam; a de gênero tem a ver com a não identificação com o gênero imposto ao nascimento; a de personalidade não é um termo reconhecido na área clínica e psiquiatria, e é perigoso por colocar as questões da transexualidade em um lugar de doença".

Segundo Ângelo, a disforia de imagem impacta a sexualidade ao gerar insatisfação com a aparência, vergonha e dificuldade em estabelecer intimidade física e emocional. “A pessoa pode se colocar em situações de risco por tratar o corpo de forma negativa como alguém não desejado e amado e, por isso, aceitar situações que lhe fazem mal”, complementa. 

Sexo no claro e no escuro

O sexo com as luzes acesas foi algo natural para Pedro Maruno, 22 anos, enquanto ele estava em um relacionamento romântico. Contudo, após o término, a facilidade começou a estar intimamente ligada à confiança que ele estabelecia com os parceiros casuais. “Recentemente, tive uma experiência em que a luz acesa me incomodou tanto que, em um momento de desconforto, tive que me levantar e interromper o ato para desligá-la”, ressalta. 

O jovem conta que se relacionou com pessoas de ambos os gêneros ao longo da vida, mas tem um interesse maior por homens. Pedro atribui as dificuldades com a autoimagem às críticas que recebeu do pai ao longo da infância: “Meu irmão é muito alto, enquanto eu não cresci tanto quanto o esperado. Isso fez com que meu pai me chamasse de nomes pesados, como 'rato' e outros insultos”.

As primeiras experiências afetivas e sexuais de Pedro ocorreram com mulheres, relações que nunca o levaram a questionar o condicionamento físico. No entanto, o contato com homens trouxe uma dinâmica diferente; as expectativas e comparações geraram desafios significativos. “O mundo gay é muito tóxico. Tenho dificuldades em confiar em alguns dos homens com quem me relaciono logo de início”, afirma.

Muitos fatores sociais e culturais podem resultar na disforia, o que o psicólogo Ângelo Guimarães justifica com os padrões de beleza inalcançáveis e percepções impostas. “Ao longo da nossa vida ouvimos muitas frases que deixam claros os marcadores sociais do que é esperado de nós. A falta de representatividade de corpos e identidades diversas na mídia agrava a questão”, diz Ângelo. 

Transexualidade e olhar corporal: a complexidade da disforia 

O especialista descreve a manifestação da disforia de gênero como impactante na autoestima e desenvolvimento da identidade de um indivíduo. “Quando a pessoa não se sente livre para performar o gênero que se identifica, o corpo se torna uma prisão com marcadores sociais. Isso pode gerar diversos transtornos”, comenta. 

Os relacionamentos e a vivência da sexualidade podem ser impactados pela disforia, fato que o especialista justifica por se tratar da dificuldade de expressão da própria identidade, resultando em barreiras de comunicação e medo de rejeição. Na terapia afirmativa, o psicólogo chama os conflitos de auto aceitação de ‘transfobia internalizada’.

Sky, mulher trans de 18 anos, enfrenta alguns desafios na hora de flertar. Ela explica como as relações já desenvolvidas amenizam as inseguranças que sente, mas enfrentar novos territórios ainda a trazem angústia: “Ela se manifesta como uma insegurança e ansiedade durante o flerte, não costuma se manifestar durante o ato (sexual)".

A confiança que Sky busca desenvolver com as parceiras tange à responsabilidade delas com a identidade de gênero. Apesar da autoestima que nutre, ela diz sentir sintomas da disforia no início da relação, que vai se esvaindo à medida que a intimidade cresce. 

O cultivo de uma boa relação consigo é fundamental para Sky, mas a batalha diária atravessa alguns dilemas com o espelho. “Problemas com relação às características sexuais primárias são minoria, mas pelos corporais e outras características desenvolvidas na puberdade ainda me incomodam bastante”, explica.  

O psicólogo destaca que a insegurança sexual na transexualidade pode derivar da dificuldade em sentir prazer devido a desconexão ou a não aceitação do próprio corpo, ansiedade em contextos íntimos por conta do medo de julgamento e a frustração com as mudanças físicas advindas da hormonoterapia e procedimentos cirúrgicos que causam bloqueios nos momentos íntimos quando as expectativas não condizem com a realidade.

Disforia: os sinais e cuidados

Ângelo alerta sobre os sinais clínicos que podem indicar a disforia de gênero: sentimentos de inadequação, medo ou vergonha associados à expressão da sexualidade, sensação de não ser bom o suficiente, isolamento, ansiedade, sintomas depressivos, comportamentos compulsivos ou autodestrutivos. Para o tratamento, Ângelo indica o apoio multidisciplinar de profissionais da saúde que acompanhem o indivíduo sem preconceitos. 

A psicoterapia é uma sugestão do psicólogo como um espaço seguro para explorar questões de insegurança sexual. Nela, a identificação e modificação de pensamentos negativos sobre si mesmo são incentivadas com a rede de apoio de diversos profissionais e pessoas próximas.

*Estagiário sob supervisão de Ronayre Nunes

 

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