Mais da metade das mulheres apresentam queixas de memória na fase de transição para a menopausa, e temos algumas evidências de que, nessa fase da vida, elas realmente apresentam uma menor velocidade de processamento cognitivo e menor desempenho da memória verbal. Esse fenômeno também é conhecido por névoa cerebral (“brain fog”), a mesma expressão usada para as dificuldades que podem ser encontradas na covid longa.
Uma forma de explicar esse menor desempenho na transição da menopausa é que a redução e a flutuação dos níveis do hormônio estrogênio podem dificultar o pleno funcionamento cerebral. Já foi bem demonstrado que algumas áreas cerebrais são ricas em receptores de estrogênio, regiões que são fortemente vinculadas à memória, como é o caso do hipocampo e o córtex pré-frontal. Além disso, estudos experimentais revelam que o estrogênio é capaz de elevar os níveis de neurotransmissores e também promovem o crescimento neuronal e a formação de conexão entre os neurônios.
As mulheres que recebem reposição hormonal antes do término da menstruação são beneficiadas do ponto de vista cognitivo, o que não acontece com aquelas que começam esse tipo de tratamento após o término da menstruação. Essa é mais uma evidência de que a reposição hormonal deve ser utilizada pelo menor tempo necessário. Temos até evidências que o uso prolongado desse tipo de tratamento pode levar à perda do volume de substância cinzenta do cérebro e declínio cognitivo.
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Uma recente pesquisa aponta também que, quanto mais tarde se dá o início da menopausa, melhores são os indicadores cognitivos e o uso de reposição hormonal não teve qualquer influência. Esses resultados não foram válidos para os casos de menopausa cirúrgica, condição em que as mulheres têm os ovários removidos cirurgicamente.
Em 2020, a revista Menopause, da Sociedade Americana de Menopausa, mostrou que, durante as ondas de calor, que afetam um terço das mulheres de forma severa na transição da menopausa e em 30% daquelas na fase pós-menopausa, o desempenho cognitivo ainda é mais prejudicado. O aumento dos níveis do hormônio cortisol, elevados durante as ondas de calor, pode contribuir para esse efeito negativo na cognição. Isso abre uma oportunidade em que o tratamento das ondas de calor possa ser uma forma de incremento cognitivo nessas mulheres.
E no período pós-menopausa? Dois estudos são considerados referência na comparação entre o desempenho pré-menopausa, perimenopausa e pós-menopausa. O primeiro é o americano SWAN, de 2009, que sugeriu que a limitação cognitiva era restrita a alguns anos no período de transição para a menopausa e depois as mulheres voltavam a apresentar o mesmo desempenho que tinham anteriormente.
Em 2018, um estudo inglês (Kuh e cols.) revelou que as dificuldades cognitivas não são transitórias, mas persistem por vários anos, em concordância com outros trabalhos menos robustos. Entretanto, várias pesquisas também mostram que o perfil cognitivo na perimenopausa é pior que na pós-menopausa e há evidências de uma adaptação cerebral aos baixos níveis de estradiol — Mosconi e cols. (2021).
Resumindo, muitas mulheres passam pela transição com dificuldades e depois se recuperam e essa chance pode ser maior se preservarem a rotina de estímulos cognitivos, atividade física, socialização, sono de qualidade e, acima de tudo, se cuidarem do equilíbrio mental.
Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília