Por Beto Seabra / Especial para o Correio
Depois de ler a sexta edição da pesquisa Retratos da Leitura, que apontou queda na quantidade de leitores no Brasil nos últimos anos, a minha sensação foi dúbia. Primeiro, fiquei triste (para onde vai um país com menos — e não mais — leitores?). Depois me vi cínico (com o avanço das redes digitais e da inteligência artificial, para que serve mesmo a leitura?). E, por fim, decidi que é hora de arregaçar as mangas (as da camisa, pois as que caem nas ruas estão maduras) e trabalhar.
Na condição de triplo militante da leitura — além de jornalista e vacilante escritor, sou divulgador de literatura —, sinto-me obrigado a fazer alguma coisa por esse descalabro nas estatísticas sobre o mercado editorial brasileiro.
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Primeiro, leio em um artigo no jornal de literatura Rascunho, escrito pelo José Castilho, um reconhecido analista da Retratos da Leitura, alguns números que me assombram. Entre 2011 e 2015, o Brasil ganhou 16,5 milhões de novos leitores. Mas de 2015 a 2019 perdemos 4,6 milhões; e de 2019 a 2024 perdemos mais 6,7 milhões. Ou seja, há 10 anos, 56% da população brasileira era de leitores, hoje esse percentual é de 47%. Pela primeira vez em duas décadas, temos mais não leitores do que leitores.
A pesquisa mostra também que 46% dos entrevistados considerados leitores declararam não terem lido mais por "falta de tempo". No entanto, 78% dos entrevistados disseram usar a internet no tempo livre. Será que perdemos essa guerra? O que fazer?
Então me lembro de alguns países que decidiram investir pesado na educação e na leitura para fugir da pobreza e conseguiram. O melhor exemplo é a Finlândia, que a partir dos anos 1970, fez uma verdadeira revolução nas escolas e hoje tem números invejáveis em leitura e na qualidade do ensino.
Lembro de uma situação mais próxima da gente. Nos anos 2000, a cidade de Medellín, na Colômbia, que 40 anos atrás chegou a ser uma das mais violentas do mundo em razão do domínio do cartel de drogas, fez uma pequena revolução ao investir na construção de bibliotecas-parque nas regiões mais pobres da cidade. Claro que a política de segurança de lá ajudou bastante, mas a leitura também. Em 1991, Medellín foi considerado o lugar mais violento do mundo para se viver e hoje tem índices que fazem inveja a qualquer cidade latino-americana.
Chegando mais perto, lembrei da experiência que obtive visitando bibliotecas em Manguinhos e na favela da Rocinha, duas comunidades pobres do Rio de Janeiro. Vi com meus olhos moradores de rua trocando o crack pelos livros e adolescentes que poderiam estar ao alcance dos traficantes estudando em bibliotecas bonitas e organizadas. Sobre isso, sugiro o documentário Leitores sem fim, da TV Câmara, que ajudei a produzir.
Aproximando-me no tempo e no espaço, lembrei-me de vários projetos de leitura que existem no Distrito Federal. Essa crônica é pequena para falar em todos, mas cito um de memória: o Jornada Literária do Distrito Federal, que desde o ano 2000 vem atuando em escolas, feiras e eventos literários formando novos leitores e mediadores de leitura.
E de um ano para cá venho fazendo parte de uma confraria, o Instituto Casa de Autores (ICA), que reúne pouco mais de três dezenas de escritoras (elas são maioria!) e escritores que atuam no sentido de divulgar a literatura de Brasília em escolas e eventos literários no DF, no Brasil e pelo mundo! Como não se emocionar com essa pletora de pessoas e movimentos, e histórias, que acreditam na força transformadora da leitura e dos livros, e que veem nas bibliotecas não meros depósitos de livros, mas sim espaços de transformação social e cultural?
Não sei vocês, mas acho que essa pesquisa Retratos da Leitura pode fazer levantar das cadeiras um monte de gente que estava meio adormecida, esperando as coisas acontecerem, quando sabemos que as coisas só acontecem quando vamos à luta. Então, vamos. Mãos aos livros!
Beto Seabra é jornalista e escritor