Logo Correio Braziliense
Medicina

TNE, o câncer que pode demorar até 7 anos para ser diagnosticado

Conheça mais sobre os tumores neuroendócrinos (TNEs), que são raros e difíceis de diagnosticar. Em mulheres, sintomas, como diarreia e rubor, são confundidos com menopausa

Originários do sistema endócrino, os tumores neuroendócrinos (TNEs) podem surgir em diferentes órgãos, como pulmões, pâncreas, estômago, útero e, principalmente, intestino. Segundo a Sociedade Europeia de Tumores Neuroendócrinos (ENETS), há uma incidência estimada de seis a 10 casos em grupos de 100.000 pessoas por ano em alguns países, o que os tornam raros, e o diagnóstico pode demorar até sete anos para ser fechado. 

Os TNEs são mais comuns em pessoas entre 50 e 60 anos e sua origem é desconhecida. O diagnóstico, porém, tem aumentado nos últimos anos. Eles podem ser classificados como funcionais ou não funcionais com base na capacidade de secretar hormônios. 

TNEs funcionais produzem hormônios em excesso, o que pode causar sintomas como vermelhidão na pele, diarreia, dificuldade respiratória e variações na pressão arterial, perda de peso, queimação no estômago, entre outros, dependendo do tipo de hormônio produzido. Já os não funcionais não secretam hormônios em quantidades significativas, o que pode resultar em poucos ou nenhum sintoma até que o tumor cresça a um tamanho considerável, dificultando, assim, o diagnóstico precoce. Cerca de 60% dos TNEs são não funcionais, o que significa que não causam os sintomas típicos, tornando a detecção muito mais difícil e desafiadora.

Tratamento e sintomas

Rachel Riechelmann, médica oncologista do A.C.Camargo Cancer Center e conselheira da Sociedade Europeia de Tumores Neuroendócrinos (ENETS), explica que existem muitos desafios sobre o tratamento da doença no Brasil. "Existem muitos tratamentos para a doença, mas que não estão disponíveis na rede pública", expõe. 

A médica destaca a importância do diagnóstico precoce, mas reforça que, mesmo em casos avançados, é possível garantir uma boa qualidade de vida aos pacientes. "Qualquer tumor pode ter cura quando diagnosticado no início. Porém, quando isso não acontece, podemos fazer com que a vida do paciente seja longa, mesmo com metástase. A ideia de 'cara de doente' não se aplica a um paciente neuroendócrino. Tenho pacientes que acompanho há 19 anos e vivem normalmente."

João Vitor Rodrigues - A médica Rachel Riechelmann explica o quão difícil é o diagnóstico

O tratamento é multidisciplinar, com médicos de várias especialidades colaborando na criação de um plano personalizado, baseado no tipo, no tamanho e na extensão do tumor, além de fatores como idade e alterações moleculares do paciente. "Varia de acordo com cada tipo, mas, na maioria dos casos, a cirurgia é essencial. Tumores neuroendócrinos que produzem hormônios exigem hormonioterapia, o que ajuda a controlar os sintomas. Para os tumores no pâncreas, por exemplo, a quimioterapia pode ser bastante eficaz, enquanto para os no intestino, geralmente, não é tão indicada. Cada caso é único quando falamos deles", detalha.

Muitas vezes, os sinais podem se assemelhar aos de outras doenças, o que prolonga o processo até o diagnóstico definitivo, que pode levar de cinco a sete anos. "Um dos sintomas mais comuns é a diarreia e o rubor na pele, o que é preocupante quando se trata das mulheres, pois a maioria acha que são sintomas de menopausa. Por isso, é mais comum que as pacientes mulheres demorem mais para receber o diagnóstico", comenta Rachel. 

Demora do diagnóstico 

Durante cinco anos, Ângela Gualberto ia diariamente a prontos-socorros reclamando de dores abdominais, diarreia e enjoo. "Eram dores muito fortes e intensas, com o intestino preso e sangue nas fezes. Medicavam-me, mas logo depois as dores voltavam com tudo."

A mulher relembra os dias de angústia. "Eu ficava desesperada, fazendo incontáveis pesquisas na internet, que sempre falavam que era sintoma de câncer do intestino, mas nenhum médico acreditava. Para se ter uma ideia, cheguei a sair de uma consulta com receitas de remédios antidepressivos."

Foi um médico residente quem sondou a possibilidade de Ângela ter TNE. "Comecei a sentir pontadas no ânus e voltei ao hospital. Um residente percebeu que não era normal eu estar no pronto-socorro sempre, e pediu uma tomografia", recorda-se. "A partir daí, com mais ou menos sete dias, eu tinha o diagnóstico correto: era um câncer neuroendócrino." 

Conhecimento que salva 

Fundadora e presidente da Oncoguia, organização não governamental (ONG) de apoio, informação e defesa de direitos dos pacientes com câncer, Luciana Holtz comenta o quão desconhecida a doença é. "Há um ano, a gente fez uma conversa com pacientes neuroendócrinos e levantamos o questionamento sobre o que eles sabiam a respeito, como foi essa jornada para conseguir descobrir a doença e se eles já tinham ouvido falar da doença ou não. A resposta foi clara: ninguém tinha ouvido falar", lembra. 

João Vitor Rodrigues - Evento promovido em São Paulo evidenciou a importância da propagação de informações acerca da doença

"Também, existe esse desafio de destrinchar a doença e de trazer informação de qualidade", reforça. Luciana salienta a importância de um tratamento bem adaptado. "É essencial a existência de protocolos únicos, pensando no quanto isso pode ser direcionador para um tratamento mais efetivo", acredita.

Lançada recentemente pela Ipsen, empresa farmacêutica, a campanha Vivendo com TNE, foi criada com foco em neurociência, oncologia e doenças raras, com o objetivo de promover a conscientização e ser uma plataforma para pessoas diagnosticadas com tumores neuroendócrinos. Para mais informações, é possível acessar o site da campanha: https://tne.vivendocom.com.br.

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

 

Mais Lidas