No filme A Substância (2024), Elisabeth Sparkle, interpretada pela atriz Demi Moore, é uma estrela de um programa de aeróbica que enfrenta o trauma da demissão, mas, após a decepção profissional, uma oferta intrigante: um laboratório promete transformá-la em uma versão mais jovem e melhorada por meio de uma substância revolucionária.
Na vida real, no entanto, muitas mulheres mostram que a reinvenção não depende de fórmulas mágicas, mas, sim, de novas perspectivas. Aos poucos, elas se descobrem, redescobrem e desafiam o etarismo, os questionamentos e a comodidade com sua beleza e potência com maturidade.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reforçam essa ideia: em 2000, a expectativa de vida das mulheres brasileiras era de 69,8 anos. Hoje, essa média é otimista e consideravelmente melhor que há 24 anos, subindo para 79,7 anos, com chances de alcançar 86,1 anos em 2070.
Mesmo com a redução na diferença de expectativa de vida entre os sexos — que deve cair de 7,8 anos em 2000 para 4,4 anos em 2070 —, elas continuam a viver e se expressar plenamente por mais tempo, assim tendo disposição e confiança para se aventurar em novas experiências. E com a certeza de que idade não é impeditivo para se redescobrir em sua própria essência.
Mudança de mentalidade
Silvia Muiramomi é socióloga e explica que há uma pressão social, principalmente na faixa etária entre 40 a 80 anos, para que a mulher retorne ao padrão esperado pelo patriarcado, porém, há também o estímulo das gerações mais novas, que em muitas famílias são as grandes incentivadoras dessas mulheres.
"Numa sociedade altamente tecnológica e sujeita a mudanças, a mulher que se propõe a acompanhar e mesmo revolucionar sua trajetória tem que buscar novos conhecimentos e, portanto, estar o tempo todo se reciclando", esclarece a especialista.
Sobre a essência do etarismo, termo que se refere a preconceito, intolerância e discriminação contra pessoas com base na sua idade, e altamente sofrido por mulheres, Silvia destrincha. "Aqui, encontramos a ambivalência estrutural. Embora a tecnologia tenha trazido novas oportunidades de se reciclar e de se reinventar, também traz no seu bojo a ideia de que o antigo, aquele que veio antes, não pode ser atualizado."
"Portanto, o etarismo é um grande desafio a ser superado, quebrando paradigmas já cristalizados no inconsciente coletivo. Logo esse movimento de mudança radical exigirá um esforço muito maior para as mulheres maduras", continua. Muiramomi também reflete que há mudanças recentes em relação à valorização de histórias de sucesso de mulheres após os 30 anos.
"Antigamente, a mulher a partir dos 40, 50 anos estava na rota final da aposentadoria, e muitas já tinham passado pelo período de sobrevivência para criar e educar os filhos e pagar as contas da família", recorda a socióloga. "Porém, a mudança na idade mínima e no tempo de contribuição para aposentadoria tem mudado essa dinâmica", detalha.
Atrás do sonho
Aos 48 anos, a designer de interiores Luciane de Oliveira decidiu realizar um antigo e desafiador sonho de infância: estudar medicina. "Sempre cuidei de pessoas. Aos 17 anos, fiz o vestibular, mas não tinha uma base sólida e não passei. Guardei esse sonho, fui trabalhar e estudar em outras áreas", conta.
Anos depois, enquanto se dedicava ao trabalho de designer e aos cuidados com a família, o desejo de cursar medicina voltou a ganhar força. "Soube de alguém que estava cursando medicina e tinha um filho com uma doença rara. Vi pessoas passando por situações muito mais complicadas que a minha e, ainda assim, correndo atrás de seus sonhos", relembra.
Foi nesse momento que Luciane se deu conta de que também poderia transformar o seu sonho em realidade. Assim, mesmo com as responsabilidades e os compromissos do dia a dia, ela deu início ao curso em 2020. "Meu marido sempre me apoiou em tudo. Fizemos as contas, nos organizamos, e vimos que aquele era o momento certo", diz Luciane.
Para ela, cursar medicina após os 40 anos exige disciplina, comprometimento e perseverança. "Meus maiores desafios são conciliar família, trabalho e estudos. Tenho que encontrar tempo para estudar, fazer plantões, cuidar da casa, do filho, da mãe e da loja", enumera. "Infelizmente o dia só tem 24 horas", brinca.
Apesar disso, Luciane acredita que sua maturidade e experiência de vida só trazem benefícios para a nova profissão. "Hoje, consigo priorizar e me colocar no lugar do próximo. Aprendi a delegar mais, a ser menos exigente com os outros e comigo mesma", reflete. Perto de concluir o curso, ela planeja seguir cuidando das pessoas após a formatura.
"Não tenho pretensão de fazer nome nem de ganhar dinheiro. Só quero fazer o que sempre sonhei. Encontrei meu lugar no mundo", declara. Para ela, cada desafio da jornada vale a pena. "O tempo vai passar de qualquer jeito. Daqui a seis anos, você pode estar lamentando que é tarde para começar algo ou indo para a sua formatura", conclui.
Uma nova e desafiadora fase
Com a expectativa de vida das brasileiras próxima dos 80 anos, as mulheres estão vivendo por mais tempo na menopausa, que geralmente ocorre entre os 48 e 50 anos e é marcada por transformações físicas. Muito antes dessa fase, porém, diversas mudanças hormonais já começam a se manifestar.
"Antes das famosas ondas de calor, é comum surgirem sintomas como fadiga, aumento de gordura abdominal, perda de massa muscular, queda de cabelo e uma pele menos viçosa", explica a endocrinologista e metabologista Wanessa Stival. Além das alterações físicas, a menopausa traz desafios emocionais, como alterações de humor, insônia e irritabilidade.
"Com o tempo, podem surgir queda na libido, irregularidade menstrual e, finalmente, os fogachos", acrescenta a especialista. Essas transformações fazem com que a menopausa se torne, para muitas mulheres, uma fase repleta de desafios. Apesar de tudo isso, é possível e fundamental envelhecer de forma saudável e manter uma boa qualidade de vida.
"A menopausa marca o fim da fase reprodutiva da mulher, mas está longe de ser o fim de sua vida produtiva", destaca Wanessa. "Muito pelo contrário: muitas mulheres chegam ao auge de suas carreiras ou se dedicam a novas experiências prazerosas, como viagens e a realização de sonhos, agora, já que, muitas vezes, as condições financeiras são mais favoráveis", argumenta a endocrinologista.
Mas, para isso, alguns cuidados com a saúde são essenciais. "Dieta equilibrada, manejo do estresse, exames de rotina e, se necessário, vitaminas e suplementos são importantes", detalha Wanessa. Outra recomendação importante é a prática da musculação, um dos cuidados que a mulher precisa estar atenta.
A partir dos 35 anos, já começamos a perder massa óssea e muscular, o que se intensifica na menopausa. "Portanto, construir e manter uma reserva de músculos e ossos é uma forma eficaz de se preparar para essa fase da vida", completa.
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Da obesidade ao corpo esculpido
Nunca é tarde para cuidar de si e valorizar o próprio corpo. Com esse pensamento, a professora aposentada Rosa Carvalho, de 57 anos, deu um passo decisivo para transformar sua vida em 2022: lançou-se no fisiculturismo, um esporte de alto rendimento. Mas sua trajetória de superação começou muito antes, em 2012, quando enfrentou um grande desafio: a obesidade.
"Em 2012, eu era obesa e sabia que precisava mudar de vida. Comecei a correr, a me cuidar e a emagrecer", relembra. Com esforço e determinação, Rosa perdeu mais de 20 quilos ao longo dos anos e ganhou uma nova perspectiva de vida.
A grande virada, no entanto, veio em 2022, quando recebeu de seu treinador o convite para conhecer o universo do fisiculturismo. Ela aceitou o desafio e, a partir dali, iniciou a preparação para os primeiros campeonatos.
"Entrei para o fisiculturismo não só para adotar um novo estilo de vida, mas para me superar. Estava enfrentando dificuldades e, para não cair na depressão, decidi me dedicar ao esporte. Desde então, ele tem sido uma fonte constante de realização", relata.
Logo no início, Rosa se apaixonou pelo fisiculturismo e por sua nova versão de si mesma. A disciplina tornou-se parte essencial de sua rotina, com uma dedicação intensa aos treinos. Como em qualquer jornada de alto desempenho, Rosa encontrou desafios.
Para ela, o mais difícil da rotina é manter a alimentação rigorosa. "Essa parte é muito sofrida. Principalmente durante a preparação, não dá para fugir da dieta", comenta. Ainda assim, ela se adaptou a essa realidade. "Onde quer que eu vá, levo minha comida. Se vou comer fora, carrego minhas marmitas e minha balança", brinca.
Diante de tantas exigências, a recompensa veio em forma de realização pessoal e amor-próprio. "É difícil, o caminho é sofrido, é preciso abrir mão e não desistir. Mas a Rosa de hoje conquistou superação, muita autoestima e aprendeu a não desistir no primeiro obstáculo", reflete.
Rosa também vê sua história como uma forma de inspirar outras mulheres a seguirem seus sonhos. "Esse é o meu verdadeiro objetivo", ressalta. Em sua página no Instagram (@rosatoledo), ela inspira milhares de pessoas com sua trajetória. "Apesar da idade, a gente pode muita coisa. Muitas mulheres começam e desistem porque acham que estão velhas demais. Outras nem começam, porque se sentem inferiores."
"Uma mulher, independentemente da idade, pode, sim, ser linda, desejada e maravilhosa", garante. "O importante é perseguir os sonhos, independentemente de qualquer julgamento alheio. É saber que não fazemos para os outros, mas para nós mesmas", finaliza. Hoje, com 59 anos e dois anos de carreira no fisiculturismo, Rosa já alcançou feitos impressionantes.
Ela é 10 vezes campeã da categoria Master no Muscle Contest, um dos campeonatos mais prestigiados de fisiculturismo no Brasil. Além disso, conquistou o cobiçado Pro Card, certificação internacional da Federação Internacional de Fisiculturismo & Fitness (IFBB), que a reconhece oficialmente como atleta profissional. Atualmente, Rosa é a fisiculturista mais velha do Brasil a ter um Pro Card.
Maternidade tardia
No passado, engravidar após os 40 anos era raro e visto como algo extremamente arriscado. Porém, com o avanço das carreiras e da independência feminina, cada vez mais mulheres escolhem viver a experiência da maternidade apenas na maturidade. “Isso é possível graças aos avanços nos estudos e nas tecnologias médicas, que têm proporcionado novas orientações, testes e parâmetros para tornar essa experiência o mais segura possível”, explica a endocrinologista Wanessa Stival.
Esse fenômeno também se reflete em mulheres que, após os 40 anos, decidem ampliar a família. É o caso da super modelo Gisele Bündchen, que espera seu terceiro filho aos 44 anos. Para mulheres que desejam seguir esse caminho, Wanessa alerta que, embora seja possível, é essencial adotar cuidados específicos para garantir uma gestação saudável.
“A gravidez após os 35 anos ainda é considerada de risco, exigindo um acompanhamento pré-natal cuidadoso. Os riscos de complicações aumentam e as chances de concepção diminuem progressivamente após essa idade”, explica. Com isso, cuidados como controle de peso, alimentação equilibrada e reposição de vitaminas são essenciais.
“Também é importante cuidar do emocional, já que essa gravidez tende a vir acompanhada de mais preocupações. O apoio familiar e no trabalho é essencial, e práticas como psicoterapia e meditação podem ser muito benéficas”, acrescenta Wanessa. Para se dedicar plenamente à gestação, que está chegando ao sexto mês, Gisele se afastou dos compromissos profissionais e deu uma pausa na carreira de modelo.
Com a saúde mental em dia
Além dos cuidados com a parte física, a chegada da maturidade exige que a saúde mental esteja bem estruturada. De acordo com o professor de psicologia da Uniceplac Paulo Henrique Souza, durante essa fase da vida, muitas mulheres tendem a internalizar padrões destrutivos e adoecer na tentativa de alcançar as expectativas criadas pela sociedade patriarcal.
"O medo é de envelhecer e se tornar obsoleta, desnecessária nos espaços que ocupa. O resultado disso é o desenvolvimento de quadros de ansiedade e depressão, que minam a autoestima e a saúde dessas mulheres", afirma o psicólogo. Por isso, o especialista ressalta a importância de ter um bom acompanhamento psicológico para enfrentar essas mudanças.
"A ideia é reajustar as expectativas e ter um entendimento sobre perdas e ganhos nesse estágio. Naturalizar o processo é importante", complementa ele. Por fim, ao tomarem novas decisões de vida, é necessário que as mulheres façam escolhas baseadas na percepção de que elas têm sobre si mesmas. "Estarem seguras de seu processo de envelhecimento, pode facilitar e influenciar a tomada de decisões", conclui Paulo.
Tomada de decisões
Por quase duas décadas, Cybelle Kern, 39 anos, dedicou-se ao ensino da matemática. A carreira de professora trouxe muitas alegrias, mas com o passar dos anos, sentiu que algo faltava. Casada e mãe de três filhos pequenos, começou a notar que o tempo dividido entre a sala de aula e as responsabilidades familiares estava se tornando insustentável. "Eu estava me dividindo em muitas funções. Era a escola, a casa, os filhos, e sentia que, mesmo me esforçando, deixava a desejar em alguns momentos", relembra.
Foi nessa fase, em meio a um cotidiano tão sobrecarregado, que a confeitaria começou a ganhar espaço em sua vida. No início, fazer bolos era uma espécie de hobby e alívio para as pressões do dia a dia. Mas a atividade, que começou como um simples passatempo, acabou se transformando em uma verdadeira paixão. "Entrei devagarzinho nesse mundo, e cada vez mais me via presa a ele, sem querer deixar", explica.
Depois de muita reflexão, em 2021, ela decidiu trocar de vez a sala de aula pelo ateliê de confeitaria, instalado na própria casa. A decisão não foi tomada de forma impulsiva. "Foi um sonho que me chamava, mas também havia medo e insegurança. Levei um bom tempo até ter certeza de que era a coisa certa para mim", conta.
Mais do que o desejo de mudança, o que realmente a impulsionou foi o desejo de estar mais presente na vida dos filhos. "Eles são minha prioridade, e a confeitaria, com a flexibilidade que proporciona, me permite estar mais perto deles. Consegui construir um ateliê em casa, onde faço toda a produção, e isso me permite ser mãe e empreendedora ao mesmo tempo."
Apesar de todos os benefícios, a transição de carreira trouxe desafios inesperados. Acostumada à estrutura e à segurança da vida docente, Cybelle se viu em um ambiente totalmente novo. "Saí de uma rotina de 18 anos, em que tudo era planejado, para ter que aprender a me virar sozinha. Hoje, sou eu quem cuida de tudo: produção, vendas, atendimento, marketing. É desafiador, mas a satisfação de construir algo próprio não tem preço", reflete.
Ela destaca que, sem uma veia empreendedora natural e sem vir de uma família de empresários, teve que buscar cursos e especializações em áreas que iam além da confeitaria em si. "Não basta saber fazer o bolo. Para empreender, você precisa saber vender, gerenciar e, principalmente, se conectar com o cliente", pontua.
Experiência acumulada
A maturidade também desempenhou um papel crucial nesse processo. A confeiteira acredita que ter mudado de carreira em uma fase mais madura foi um diferencial positivo. "A experiência que acumulei ao longo da vida me deu segurança. Se fosse mais nova, talvez não tivesse a mesma clareza de propósito e poderia ter me deixado abalar mais facilmente pelas dificuldades", diz.
Olhando para trás, ela reconhece que a maturidade trouxe uma visão mais clara sobre seus objetivos e fortaleceu sua resiliência para enfrentar as dificuldades. "Essa firmeza eu só tenho agora, com a idade que tenho. A gente aprende, ao longo da vida, a ser mais firme nas decisões e a olhar para frente com confiança."
Além disso, Cybelle conta que sempre teve apoio incondicional da família, o que foi fundamental para ela seguir em frente com a sua decisão. Ela relata que, desde o começo, o marido, as irmãs e a mãe a incentivaram a não desistir do novo caminho. "Meu marido é o meu suporte. Ele me incentiva a todo momento, e saber que posso contar com ele faz toda a diferença. Sem o apoio da minha família, talvez o medo tivesse me paralisado."
Como todo início de trajetória, a confeiteira admite que a ansiedade se fez presente. "O começo foi marcado por sofrimento e ansiedade, mas, depois que a incerteza inicial passou, percebi que estava realizando um sonho", diz. A mudança de carreira trouxe também uma nova perspectiva sobre o futuro. Cybelle compartilha que o empreendedorismo impactou sua visão sobre a vida e sobre as carreiras das outras pessoas.
"Hoje, sei exatamente o que não quero para mim, e isso é libertador. Consegui planejar um futuro de acordo com o meu potencial e com o que quero construir." Ela reflete que, com o tempo, entendeu que parte do sucesso está em conhecer e respeitar os próprios limites. Outro aspecto gratificante de sua nova fase é a liberdade para organizar o próprio tempo e construir uma agenda de acordo com as necessidades familiares.
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"Depois de anos trabalhando para outras pessoas, ter controle sobre as minhas decisões e o meu tempo é a melhor sensação. Ser dona de todo o processo é uma liberdade que eu não sabia que precisava, mas que agora valorizo demais", comenta. Para ela, poder definir o próprio horário e ser "dona do que faz" representa uma conquista que compensa todos os obstáculos da transição.
Quando questionada sobre conselhos para outras mulheres que consideram mudar de carreira, Cybelle é categórica: "Não deixem o medo ser o limite. Mudar sempre dá medo, mas se você tem apoio e acredita em si mesma, vale a pena arriscar". Segundo ela, o primeiro passo é sempre o mais difícil, mas superá-lo é o que abre portas para novas possibilidades.
*Estagiárias sob a supervisão
de Sibele Negromonte