Cidade Nossa

Crônica: O avô e o sapo

Na crônica deste domingo (3/11) o jornalista Sergio Leo traz uma reflexão interessante sobre a relação entre avô e neta no mundo contemporâneo

Especial para o Correio — Sergio Leo 

"Você vai adorar o meu avô; ele é maluquinho!", anunciou a neta, ainda no carro, para a amiga com quem passaria a tarde. A mãe contou. E ele riu. Que responsabilidade. Nem pensar em decepcionar a amiguinha, desmoralizar a neta. Se um avô maluquinho esperavam, avô maluquinho seria. Mas há limites para loucuras de um avô. Ser maluco acrescentava um certo desafio à tarefa de ajudar os pais da criança querida, pausa bem-vinda no trabalho em home office.

Que maluquice credencia um avô junto às amizades da neta? Contar que não dá muita atenção para as datas de validade dos produtos bem guardados na geladeira — vencidos há tão pouco tempo, afinal — não é coisa que impressione as crianças. Ainda que apavore as mães; a filha o fizera prometer que nenhum ingrediente das refeições estaria além do vencimento marcado na embalagem.

Jogar as crianças para o alto, enquanto elas gritavam de susto e prazer, estava fora de questão. A lombar, já há algum tempo, não endossava esse tipo de maluquice. Brincar de pega-pega com as meninas, rugindo como fera selvagem tornou-se incompatível com os avisos que lhe dava o cardiologista.

Bom, vários amigos consideram loucura seu apego ao iPhone 7, que se recusava a trocar por modelo mais recente ("para que gastar tanto dinheiro? Qual a vantagem real da troca?", respondia, para escândalo da comunidade). Mas a verdade é que o celular reproduziu sem problemas os vídeos que a neta e a amiguinha pediram; difícil usar o aparelho para confirmar a fama de maluquinho.

Outras inadequações, como a recusa em trocar seus discos pelo Spotify, ou a doida — e doída — incapacidade de usar corretamente os serviços de streaming, nenhuma delas o gabaritava para o papel anunciado pela neta à amiga.

Como sempre, manteve as molecas longe da TV; e estava ainda agoniado com o fracasso na função designada pela criança, quando, distraído preparando o jantar, ouviu a neta chamar, do escritório, onde havia instalado as duas, depois de convencê-las a rabiscar sobre jornais velhos (aliás, ganhou um ponto ao mostrar, às duas, aquela exótica pilha de papel, impressa com letras e imagens — embora nenhuma delas tenha exclamado "que doido!", como ele esperava).

A neta o chamava para mostrar a lista de coisas a trazer, que daria às amigas convidadas para a próxima visita. Nela, após recomendarem não esquecer roupa de banho, toalha, lanche e outras trivialidades, incluíram a exigência: "traga um sapo". Até entendeu o pedido. Andavam apaixonadas pelo livro O sapo que não queria ser príncipe, do José Rezende Jr., exemplo de típico escritor maluquinho.

"Mas... sapo? Para quê, um sapo?" E a neta: "Calma vovô, é só pra criar mistério!".

Misteriosas, as inspirações de uma netinha. "Mas, e se trouxerem um monte de sapos? Vamos fazer o quê?". A neta, compreensiva, voltou-se para a amiguinha: "Tem razão, vovô! Inaê, acrescenta aí: 'só quem tiver poderes mágicos!'"

Mesmo inseguro sobre o alcance da magia das amiguinhas da neta, concordou, afinal. Como não?

Vai dizer. Uma mocinha sensata dessas... é de deixar maluco qualquer avô.

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