Na educação antirracista, a escola não pode nem deve estar sozinha. A família também precisa educar as crianças e os adolescentes em prol de reflexões a respeito de ações racistas. Pedir desculpas ao colega, ser privado de algum lazer ou simplesmente “brigar” não é o caminho mais adequado, já que são ações pontuais. Abaixo, destaco sugestões de ações contínuas para as famílias cumprirem seu papel fundamental nesta construção.
1. Ofereça brinquedos e jogos
Nas lojas, as bonecas em sua maioria são brancas, loiras e com olhos claros. A diversidade brasileira não é explícita nesses brinquedos. Oferecer bonecas negras às crianças é mostrar que crianças/bonecas são diferentes e bonitas.
Outra indicação são os jogos de tabuleiros com temáticas africanas como Mancala (Egito), Tsoro Yematatu (Zimbabwe) e Fanorona (Madagaskar), que trabalham estratégia e raciocínio lógico e, por serem africanos, é uma boa oportunidade de conhecer os países de origem e suas histórias.
2. Assista a filmes e séries
Incentivar as crianças e os adolescentes a assistirem filmes e séries que problematizam o racismo ou tragam personagens principais com autores negros é uma das sugestões. Alguns exemplos são “Estrela Além do Tempo”, “A Mulher Rei”, “Pantera Negra: Wakanda Para Sempre”, “Histórias Cruzadas”, “Ray”, “Mãos Talentosas: A História de Ben Carson” e “A Vida e a História de Madam C. J. Walker”. Como sugestões de séries que abordam as realidades de pessoas negras indico “Quem Matou Malcolm X?”, “Olhos que Condenam” e “The Get Down”.
Estes filmes e séries trazem elementos para toda família pensar a questão racial, e ainda acrescento mais alguns: “Encanto”, “Soul”, ”Space Jam: Um Novo Legado”, “O Mundo de Greg”.
3. Faça refeições temáticas
O continente africano contribuiu efetivamente com a culinária brasileira. Fazer pratos de origem africana pode oferecer um aprendizado diferenciado para as crianças e adolescentes na medida que a família pode pesquisar o país de origem e conversar sobre eles durante a refeição.
Doces como o malva pudding (ou pudim malva), tradicional da África do Sul, é muito semelhante a um bolo. Os principais ingredientes de sua preparação são a geleia de damasco e o açúcar mascavo. É um prato bastante doce e o jeito de servir é quente e acompanhado por sorvete ou um creme de baunilha.
Outro doce é o xalwo, oriundo da Somália. Ele é servido em festas, celebrações e ocasiões especiais, como casamentos. Leva amido de milho, açúcar, manteiga ghee, cardamomo em pó e noz-moscada. Para incrementar o sabor, algumas receitas levam amendoim, conferindo mais textura e sabor ao prato.
Por fim, o koeksisters lembra nosso bolinho de chuva. É frito e, ao invés de ser passado no açúcar canela, ele é banhado em uma calda feita com açúcar, limão e especiarias. Outra diferença está no formato, que, ao invés de redondo, lembra muito uma trança. Ao pesquisar os nomes na internet, é possível acessar as receitas e os modos de fazer.
4. Não ignore falas racistas nem trate como brincadeira de criança
O racismo é algo sério e deve ser problematizado. Ignorar falas racistas de crianças e adolescentes é evidenciar que a fala ou a atitude é autorizada. Quando uma criança negra sofre o racismo e não a acolhemos ou ignoramos, ensinamos que o fato é normal. E, em ambos os casos, não são. Não podemos ignorar falas racistas e não podemos negligenciar quem sofreu o racismo.
É preciso sentar e conversar para entender o ocorrido e, em seguida, levantar questionamentos como: “por que você falou isso?”, “por que você agiu assim?”, “o que te faz entender que sua fala é correta?”. Ou seja, levar a criança a pensar sobre suas ações e não oferecer falas prontas como “isso é feio”, “isso não se faz”, “você está errado”.
As conclusões e reflexões das crianças e dos adolescentes podem ser construídas por elas mesmas a partir de perguntas que permitam repensar falas e atitudes. Mas reforço: isso não pode terminar no diálogo, sendo uma proposta pontual. O trabalho antirracista segue em ações propostas anteriormente.
Os frutos a serem colhidos
A escola e a família estão imersas em um país racista e as ações, práticas, falas e depoimentos fazem parte dessa reconstrução. A atenção devida ao tema com crianças e adolescentes é de extrema importância se desejamos mudar nossa sociedade. Ângela Davis ensina que “numa sociedade racista, não basta não ser racista, é necessário ser antirracista”. Então, mãos à obra!
Por Janaina de Azevedo Corenza
Pedagoga e doutora em Educação. Atua como professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro. É organizadora do Livro “Práticas curriculares antirracistas: temas em construção” (Wak Editora).