A mulher nasce com cerca de dois milhões de óvulos, no início da puberdade são 400 mil, e apenas uma pequena parte é usada nas ovulações ao longo da vida adulta. A maior parte dos óvulos degenera-se com o tempo e quando os remanescentes passam a ser insuficientes para produzir estrogênio suficiente para manter ativo o sistema ovário-cérebro (ovário-hipófise-hipotálamo) a mulher não mais menstrua. Diferente das mulheres, a grande maioria das fêmeas no mundo animal continua fértil até o fim da vida e não sabe o que é menopausa. Duas exceções conhecidas são algumas espécies de baleias e elefantes.
Elegantes linhas de pesquisa têm compreendido a menopausa nas mulheres como uma vantagem evolutiva, ou seja, ela aumentaria as chances da espécie em gerar descendentes, perpetuando assim seus genes. A menopausa serviria como um fator de proteção tanto para as mães como para os filhos. Mas de que maneira?
As mulheres contemporâneas vivem uma condição muito recente na sua história evolutiva que é o grande número de ciclos ovulatórios ao longo da vida, pois começam a ter seus filhos tardiamente, e poucos filhos. Essa frequência maior de ovulações faz com que a mulher seja muito mais exposta às elevações periódicas de estrogênio, o que já sabemos que aumenta o risco de doenças como o câncer de mama. A menopausa pode ser vista como uma resposta adaptativa evitando que a mulher chegue aos 80 anos de idade com o mesmo nível de exposição ao estrogênio.
Outra vantagem de as mulheres não continuarem férteis em idades mais avançadas é a de que assim os filhos poderão contar com suas mães vivas nos seus primeiros anos de vida, e pesquisas nos confirmam que isso aumenta a chance de uma criança chegar à idade adulta. Além disso, os óvulos de mulheres mais maduras têm mais chances de serem defeituosos, e caso fossem fertilizados, haveria maior risco de gerar anormalidades cromossômicas e recém-nascidos de baixo peso ou prematuros.
Por essas e outras razões a natureza foi sábia em fazer com que as mulheres a partir de certa idade fossem mais úteis à perpetuação da espécie ao investir energia para a sobrevivência de filhos que não precisassem gerar: seus próprios netos. Esse conceito é bem conhecido pela ciência como “Hipótese Avó”, onde a avó colabora não só com conhecimento, mas também colocando a mão na massa, aumentando a chance de seus netos sobreviverem. Em contraste, na maior parte das espécies animais, o mais comum é que os filhos em idades pré-reprodutivas colaborem com as mães aumentando o sucesso de geração de novos irmãozinhos. Além de suporte aos netos, a “Hipótese Avó” contempla também a menopausa como fator que evita a competição reprodutiva entre gerações na espécie humana.
Um dos estudos mais importantes sobre esse tema foi publicado na respeitada revista científica Nature no ano de 2004. Os pesquisadores avaliaram dados históricos demográficos de populações canadenses e finlandesas do século XIX e evidenciaram que tanto mulheres como homens que tinham mães que viveram mais após os 50 anos de idade tiveram seus filhos mais precocemente, intervalos mais curtos entre o nascimento dos diferentes filhos e uma maior chance de que eles chegassem à idade adulta. Além disso, as mulheres que moravam longe das mães tinham menos filhos quando comparadas àquelas que moravam na mesma casa, no mesmo bairro, na mesma vila.
O efeito positivo da avó foi mais pronunciado ainda quando a avó tinha menos de 60 anos de idade quando do nascimento de seu neto. Um dos resultados mais importantes do estudo foi o de que a presença da avó foi relevante na sobrevida dos netos entre os três e cinco anos de idade, mas não nos primeiros dois anos de vida (período da amamentação), reforçando a ideia de que o “efeito avó” existe independente das peculiaridades genéticas dos netos ou do desempenho das mães. E os resultados não foram diferentes entre as duas populações estudadas: canadenses e finlandeses.
O que dizer sobre as avós no século XXI? Nas últimas décadas podemos perceber uma mudança no papel dos avós em nossa sociedade, muitos deles passando a desempenhar o papel de pais. Podemos identificar um crescimento no número de lares em que três gerações convivem: pais, netos e avós. Cresce também o número de lares em que os avós cuidam plenamente de seus netos com os pais morando em outro domicílio.
Esses modelos de organização familiar em que os avós assumem o papel de “avós em tempo integral” podem estar associados a benefícios, mas também a dificuldades, tanto para as crianças como para os avós. Os avós podem se sentir realizados, menos sós e com maior autoestima por assumirem a responsabilidade dos netos, mas por outro lado podem estar sendo submetidos a uma sobrecarga de funções que em alguns casos não são mais compatíveis com os estados de saúde física e financeira comuns entre muitos idosos.
A “Hipótese Avó” é bem reconhecida pela ciência como o meio pelo qual a evolução permitiu que as mulheres ao amadurecerem fossem avós e não mães de novas crianças. Hoje em dia cresce o papel de avós como tutores dos netos, mas também há o outro lado da moeda: situações em que os avós entram em conflito com os pais por ultrapassarem os limites de interferência na educação dos netos sem a concordância dos pais. Usando o bom senso a chance de sucesso é grande: avó tem que ser avó e mãe tem que ser mãe.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília