A partir da sexta semana de gestação, é possível viver um momento muito esperado pelos pais: ouvir os batimentos cardíacos do bebê. Conforme os meses vão passando, o feto continua se desenvolvendo e crescendo. Ao fim do primeiro trimestre, tem braços, mãos, pés e dedos. Por volta do sexto mês, que compreende as semanas 21 e 24 da gravidez, costuma ter mais de um quilo e já se movimenta, no sétimo mês, entre a 25ª e 27ª semana, começam as conversas sobre planejamento de parto.
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Porém, algumas vezes, por motivos de saúde diversos da gestante ou do bebê, o parto acontece muito antes do previsto. Quando ele ocorre antes das 28 semanas, os bebês são chamados de prematuros extremos.
Nesse período, pode nascer com menos de um quilo e com uma série de órgãos e sistemas que ainda não estão completamente formados. Os pulmões e o sistema nervoso estão entre os últimos a amadurecer e costumam ser as principais fontes de preocupação nos prematuros. Muitas vezes, eles precisam de ajuda para conseguir respirar.
A corrida contra o tempo, que se inicia quando uma gestante entra em trabalho de parto prematuro, costuma ter o foco na saúde física, tanto da mãe quanto do bebê, mas é de suma importância que sejam tomados também cuidados relacionados à saúde mental desses pais.
Maynara Nunes, psicóloga da UTI Neonatal do Hospital Santa Lúcia, de Brasília, comenta que, junto com a depressão pós-parto, o transtorno de estresse pós-traumático de UTI está entre os principais problemas de saúde mental que esses pais podem enfrentar e que podem surgir muito depois que os momentos difíceis já passaram, quando os pais estão em casa aprendendo a conviver com o novo bebê.
"A gestação e, em alguns casos, até antes dela, quando o casal planeja aquela gravidez, vem acompanhada de todo um planejado, sonhos e expectativas. Quando um bebê nasce antes e exige uma série de cuidados médicos, essa expectativa se quebra, e isso, por si só, demanda uma elaboração psicológica", explica.
Desafios emocionais
O entendimento de que precisarão "abrir mão" do primeiro banho, da golden hour — a hora logo após o nascimento quando o bebê fica em contato pele a pele com a mãe e mama na primeira hora de vida —, da queda do umbigo, da primeira troca de fralda é sofrido, e funciona quase como um luto de momentos que se esperava viver, como esclarece a psicóloga.
Sendo assim, os desafios emocionais e psicológicos estão presentes desde o momento em que se descobre com antecedência que bebê precisará nascer antes do tempo ou que precisará ir para a UTIN, ou quando o nascimento acontece de emergência e podem, e costumam, perdurar até depois que o bebê completa um ano de vida.
O bipe incessante dos aparelhos que controlam a saturação e os batimentos cardíacos dos bebês na UTIN deveria sair da mente das mães e pais assim que eles deixam o ambiente hospitalar, mas não é bem assim que acontece.
A professora Rayane Oliveira Gebrim, 33 anos, mãe dos quadrigêmeos Laura, Luca, Samuel e Theo Gebrim Nogueira, de 2 anos, lembra que, mesmo em casa, semanas depois de receber alta com seus bebês, nos momentos mais silenciosos, ela escutava os bipes insistentes como se ainda estivesse na unidade de saúde.
Desde o início da gravidez, quando descobriu que teria quatro bebês, Rayane se preparava para os dias de internação. Mesmo com essa consciência, quando ela se viu, de fato, na situação, não pôde evitar de se sentir assustada. Os bebês nasceram com 29 semanas, precisando de muitos cuidados.
"O medo era o sentimento mais presente, o tempo todo. Porque eu não esperava notícias só de um bebê, mas de quatro. E mesmo quando um tinha uma boa notícia, outra nem tanto, era difícil equilibrar tudo isso. Havia o medo de não levar todos eles para casa comigo", lembra.
Rayane ressalta como o apoio da equipe de psicólogos foi essencial para que ela pudesse se manter sã durante os 72 dias que passou na UTIN com seus bebês. "Hoje, lembro de tudo e tenho a certeza absoluta do milagre que eu vivi."
Quando finalmente foi para casa, a sensação era diferente. Agora, ela era responsável pelos cuidados com seus bebês e de colocar "a mão na massa": trocar as primeiras fraldas, pegá-los no colo sem precisar de permissão, dar banhos e amamentar.
Mas o que a professora não imaginava era que sentiria "saudades" de alguns elementos da UTIN. A psicóloga Maynara explica que não é uma saudade de fato, mas quando mães e pais saem da internação, costumam estranhar a ausência dos cuidados intensivos e sentir medo de que não sejam capazes de oferecer aos bebês o mesmo nível de cuidados que eles recebiam das profissionais de saúde.
"E isso é algo que trabalhamos muito com os pais antes de dar a alta. Eles precisam entender que são os melhores cuidadores possíveis que aquele bebê poderia ter, e são, mesmo na UTIN, os protagonistas nesse cuidado", acrescenta Maynara.
Rayane se sentiu tão insegura que chegou a comprar um oxímetro para monitorar a saturação dos bebês em casa, além de pesá-los com frequência quase diária, como é feito no hospital. "Cerca de uns três meses depois, comecei a relaxar e pude curtir mais tranquila. Eu também fiquei superprotetora, não deixava ninguém chegar perto, tinha muito medo de ter que voltar para o hospital", lembra.
Acolhimento
Mailany dos Santos Silva, supervisora de enfermagem da UTI Neonatal do Hospital Santa Luzia, ressalta a importância de uma equipe de enfermagem que esteja preparada para lidar com essa famílias, afinal, são elas que estão ali todos os dias, todo o tempo. "Além da vontade de trabalhar ali, é necessário ter muita empatia e um emocional forte para ser um ponto de apoio", comenta.
Sempre que treina a equipe ou prepara uma nova profissional, faz questão de dizer que elas, como profissionais, escolheram estar ali, mas que cada uma daquelas famílias faria de tudo para poder estar em casa ou em outro lugar. "Além de todas as emoções que surgem quando uma mulher se torna mãe, existe ainda a descarga hormonal do puerpério e o medo de ver seu bebê enfrentando tantos desafios poucas horas depois de nascer. Essas mães precisam de atenção especial", comenta.
E embora as mães precisem de mais cuidado, os pais também são observados e acompanhados pelas equipes psicológicas. Elas fazem um trabalho conjunto com a enfermagem, que observa mais de perto e transmite informações importantes sobre quais famílias precisam de mais ou menos cuidado.
"Nosso trabalho é ajudar a fortalecer esse vínculo que acaba se quebrando de certa forma. Incentivamos o toque, o carinho, a presença e deixamos clara a importância que os pais têm ali. Afinal, mesmo com todas as necessidades de saúde, esse amor é um dos cuidados mais essenciais para a recuperação desses bebês", completa.