COMPORTAMENTO

Aberto, fechado ou ventilado: conheça os tipos de relacionamento

Fique por dentro dos modelos de relacionamentos não monogâmicos que se popularizaram na nova geração

Relacionamento aberto: por que cada vez mais gente defende a não monogamia       -  (crédito: 8 photo/Freepik)
Relacionamento aberto: por que cada vez mais gente defende a não monogamia - (crédito: 8 photo/Freepik)

Os relacionamentos não monogâmicos entraram em debate com a popularização da discussão sobre capitalismo e liberdade. Com ideais de comunicação aberta e flexibilidade, a não monogamia defende a relação com mais de um parceiro ao mesmo tempo. Os modelos de relações centradas na não monogamia podem variar, cada um com as respectivas regras acordadas entre os casais. Segundo enquete com leitores do Correio no Instagram, 23% dos participantes da enquete são/seriam adeptos da não monogamia e 77%, não.

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O relacionamento aberto é um exemplo dessa prática, no qual os envolvidos podem se relacionar sexualmente e/ou afetivamente com outras pessoas sem perder o vínculo emocional com o parceiro. A relação ventilada é um termo caracterizado pela participação ocasional de terceiros em atos físicos, com ou sem a presença dos dois membros do relacionamento. Mas não se engane — todas as relações são definidas por regras conversadas entre os parceiros. Não existe receita de bolo.

Tipo de relacionamento O que é
Fechado Parceiros exclusivos
Aberto Liberdade de se envolver com outros parceiros
Ventilado Ocasionalmente outros parceiros são adicionados

 André, 27 anos, é um homem gay adepto ao relacionamento ventilado. Acompanhado do namorado há quatro anos, o casal adiciona parceiros no ato sexual quando querem explorar novas oportunidades. Ele conta que, durante os dois primeiros anos de namoro, o relacionamento era completamente fechado: “Resolvemos criar algumas regras porque naturalmente sentimos atração por uma mesma pessoa. Adicionamos membros só na prática sexual (sem afeto) com os dois presentes.” O relacionamento ventilado proporcionou uma comunicação madura na qual ambos se compreendem como indivíduos à parte.

O ciúme ainda se faz presente em relações não monogâmicas, mas a conversa é diferente. André relata que o sentimento surge de forma imprevisível: "Às vezes, bate insegurança de uma coisa que eu nem percebia, mas o que sobressai é a segurança com o parceiro. Sei que vou conseguir dialogar com ele se algo me incomodar.” O nome ventilado deriva de uma metáfora — a porta da casa está fechada, mas a janela pode ser aberta de vez em quando para entrar um vento.

E. (25 anos, pansexual) é uma mulher que namora uma pessoa com dois relacionamentos paralelos. Esse modelo é conhecido pelas novas gerações como relacionamento em V, no qual os envolvimentos afetivos do parceiro estão desvinculados de critérios de hierarquia e posse. Para E., as estruturas monogâmicas sempre soaram como uma prisão, mas ela conheceu novas formas de amar: “Respeitamos muito o tempo um do outro, nunca quis que minhas histórias e percepções estivessem reduzidas na palavra ‘nós’. Dividimos bem o nosso tempo.”

Os ciúmes fazem parte desta equação, assim como em muitos relacionamentos amorosos, mas E. reage ao sentimento com cuidado. “É algo quase primitivo e natural. A única coisa que podemos fazer é entender o que se passa e organizar depois”, diz. E. reforça a importância do diálogo para manutenção do namoro e destaca como estes termos proporcionaram a ela conversas mais profundas e horizontais, algo nunca experienciado antes. 

Algumas dúvidas comuns podem surgir com o assunto, como a divisão do tempo entre os envolvidos. E. responde que, no caso dela, é tudo bem dividido: o intermédio é feito pelo namorado, que consulta a agenda para programar futuros encontros, dando prioridade às datas importantes de cada uma. E. não conhece a terceira parte deste triângulo: "Talvez ela não queira ou ainda não tenha coragem em me conhecer, mas adoraria saber como é a outra pessoa que se envolve com quem eu amo."

Já Henrique (25 anos, bissexual) é favorável ao relacionamento monogâmico por acreditar que a dedicação investida em uma pessoa deve ser retribuída. "Isso é uma opinião pessoal, não objetiva. Acredito que para algumas pessoas funcione", explica. A transmissão de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) é um fator preocupante para Henrique na opção de relacionamento: "Em uma relação séria, pode ser que eventualmente o uso de preservativos seja suspenso. E mesmo me cuidando já contraí."

Henrique argumenta que, por mais que as pessoas tenham desenvolvido uma maior autonomia, o relacionamento aberto não seria saudável por envolver um medo que o ser humano moderno adquiriu do compromisso: "Parece que as pessoas sentem que não existe liberdade dentro de um contrato afetivo fechado." O ciúmes também é um fator relevante para Henrique, que acredita surgir de inseguranças pessoais: "Esse limite eu não ultrapassaria comigo mesmo. Se a outra pessoa quiser ver outras, não vai ser em um relacionamento comigo. Que encontre alguém que tenha a mesma mentalidade."

Por dentro da mente 

Ana Paula Nascimento é uma psicóloga especializada em terapia sistêmica, com vasta experiência em atender casais. Em entrevista, ela compartilha observações sobre a monogamia, que frequentemente surge nas sessões terapêuticas. "Muitos casais buscam terapia para explorar a possibilidade de abrir a relação. Isso geralmente ocorre quando um ou ambos os parceiros sentem que a monogamia não satisfaz mais suas necessidades emocionais ou sexuais. A terapia pode ser um recurso valioso para abordar inseguranças, medos e expectativas que emergem nesse contexto", explica.

O dia a dia desgasta muito as relações e entender a rotina como um desafio a ser contornado é a razão para vários casais terem procurado Ana Paula. As maiores queixas dentro da clínica passam por esses tópicos, mas a cada  estrutura tem uma especificidade. A psicóloga explica como relações não monogâmicas sofrem com esfera social e com preconceito: “As queixas mais comuns incluem ciúmes, falta de tempo de qualidade juntos, dificuldades em gerenciar múltiplas relações e a luta para estabelecer limites claros. Além disso, a pressão social e o estigma em relação à não monogamia podem causar estresse”. 

As reações das pessoas em relação ao amor tendem a ser semelhantes; todos compartilham experiências comuns ao se apaixonar ou ao sofrer por um amor. É um equívoco acreditar que um modelo de relacionamento se sobressai ao outro. O esforço necessário para manter a paixão e o desejo exige comunicação e compreensão. Ana Paula observa, ao longo dos anos, um tema comum entre os casais: "A busca por maior intimidade e conexão é recorrente. Tanto casais monogâmicos quanto não monogâmicos podem explorar a sexualidade como um meio de fortalecer a relação, mas frequentemente enfrentam desafios relacionados à insegurança, consentimento, limites e, principalmente, a ausência de diálogo." 

História do afeto

Formado em história pela Universidade de Brasília (UnB), o pesquisador Pedro Affonso relembra que, desde a época da Grécia antiga, a não monogamia era registrada em peças de arte e culturalmente incentivada. “O comportamento não monogâmico é padrão na natureza em muitas espécies. A instituição social do casamento que normalizou a posse sobre outra pessoa — e até aí são observados casos extraconjugais”, explica.

Em um panorama da história da humanidade, o historiador comenta que a Idade Média é lembrada como conservadora e engessada, mas o costume de se ter um amante era normalizado. “Não existe um padrão comportamental humano vinculado a monogamia. Muitas pinturas, obras e textos antigos retratam a relação com mais de um parceiro ao mesmo tempo”, ressalta. Affonso expressa que o ideal monogâmico se concretizou com a ideia de posse privada e para se ter certeza da linhagem sanguínea dos descendentes. 

A responsabilidade afetiva em um contexto monogâmico é estabelecida junto com outros fatores sociais, pauta que Affonso define como distinta em diferentes sociedades: “Existem registros de comunidades em que o casamento é poligâmico, um homem com várias esposas e vice-versa. Até dentro do casamento, a monogamia não necessariamente se mostra como um componente intrínseco às relações afetivas, sobretudo se observarmos contextos fora do mundo Ocidental.”

Affonso propõe que as formas de se relacionar sempre foram plurais e, com um maior entendimento individual, a relação pode ser atualizada.

* Estagiários sob supervisão de José Carlos Vieira

postado em 18/11/2024 12:43 / atualizado em 18/11/2024 13:20
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