Saúde

Demência do pugilista: conheça a doença que pode afetar lutadores

Encefalopatia Traumática Crônica é o nome da patologia debilitante que acometeu nomes como Muhammad Ali e Maguila. Conheça as causas, os sintomas e como lidar com a condição

O boxeador brasileiro Maguila foi um dos casos mais famosos de demência do pugilista. -  (crédito: Instagram: @adilsonmaguilarodrigues)
O boxeador brasileiro Maguila foi um dos casos mais famosos de demência do pugilista. - (crédito: Instagram: @adilsonmaguilarodrigues)

Popularmente conhecida como demência do pugilista, a Encefalopatia Traumática Crônica (ETC) é uma doença neurodegenerativa causada por traumas repetidos na cabeça ao longo de anos. Essa condição é comum em atletas de esportes de alto impacto, como boxeadores — origem do termo popular —, além de jogadores de futebol americano e rugby.

Segundo o neurologista Pedro Brandão, do Hospital Sírio-Libanês, outros grupos também apresentam risco, como veteranos militares expostos a explosões. "A exposição a lesões cerebrais leves ou concussões de forma recorrente leva a danos cumulativos no cérebro, que resultam em neurodegeneração progressiva", afirma o especialista.

Apesar de ser considerada rara, casos notórios chamam a atenção para a gravidade da patologia. No Brasil, um dos boxeadores mais icônicos do país, Maguila, faleceu no último mês devido à condição, que não tem cura. Diagnosticado em 2013, ele enfrentou anos de luta contra os sintomas debilitantes da doença.

Causas

A principal causa da demência do pugilista é a exposição repetida a traumas cranianos, seja em esportes de contato, seja em contextos militares. “Esses impactos frequentes causam microlesões no cérebro, desencadeando processos inflamatórios crônicos e acúmulo anormal de proteínas, como a tau”, explica o neurologista Pedro Brandão.

A proteína tau ajuda a estabilizar as células nervosas, mas, quando alterada, forma emaranhados tóxicos associados a doenças neurodegenerativas. “Com o tempo, isso resulta em atrofia cerebral e em um declínio neurológico progressivo”, acrescenta o especialista.

Traumas na cabeça são as principais causas da ETC.
Traumas na cabeça são as principais causas da ETC. (foto: Freepik)

Prevenção

Embora a ETC esteja ligada a esportes de alto impacto, a neurologista Carolina Alvarez afirma que a prevenção depende principalmente de evitar microtraumas, e não de evitar os esportes em si. “É uma doença rara, por isso não desaconselhamos a prática esportiva. A orientação é que a atividade física continue, mas sempre com o uso adequado de proteção”, indica ela.

Pedro Brandão acrescenta que medidas, como restringir golpes de alto impacto e estabelecer protocolos rigorosos para o retorno ao esporte após concussões, são essenciais. “A conscientização sobre os riscos e o monitoramento rigoroso são igualmente importantes para identificar e tratar sintomas precocemente”, completa ele.

Sintomas

Os sintomas da demência do pugilista são amplos, abrangendo alterações comportamentais, cognitivas e motoras. “Geralmente, esses sintomas surgem após a exposição inicial a traumas repetidos, o que pode dificultar o diagnóstico precoce”, esclarece Pedro.

O boxeador brasileiro Maguila foi um dos casos mais famosos de demência do pugilista.
O boxeador brasileiro Maguila foi um dos casos mais famosos de demência do pugilista. (foto: Instagram: @adilsonmaguilarodrigues)

Assim, Carolina ressalta que, para pessoas com histórico de microtraumas, é sempre importante estar atento aos sintomas:

  • Comportamentais: agressividade, impulsividade, depressão e paranoia

  • Cognitivos: perda de memória, dificuldade de concentração e prejuízo no julgamento

  • Motores: problemas de coordenação, instabilidade ao caminhar e tremores

Tratamento

Por não existir uma cura nem uma terapia específica para a ETC, o tratamento concentra-se no manejo dos sintomas e na melhoria da qualidade de vida dos pacientes. “As abordagens terapêuticas incluem o uso de antidepressivos, estabilizadores de humor e agentes para melhora cognitiva”, enumera Pedro. 

Terapias complementares, como fisioterapia e terapia cognitivo-comportamental, também podem ser indicadas. “O suporte psicológico e o envolvimento familiar são fundamentais para lidar com as alterações comportamentais”, complementa o neurologista.

Complicações e estágios 

Como explica Carolina Alvarez, a demência do pugilista é classificada em quatro estágios. “É uma doença progressiva degenerativa, e os sintomas vão piorando com o tempo. As complicações não são específicas, mas, sim, relacionadas aos quatro estágios da condição”, completa ela. Confira:

  • Estágio 1: inicial, caracterizado por dores de cabeça, alterações mínimas de comportamento e depressão leve.

  • Estágio 2:  piora da depressão, alterações mais importantes de humor e rompantes de raiva.

  • Estágio 3: agressividade, apatia, perda de memória significativa, perda de noção espacial e disfunção executiva.

  • Estágio 4: piora dos sintomas do estágio 3, dificuldade com linguagem e dificuldades motoras severas

Palavra do especialista

A ETC também atinge pessoas jovens? 

Sim, a ETC pode afetar pessoas jovens, especialmente aquelas que iniciaram atividades de alto risco na adolescência ou no início da vida adulta. Há casos documentados de atletas jovens que desenvolveram sinais precoces da doença após sofrerem múltiplos traumas na cabeça. Isso ressalta a importância de medidas preventivas e monitoramento cuidadoso em esportes juvenis e ambientes militares para reduzir o risco de desenvolvimento precoce da ETC.

O quão grave a demência do pugilista pode ficar?

Ela pode atingir um nível de gravidade muito severo, resultando em demência profunda, perda grave de funcionalidade e alterações psiquiátricas incapacitantes. Em seus estágios avançados, compromete significativamente a qualidade de vida e a autonomia do paciente.

Pedro Brandão é neurologista do Hospital Sírio-Libanês

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

 

postado em 17/11/2024 06:00
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