Cidade Nossa

Crônica Cidade Nossa: O prazer de ler acompanhado

Em uma reflexão sobre literatura, o jornalista Cláudio Ferreira aborda na crônica deste domingo (27/10) a importância dos clubes de livros em uma lutra contra a educação precária e a evolução da internet

Por Cláudio Ferreira — Especial para o Correio

O hábito da leitura, em vários segmentos da sociedade, anda em baixa. Culpa do alto preço dos livros, do desaparecimento das livrarias, da educação precária e do tempo que a internet tomou das nossas vidas. Mas há resistências e uma delas conta, justamente, com a ajuda da tecnologia: são os clubes de livros.

Eles estão espalhados por toda parte, sejam locais físicos, sejam virtuais. Das reuniões disputadíssimas em pequenas livrarias, com inscrições que têm vagas esgotadas em pouco tempo, aos encontros no computador ou celular, que reúnem mais gente e conseguem alcançar inclusive leitores de outros países.

A fórmula tem poucas variações: escolhe-se um livro — por indicação de um dos membros ou votação do grupo diante de muitas sugestões — e estabelece-se um prazo para a leitura. Em data pactuada entre os participantes, o debate sobre a leitura acontece.

Faço parte de um desses grupos, o virtual. Posso atestar a riqueza que é estar atrelado a um clube do livro. Em primeiro lugar, porque ele me faz ler obras que eu nunca escolheria sozinho — ou por desconhecimento da existência delas ou porque, a princípio, não fazem parte do meu rol de interesses.

Essa é a primeira chave do sucesso: bagunçar com a nossa zona de conforto. Nada contra ler os autores preferidos, acompanhar sagas em vários volumes ou confiar nas indicações dos amigos mais chegados. Mas é desafiador me deparar com um autor desconhecido, um texto do qual tenho poucas referências ou um tema que nunca me chamou a atenção.

No meu clube do livro, a cada temporada, as pessoas fazem suas indicações e formam uma lista de "candidatos". Tem até campanha eleitoral, com links, resumos e resenhas. A votação normalmente tem mais de um turno e a gente já escolhe, por ordem decrescente de votos, umas cinco ou seis leituras, que vão durar quase um ano.

Como esse grupo — de ex-colegas de ensino médio de mais de 40 anos atrás — é bastante flexível, tudo vai sendo negociado. A data da reunião para discutir o livro é marcada também por votação, mas muda sempre que boa parte da turma vê que não vai conseguir concluir a leitura no prazo. A regra é que quem sugeriu o livro abra a reunião fazendo uma introdução, contextualizando a obra e iniciando a discussão.

Já coordenei outro grupo do livro, também virtual, que tinha mais ou menos o mesmo esquema. Como eram poucos os frequentadores, os livros eram sugeridos por mim ou por algum integrante. Eu procurava alternar obras brasileiras e estrangeiras, de autores novos e clássicos. O virtual tem a vantagem do alcance — no grupo dos ex-colegas de escola, até ajustamos o horário das reuniões aos sábados para contemplar fusos horários diferentes de quem está no exterior.

Outra coisa bacana: nem é preciso ter lido o livro todo para participar das reuniões. Já tive a experiência de inverter a ordem: foi a discussão em grupo que me estimulou a ir para a leitura, que estava toda atrasada. O encontro é o mais importante, e as observações — mesmo com alguns spoilers — são sempre ricas.

Torço para que clubes de livros virem realmente uma mania. Podem ser mais gerais ou aqueles temáticos, para públicos específicos. O que importa é manter a intimidade com as letras e o prazer de ler "acompanhado".

 

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