Crônica

Crônica Cidade Nossa: Hoje, me mandaram um coração branco

Os emojis são apenas um dos perigos na linguagem das redes. Como já sabiam os peixes, elas, as redes, são ardilosas, cheias de iscas mal-intencionadas

Por Sergio Leo/Especial para o Correio

Recebi hoje um coraçãozinho branco. Um emoji, "letra-imagem" em japonês. Era do Japão, afinal, o sujeito que criou esses hieroglifos modernos, para uma companhia telefônica, há quase 35 anos. Quem já mandou uma imagem de "joinha" pelo zap ou alguma rede social sabe da sintética utilidade dessas figurinhas que bailam nos diálogos pela internet. 

Pois, já espalhei e recebi coraçõezinhos vermelhos, num despretensioso carinho cibernético por amigos, parentes e amores. E esse coração branco me fez lembrar que tinha visto outros de cores diferentes. Fui pesquisar, e descobri um arco-íris cardíaco pulsando com uma variedade de significados de tirar o fôlego.

O coraçãozinho roxo, por exemplo, quem diria, pode ser usado para expressar cuidado, e, também, amor platônico. O verde tem conotações ambientalistas, e de renovação. O laranja, vibrante, serve para mostrar que a pessoa está animadona com o romance, ou com a amizade. Já o amarelo é para afastar fantasias românticas: "somos apenas bons amigos", lateja o emoji amarelado.

Não deveria surpreender. Como diz a frase que li, dia desses, atribuída ao Veríssimo: quem sabe o que se esconde nos corações humanos? Nos demais emojis, então, os significados são mais surpreendentes do que supõe a vã semiologia. Experimente mandar uma figurinha de berinjela a alguma pessoa descolada do escritório, e verá o que estou falando.

E os emojis são apenas um dos perigos na linguagem das redes. Como já sabiam os peixes, elas, as redes, são ardilosas, cheias de iscas mal-intencionadas; armadilhas particularmente perigosas.

Todos os dias, milhares de pessoas maduras são capturadas pelos trotes e cascatas da internet, de teorias conspiratórias sobre o roubo do nióbio brasileiro a pedidos de ajuda para pessoas supostamente perdidas — como uma menina romena desaparecida há anos, impulsionada no Brasil por gente de boa vontade e nenhuma disposição para checar os memes que lhe caem na tela do computador.

Melhor ficar nos coraçõezinhos, que trazem afeto a esse ambiente tão povoado por discursos de ódio. Mesmo nesse terreno, porém, é preciso estar atento. O coração preto, por exemplo, expressa luto ou humor negro. As redes ainda não cancelaram esse coraçãozinho como parte de sua justa batalha para retirar da cor preta o significado negativo tão associado a ela pela tradição. E, assim, você pode receber um coração escuro, e, vendo apenas o emoji, não terá certeza se estão lhe dando pêsames, ou ironizando a morte de alguém.

O coraçãozinho que recebi, felizmente, era branco. Enviado por uma moça que, de início, me mandou um coração vermelhinho, como os verdadeiros, em resposta a um elogio. E, na continuação do diálogo, transplantou esse branco, que, descobri, quer dizer carinho sem segundas intenções, mas também pode significar que a pessoa que enviou não só não te ama como não sente nem sequer proximidade.

E era uma moça tão bonita. Tão bacana. Me fez lembrar do que li no Facebook, dia desses: o coração tem razões que a própria razão desconhece. Bela frase da Clarice Lispector, informava o post, comovido.

 


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Arquivo pessoal - Sergio Leo, jornalista
Arquivo pessoal - Recebi hoje um coraçãozinho branco. Um emoji, "letra-imagem" em japonês. Era do Japão, afinal, o sujeito que criou esses hieroglifos modernos, para uma companhia telefônica, há quase 35 anos. Quem já mandou uma imagem de "joinha" pelo zap ou alguma rede social sabe da sintética utilidade dessas figurinhas que bailam nos diálogos pela internet. Pois, já espalhei e recebi coraçõezinhos vermelhos, num despretensioso carinho cibernético por amigos, parentes e amores. E esse coração branco me fez lembrar que tinha visto outros de cores diferentes. Fui pesquisar, e descobri um arco-íris cardíaco pulsando com uma variedade de significados de tirar o fôlego. O coraçãozinho roxo, por exemplo, quem diria, pode ser usado para expressar cuidado, e, também, amor platônico. O verde tem conotações ambientalistas, e de renovação. O laranja, vibrante, serve para mostrar que a pessoa está animadona com o romance, ou com a amizade. Já o amarelo é para afastar fantasias românticas: "somos apenas bons amigos", lateja o emoji amarelado. Não deveria surpreender. Como diz a frase que li, dia desses, atribuída ao Veríssimo: quem sabe o que se esconde nos corações humanos? Nos demais emojis, então, os significados são mais surpreendentes do que supõe a vã semiologia. Experimente mandar uma figurinha de berinjela a alguma pessoa descolada do escritório, e verá o que estou falando. E os emojis são apenas um dos obstáculos de linguagem nas redes. Como já sabiam os peixes, elas são ardilosas, cheias de iscas mal-intencionadas; armadilhas particularmente perigosas. Todos os dias, milhares de pessoas maduras são capturadas pelos trotes e cascatas da internet, de teorias conspiratórias sobre o roubo do nióbio brasileiro a pedidos de ajuda para pessoas supostamente perdidas — como sobre uma menina romena, impulsionada no Brasil por gente de boa vontade e nenhuma disposição para checar as informações que lhe caem na tela do computador. Melhor ficar nos coraçõezinhos, que trazem afeto a esse ambiente tão povoado por discursos de ódio. Mesmo nesse terreno, porém, é preciso estar atento. O coração preto, por exemplo, expressa luto ou humor negro. As redes ainda não cancelaram esse coraçãozinho como parte de sua justa batalha para retirar da cor preta o significado negativo tão associado a ela pela tradição. E, assim, você pode receber um coração escuro, e, vendo apenas o emoji, não terá certeza se estão lhe dando pêsames, ou ironizando a morte de alguém. O coraçãozinho que recebi, felizmente, era branco. Enviado por uma moça que, de início, me mandou um coração vermelhinho, como os verdadeiros, em resposta a um elogio. E, na continuação do diálogo, transplantou esse branco, que, descobri, quer dizer carinho sem segundas intenções, mas também pode significar que a pessoa que enviou não só não te ama como não sente nem sequer proximidade. E era uma moça tão bonita. Tão bacana. Lembrei do que li no Facebook, dia desses: o coração tem razões que a própria razão desconhece. Bela frase da Clarice Lispector, informava o post, comovido. Sergio Leo é jornalista (sergioleo.valor@gmail.com) Recebi hoje um coraçãozinho branco. Um emoji, "letra-imagem" em japonês. Era do Japão, afinal, o sujeito que criou esses hieroglifos modernos, para uma companhia telefônica, há quase 35 anos. Quem já mandou uma imagem de "joinha" pelo zap ou alguma rede social sabe da sintética utilidade dessas figurinhas que bailam nos diálogos pela internet. Pois, já espalhei e recebi coraçõezinhos vermelhos, num despretensioso carinho cibernético por amigos, parentes e amores. E esse coração branco me fez lembrar que tinha visto outros de cores diferentes. Fui pesquisar, e descobri um arco-íris cardíaco pulsando com uma variedade de significados de tirar o fôlego. O coraçãozinho roxo, por exemplo, quem diria, pode ser usado para expressar cuidado, e, também, amor platônico. O verde tem conotações ambientalistas, e de renovação. O laranja, vibrante, serve para mostrar que a pessoa está animadona com o romance, ou com a amizade. Já o amarelo é para afastar fantasias românticas: "somos apenas bons amigos", lateja o emoji amarelado. Não deveria surpreender. Como diz a frase que li, dia desses, atribuída ao Veríssimo: quem sabe o que se esconde nos corações humanos? Nos demais emojis, então, os significados são mais surpreendentes do que supõe a vã semiologia. Experimente mandar uma figurinha de berinjela a alguma pessoa descolada do escritório, e verá o que estou falando. E os emojis são apenas um dos obstáculos de linguagem nas redes. Como já sabiam os peixes, elas são ardilosas, cheias de iscas mal-intencionadas; armadilhas particularmente perigosas. Todos os dias, milhares de pessoas maduras são capturadas pelos trotes e cascatas da internet, de teorias conspiratórias sobre o roubo do nióbio brasileiro a pedidos de ajuda para pessoas supostamente perdidas — como sobre uma menina romena, impulsionada no Brasil por gente de boa vontade e nenhuma disposição para checar as informações que lhe caem na tela do computador. Melhor ficar nos coraçõezinhos, que trazem afeto a esse ambiente tão povoado por discursos de ódio. Mesmo nesse terreno, porém, é preciso estar atento. O coração preto, por exemplo, expressa luto ou humor negro. As redes ainda não cancelaram esse coraçãozinho como parte de sua justa batalha para retirar da cor preta o significado negativo tão associado a ela pela tradição. E, assim, você pode receber um coração escuro, e, vendo apenas o emoji, não terá certeza se estão lhe dando pêsames, ou ironizando a morte de alguém. O coraçãozinho que recebi, felizmente, era branco. Enviado por uma moça que, de início, me mandou um coração vermelhinho, como os verdadeiros, em resposta a um elogio. E, na continuação do diálogo, transplantou esse branco, que, descobri, quer dizer carinho sem segundas intenções, mas também pode significar que a pessoa que enviou não só não te ama como não sente nem sequer proximidade. E era uma moça tão bonita. Tão bacana. Lembrei do que li no Facebook, dia desses: o coração tem razões que a própria razão desconhece. Bela frase da Clarice Lispector, informava o post, comovido. Sergio Leo é jornalista (sergioleo.valor@gmail.com) Sergio Leo, jornalista