Enquanto as doenças do coração mantêm a liderança como as principais causas de morte no mundo, observa-se um aumento substancial na prevalência das doenças do cérebro, especialmente as demências como a doença de Alzheimer. É interessante notar que os quadros demenciais e as doenças do coração dividem os mesmos fatores de risco, como hipertensão arterial, diabetes, obesidade e tabagismo. Está se tornando claro que a redução dos fatores de risco vascular pode fazer a diferença na redução de doenças do cérebro, e não estamos mais falando só de acidente vascular cerebral (AVC).
A mortalidade global associada à doença de Alzheimer e outras demências têm crescido num ritmo maior que o das doenças do coração. Entre 2010 e 2020 houve um aumento de 44% na mortalidade associada a quadros demenciais e de 21% por doenças do coração. Quando se pensa em 30 anos (1990-2020), o incremento de mortes por quadros demenciais foi de 144%.
Voltando aos fatores de risco vascular, o que não faz bem ao coração também não faz bem ao cérebro. Hipertensão arterial aumenta em cinco vezes os riscos de uma pessoa apresentar declínio cognitivo e quadros demenciais. No caso da obesidade, esse aumento é de três vezes. Tabagismo aumenta o risco de demência em 30% e 40%.
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Há também uma forte relação entre a função do coração e o desempenho cognitivo. Menor desempenho cognitivo é encontrado com 40% mais chances em portadores de doença coronariana. Essa relação também existe na mesma intensidade em quem tem fibrilação atrial, uma arritmia cardíaca comum. Insuficiência cardíaca eleva em duas vezes o risco de um quadro demencial e cerca de metade das pessoas acometidas por essa disfunção cardíaca apresenta algum grau de deficiência cognitiva.
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A influência dessas três entidades cardiovasculares sobre a cognição pode se dar pelo aumento de êmbolos no coração que se deslocam para o cérebro, provocando obstrução de vasos e lesões cerebrais. Aqui incluímos lesões causadas por êmbolos grandes que irão provocar alterações súbitas da função cerebral, o AVC, assim como por microêmbolos, que na sua maioria são silenciosos e frequentemente ultraestruturais, não visíveis por métodos de neuroimagem usados na prática clínica. Mas não é só através de êmbolos que o cérebro é afetado por essas doenças cardíacas. Devemos incluir aqui redução do fluxo sanguíneo cerebral, processo inflamatório sistêmico e ativação neuro-hormonal.
A intimidade da relação entre o coração e o cérebro é bidirecional, o cérebro doente também tem impacto sobre o funcionamento do coração. Nos primeiros dias após um acidente vascular cerebral isquêmico, por exemplo, cerca de 10% a 20% dos pacientes apresentam alterações no coração, e aqui devemos incluir as três entidades discutidas anteriormente: doença coronariana, insuficiência cardíaca e arritmia cardíaca. O cérebro que sofre desencadeia um processo inflamatório sistêmico, além de uma disfunção do sistema nervoso autônomo que podem afetar diretamente o coração. A esse fenômeno dá-se hoje o nome de síndrome AVC-Coração.
*Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília
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