Especial

Saúde mental: mães enfrentam desafios como depressão e exaustão materna

Muito se fala do "coração de mãe", em referência ao amor incondicional pelos filhos, mas em meio a uma pandemia de transtornos mentais, é necessário olhar para a saúde emocional dessas mulheres

2024-10-21 - Revista do Correio - Saúde mental materna - maternidade  -  (crédito: Camila Cordeiro/Unsplash)
2024-10-21 - Revista do Correio - Saúde mental materna - maternidade - (crédito: Camila Cordeiro/Unsplash)

Quando uma pessoa engravida, o corpo muda. A primeira e mais óbvia mudança é, claro, a barriga, que cresce conforme o útero se expande para acomodar o bebê que está se desenvolvendo ali. Os seios ficam mais fartos enquanto se preparam para produzir o leite que irá alimentar o filho. Outras mudanças não tão óbvias também podem acontecer: os dedos, os pés e as mãos ficam inchados, o nariz também pode aumentar de tamanho. 

Mas algumas das mudanças mais significativas, que chegam como um furacão na vida das futuras mães, acontecem sem que ninguém veja, embora elas sejam perceptíveis para quem toma o cuidado de observar. Essas transformações acontecem no cérebro e no sistema hormonal da gestante.

Todo esse processo começa no início da gravidez e pode se entender, de acordo com alguns estudos, até dois anos depois do parto. E por mais que estejam sendo conduzidos, atualmente, novos estudos na área, ainda existem poucas informações e dados que ajudem a embasar e a compreender os transtornos mentais que podem atingir as gestantes e mães, consequências de toda a transformação que o cérebro e toda a fisiologia da mulher passa.

Eles são um importante embasamento científico para que comecemos a cuidar melhor da saúde mental das mães e servem para, de certa forma, confirmar o que muitas delas sentem e não têm coragem de externar, afinal, vão ouvir de muitos que "isso é normal" ou que "deveriam estar felizes com os filhos". 

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 1 bilhão de pessoas no mundo vivem com algum tipo de transtorno mental. O Brasil lidera o ranking mundial de país mais ansioso e é o quinto mais depressivo. Diversos estudos demonstram que as mulheres são maioria nos casos severos e extremamente severos de ansiedade, depressão e estresse. 

No Brasil, as mães representam 69% da população feminina, de acordo com pesquisa do Datafolha de maio de 2023, o que demonstra a importância de um olhar mais atento para a saúde mental dessas mulheres. O adoecimento psicoemocional delas impacta diretamente não só a própria saúde, mas também no cuidado e na qualidade de vida de toda a família, afetando a sociedade como um todo. 

O blues e a depressão 

Um dos quadros mais frequentes e que requer mais atenção após o nascimento de um bebê é a depressão pós-parto, que, segundo dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgados em 2016, atinge 25% das mães brasileiras no período de seis a 18 meses após o parto. 

teste revista
teste revista (foto: kleber sales)

Mas o que é e o que determina o transtorno? Alberto Zaconeta, PhD em ciências da saúde, professor da Universidade de Brasília e coordenador de obstetrícia da Maternidade do Hospital Santa Lúcia, ao responder o questionamento, ressalta a importância de diferenciar o baby blues e a depressão pós-parto

Muito frequente, acometendo uma a cada duas ou três puérperas, o baby blues caracteriza-se pela labilidade emocional, marcada pela instabilidade e pelo choro emotivo. Alberto o define como um quadro benigno e transitório, que costuma ocorrer nas primeiras semanas após o nascimento e que, quando se estende muito além disso, é um sinal de alerta.

A depressão pós-parto costuma se iniciar algumas semanas após o parto e muitas vezes se assemelha com um baby blues prolongado, com tristeza e apatia persistentes. Também costuma vir acompanhada de falta de interesse ou prazer nas atividades, irritabilidade, desânimo, culpa e, em alguns casos mais graves, pensamentos de morte ou suicídio.

Além dos sintomas de cansaço físico, dificuldade de concentração, sonolência, sentimentos de incapacidade e frustração são alguns elementos que podem sugerir algo além do baby blues. "Os transtornos do humor no pós-parto são subdiagnosticados porque ainda prevalece o mito de que essa é sempre uma fase feliz. Também é comum achar que todos os sintomas podem ser explicados apenas pelo cansaço com o cuidado da criança", comenta o médico.

Além de todos os prejuízos para a mulher, a depressão pós-parto afeta significativamente o vínculo da mãe com o bebê no que diz respeito ao aspecto afetivo. Esses bebês podem apresentar, no futuro, efeitos no desenvolvimento social, afetivo e cognitivo.

"A mulher depressiva, normalmente, amamenta pouco e não cumpre o calendário vacinal dos bebês. As crianças, por sua vez, têm maior risco de apresentar baixo peso e transtornos psicomotores", acrescentou Mariza Theme, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), responsável pelo estudo da instituição sobre depressão pós-parto. 

Cuidar-se para cuidar 

Mãe de primeira viagem, a psicóloga Amanda Célia Rebelo, 40 anos, acredita que mulheres que desejam e sonham com a maternidade têm a tendência de esperar que tudo seja perfeito e que elas sintam apenas coisas boas com a chegada dos filhos. 

Amanda Célia com as gêmeas Letícia Célia e Marina Célia
Amanda Célia com as gêmeas Letícia Célia e Marina Célia (foto: Arquivo pessoal )

Mesmo engravidando aos 37 anos, sem planejar e com a surpresa de que teria gêmeas, as pequenas Letícia Célia e Marina Célia Macedo Rebelo de Melo, atualmente com 3 anos, ela não achou que passaria por tantos desafios emocionais. 

Um pouco antes do parto, Amanda perdeu a mãe, que sempre foi um ponto de apoio para ela e com quem ela esperava contar para navegar a própria maternidade. "Mesmo que você tenha uma rede de apoio, tudo pode mudar de repente e você vai precisar reconstruir esse suporte." 

Mesmo casada e com um parceiro presente, Amanda se sentiu muito só durante o puerpério, principalmente quando amamentava durante a madrugada. "É normal, é comum, mas a gente fica muito vulnerável. Por saber que isso poderia evoluir para algo mais sério, fiquei muito atenta e me cuidei muito nessa área mental", conta.

Com problemas de memória e entendendo que o cérebro muda fisiologicamente, Amanda sentiu dificuldade ao conciliar os papéis que ocupava anteriormente, de amiga, filha, irmã e esposa, ao de mãe e cuidadora principal de duas bebês. 

Os desafios por que passou, embora não tenha chegado a ter um diagnóstico de burnout materno ou depressão pós-parto, acenderam um alerta em Amanda. "Quantas mulheres não passam por isso sozinhas e com muito mais dificuldades em cuidar da saúde mental?", questionou.

Assim, ela iniciou um processo de mudança de área em sua carreira, motivada tanto pelo desejo de passar mais tempo em casa com as filhas quanto pelo de ajudar as mulheres a navegar com mais suavidade pela maternidade. Ela se especializou no atendimento a mães, e em seu perfil no Instagram (@amandacrebelo.psi), compartilha dicas e palestras, além de dividir o próprio maternar.

Os hormônios e a solidão

A causa dos transtornos mentais é multifatorial, como explica Alberto Zaconeta, PhD em ciências da saúde. Ele aponta, porém, o aspecto hormonal como um grande e importante catalisador. "A queda abrupta dos hormônios placentários, principalmente estrogênio, é um gatilho para a ocorrência desses transtornos em mulheres suscetíveis."

Segundo dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) a depressão pós-parto atinge 25% das mães brasileiras no período de 6 a 18 meses após o parto
Segundo dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) a depressão pós-parto atinge 25% das mães brasileiras no período de 6 a 18 meses após o parto (foto: Unsplash/Divulgação)

Outro ponto muito salientado pelos profissionais de saúde é a solidão e a falta de rede de apoio. Duas questões que tiveram impacto substancial na maternidade da arquiteta e servidora pública Cecília *(nome fictício). 

Anos atrás, ela lutou contra a depressão e o transtorno de ansiedade. Quando, em 2020, após pegar covid, começou a sentir dores sem explicação, as jogou na conta da saúde mental. Em seguida, descobriu a fibromialgia. E foi assim que ela iniciou sua gravidez de gêmeas, aos 47 anos.

"Parei de tomar os remédios da fibromialgia assim que descobri, então foi uma gravidez muito dolorosa, que exigiu muito do meu corpo. Tudo já começou desafiador na parte física e depois o meu (então) marido mudou completamente comigo, de uma forma muito negativa", revela.  

Ainda que a gestação fosse um sonho muito esperado pelo casal, que conseguiu o sucesso por meio da fertilização in vitro, Cecília acredita que a expectativa pela chegada das filhas despertou gatilhos no parceiro. "Ele deixou de cuidar de mim e começou a me tratar muito mal. Eu não conseguia fazer minha própria comida e ele não se importava, não fazia ou comprava nada para mim, eu emagreci seis quilos durante a gestação", conta. 

Cecília acredita que passou a viver um relacionamento abusivo, com violência psicológica, que beirava a física, afinal ela estava debilitada e sem nenhum tipo de suporte. Quando explicou que precisava de cuidados de saúde, o marido sugeriu que ela fosse para a casa da mãe. 

Ainda durante a gravidez, o obstetra indicou que ela procurasse um psiquiatra, que constatou a depressão perinatal — quando o transtorno se inicia ainda durante a gestação e persiste até o pós-parto. O especialista em saúde mental sugeriu que ela iniciasse um tratamento
farmacológico. "Já era uma gestação complicada e eu achei melhor esperar até que elas nascessem para começar a medicação", conta. 

Ao entender o que estava acontecendo, Cecília decidiu que não manteria o casamento. Porém, pensando nas filhas e no desejo de que elas criassem vínculo com o pai, adiou a separação. Já tratando a depressão, ainda casada e com duas bebês, Cecília começou a ter crises de pânico. "Ali eu vi que tinha chegado ao meu limite, elas já tinham um vínculo com o pai e o custo que aquilo estava tendo para a minha saúde era alto demais. Elas também precisavam, e precisam, de uma mãe saudável e feliz.".

Um novo começo

Quando as meninas tinham dez meses, ela se separou e conta que não se arrepende da escolha que fez pelas filhas. "Apesar de tudo, ele virou um pai super apaixonado e presente para elas. Eu me esforcei tanto para engravidar e elas mereciam o melhor possível, incluindo um pai. Mas quando cheguei ao meu limite, encerrei aquela relação entre eu e ele. Até porque sinto que minhas filhas precisam ter um exemplo de mulher que não permite que alguém a trate dessa forma."

Essa ruptura aconteceu há cerca de dois meses, a mãe de Cecília passou a morar com ela e as bebês, dando o suporte para que ela se recupere e possa cuidar das filhas. A depressão fez com que o leite de Cecília secasse muito cedo e, assim que parou de amamentar, iniciou o tratamento farmacológico. 

O psiquiatra responsável pelo atendimento da arquiteta considera até mesmo um quadro de estresse pós-traumático, resultado tanto da gestação de risco e do período que as filhas passaram na UTI Neonatal quanto do abuso psicológico e emocional sofrido. 

"Mas o que fazer? Você é um adulto funcional, tem bebês que dependem de você. Posso estar em um momento super difícil, mas eu não posso ficar trancada no quarto chorando. Eu jogo a sujeira para debaixo do tapete e um dia limpo", argumenta. 

Depressão
Diagnósticos de depressão também aumentaram na crise sanitária (foto: Kieferpix/University College London/Divulgação)

Esse cenário é uma realidade de muitas mães, que, sem um suporte, chegam e ultrapassam o próprio limite, pois são as únicas com quem os filhos podem contar. Cecília ressalta que mesmo sendo bem informada, tendo feito um trabalho preventivo de saúde mental e contando com uma rede de apoio, nada disso a blindou de passar pela depressão pós-parto. 

"Tenho rede de apoio, meus pais são muito presentes, minhas amigas também. Eu tinha com quem conversar, desabafar, sempre fui consciente com a saúde mental. Estou em uma posição de muito privilégio e, ainda assim, passei por tudo isso", lamenta. 

Esse ponto de vista é também o que faz com que Cecília tenha ainda mais empatia com mães que têm condições mais complicadas e afirma que toda mãe faz o que melhor que pode, e que é importante refletir sobre isso e julgar menos as mulheres. 

Esgotamento mental

Também conhecido como mommy burnout ou burnout materno, a definição do burnout parental surgiu após serem observadas semelhanças entre o esgotamento mental fruto das atividades de trabalho formais e remuneradas com o que surgia a partir da sobrecarga de trabalho doméstico e cuidado com os filhos. 

Ele é um tipo específico de esgotamento emocional que afeta as figuras maternas e paternas, devido ao estresse prolongado e à sobrecarga associada às responsabilidades parentais cotidianas. Um dos sintomas é a sensação de ineficiência perante as relações com os filhos, principalmente relacionada ao cuidado e à proteção.

 Número de mães com depressão pós-parto aumentou na pandemia, diz estudo
Número de mães com depressão pós-parto aumentou na pandemia, diz estudo (foto: Freepick/Dragana_Gordic)

O foco nas mães se dá pelo fato de que 65% do trabalho de cuidado não remunerado fica com as mulheres, de acordo com a Fundação Getulio Vargas (FGV), e elas são maioria absoluta no cuidado primário com os filhos. 

Entrevistando cerca de 2 mil mães, a B2 Mamy, plataforma que reúne e conecta mães e profissionais de diversas áreas da saúde, e a Kiddle Pass, aplicativo de atividades para crianças, conduziram o primeiro estudo brasileiro sobre o burnout parental. 

Os resultados foram alarmantes, como muitos profissionais de saúde e mães já imaginavam que poderiam ser. Aproximadamente 90% das mães que trabalham fora sofrem esgotamento mental. Das entrevistadas, 54% estão diagnosticadas, 17% apontam suspeita de doenças emocionais, e o restante apresenta grandes riscos de desenvolver problemas relacionados no futuro.

Burnout parental

No ebook Burnout Parental Report 2024, Vanessa Galvani, mestre em Educação, neuroeducadora emocional e autora de livros parentais e infantis, comenta que o esgotamento emocional nas figuras parentais abrange três dimensões:

  1.  Aumenta sentimento de culpa, fracasso e arrependimento - muito observados na frase “Eu amo meus filhos, mas odeio ser mãe/pai”;
  2. Piora a qualidade da relação entre pais e filhos - sentem-se exauridos e com isso, não existe espaço para uma conexão profunda, afinal estão sempre no modo de sobrevivência;
  3. Aumenta o risco de comportamento violento e negligente - pais e mães cansados, estressados ficam mais predispostos a negligenciar as necessidades das crianças e a responder de forma violenta. 

Vanessa afirma ainda que estudos mostram uma relação entre o esgotamento emocional e sete possíveis consequências: escapismo, pensamentos suicidas, vícios, distúrbios do sono, conflitos conjugais, distanciamento do parceiro/a e negligência e violência contra os filhos. 

Vanessa Galvani, mestre em Educação, neuroeducadora emocional e autora de livros parentais e infantis
Vanessa Galvani, mestre em Educação, neuroeducadora emocional e autora de livros parentais e infantis (foto: Arquivo pessoal)


Mães diversas 

Lygia Imbelloni, head de saúde do aplicativo B2 Mamy, ressalta a importância de considerar os diversos recortes que perpassam as 69 milhões de mulheres que são mães no Brasil, segundo dados do IBGE, que demonstram ainda que 31% delas criam os filhos sozinhas. 

Para ela, a ausência paterna é um ponto crucial quando se trata da saúde mental materna. A falta do pai, tanto na criação e cuidados com os filhos quanto financeiramente, aumenta a carga da mulher em mais de 20%. "Sem a presença e o auxílio dos homens nesse cenário, sem conversar com eles e fazê-los entender e assumir seus papeis, é difícil pensar em uma solução para essas mulheres", afirma. 

Lygia Imbelloni, head de saúde da B2 Mamy ressalta a importância de considerar os diversos recortes que perpassam as 69 milhões de mulheres que são mães no Brasil
Lygia Imbelloni, head de saúde da B2 Mamy ressalta a importância de considerar os diversos recortes que perpassam as 69 milhões de mulheres que são mães no Brasil (foto: Arquivo pessoal)

Lygia comenta que as mães de crianças atípicas ou neurodivergentes apresentam 74% mais esgotamento moderado a grave do que as outras, principalmente durante o longo processo que leva ao diagnóstico dos filhos. E a grande maioria das mães atípicas se torna também mãe solo. Segundo o Instituto Mano Down, 73% dos homens abandonam o filho com deficiência intelectual até os 5 anos. 

As mães negras também são mais afetadas, com um índice de esgotamento moderado a grave 21% maior do que as mães brancas. Dados do IBGE mostram ainda que elas são maioria entre as mães solo, cerca de 90%. 

O estudo conduzido pela Fiocruz sobre a depressão pós-parto também mostrou indicadores de recortes socioeconômicos na prevalência do transtorno. A maioria das mães que apresentou os sintomas eram de cor parda, baixa condição socioeconômica, com antecedentes de transtorno mental, com hábitos não saudáveis, como o uso excessivo de álcool, paridade alta e que não planejaram a gravidez. 

Maternidade atípica 

A servidora pública Marta (nome fictício) é uma mãe solo e atípica, seu filho, atualmente tem 8 anos e um diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Muito ativa, a criança tem dificuldade para entender e realizar comandos, além de ficar frustrada e muito reativa quando isso acontece, o que Marta sente que aumenta, e muito, a carga mental do cuidado do dia a dia. 

A gravidez não foi planejada e o então namorado de Marta foi rápido ao externar que não queria ser pai, o que foi, para ela, motivo para encerrar o relacionamento. "Ele rejeitou a criança em um primeiro momento e, mesmo que tenha voltado atrás e se envolvido no pré-natal e tenha contato com o filho hoje, foi o suficiente para que eu tivesse uma gestação marcada pela tristeza", conta. 

O turbilhão de sentimentos e a exaustão que a atingiram no pós-parto foram colocados na conta da privação do sono e da tristeza por se ver, de forma inesperada, como uma mãe solo. "Todos justificavam também pela novidade de ser mãe e todos os hormônios", lembra. 

Na consulta que toda mãe deve passar cerca de 40 dias após o parto, a obstetra de Marta sugeriu que ela iniciasse um tratamento com antidepressivos, mas ela não quis. "Somos educada para, no papel de mãe, não olharmos para nós mesmas. Rejeitei o remédio porque não queria que interferisse na amamentação, e achava que era só o cansaço normal", considera. 

ilustra mae filho
Depressão pós-parto e bornout materno são os principais transtornos que as mães podem enfrentar (foto: pacifico)

Mesmo conversando com muitas amigas que tiveram filhos na mesma época e percebendo que seu estado mental estava pior que o de todas elas, Marta encontrava justificativas. "Elas tinham parceiros presentes, alguém para fazer uma divisão justa das tarefas e dividir toda aquela vivência de ter um bebê."

Com o apoio dos pais e da irmã, Marta amamentou até os 2 anos e 7 meses e, mesmo com as coisas se acalmando e encontrando o ritmo da rotina com o filho, a tristeza e a sensação de que algo estava errado permanecia. 

Quando seu filho completou 3 anos, ela começou a cuidar da saúde mental. Iniciou a terapia e o tratamento medicamentoso. Marta percebeu que tudo se tornou mais leve quando começou a olhar com mais cuidado para si mesma e lamenta não ter feito isso antes. "Vejo que meu afeto e cuidado com meu filho foram atrapalhados pela tristeza, preocupação e ansiedade que eu sentia. Fico triste de olhar para trás e perceber que poderia ter sido melhor para ele e para mim."

Hoje, ela divide os cuidados do filho com o pai, que acaba deixando a maior parte do trabalho para a própria mãe. "Mais uma vez é a mulher sobrecarregada e se culpando, porque ela sente que errou na criação dele. É uma história que se repete com muita frequência e precisamos mudar isso", completa. 

Atenção e prevenção

Dar a devida atenção aos sintomas da depressão pós-parto vai muito além da saúde da maternidade e do vínculo entre mãe e bebê. Um imenso tabu, o suicídio no pós-parto é ainda mais invisibilizado, afinal, que mãe deixaria os filhos voluntariamente, certo?

Errado, e a romantização da maternidade é um dos maiores motivos pelos quais muitas mulheres sequer têm coragem de externar as tendências depressivas, que, se não tratadas, podem levar a consequências extremas. 

Embora não existam dados sobre a ideação suicida no período gestacional e puerperal no Brasil, a pesquisa Sob a sombra da maternidade: gravidez, ideação suicida e violência por parceiro íntimo, publicada em 2015, no Jornal Panamericano de Saúde Pública, apontou que das 358 gestante entrevistadas, 7,8% apresentaram ideação suicida. 

Outro dado apresentado na mesma publicação mostrou que, entre gestantes com sintomas psiquiátricos não psicóticos, 61% têm alta ansiedade e ideação suicida. “Precisamos ter atenção porque as mulheres não irão verbalizar espontaneamente o seu sofrimento, pois esse estado lhes impõe sentimentos de vergonha, culpa e incapacidade para desempenhar a função materna. O diagnóstico oportuno é essencial para poder oferecer o tratamento, que inclui modificações na rotina familiar, psicoterapia ou farmacoterapia. É importante ressaltar que há medicamentos que podem ser usados com segurança por mulheres lactentes”, completa Alberto. 

  • Por dentro do mommy brain

Um estudo inédito, publicado em setembro na revista científica Nature Neuroscience, mostrou um pouco dos mistérios que ainda envolvem o cérebro feminino, sobretudo durante a gestação. Neurocientistas fizeram imagens do cérebro de uma mulher 26 vezes, antes, durante e depois da gestação, e dividiram o que encontraram na publicação. 

Emily Jacobs, neurocientista da Universidade da Califórnia e autora do estudo, contou que após uma pesquisa intensa sobre as mudanças que ocorrem no cérebro ao longo do ciclo menstrual, uma das cientistas envolvidas teve a ideia de ser, ela mesma, o objeto de estudo durante a sua gravidez. 

Imagens do cérebro da mulher durante a gestação mostram aumento da substância branca
Imagens do cérebro da mulher durante a gestação mostram aumento da substância branca (foto: Nature Neuroscience/Divulgação)

Estudos feitos observando o cérebro antes e depois da gravidez, mostram que a gestação encolhe partes do cérebro, especificamente na massa cinzenta. E embora o termo mommy brain, ou cérebro de mãe, seja constantemente usado para descrever a sensação de esquecimento e confusão mental que ocorre nesse período, as neurocienstistas explicam que esse processo é adaptativo e pode deixar o cérebro mais eficiente.

Pritschet, uma das neurocientistas do projeto, explica que por mais que as mães esqueçam coisas simples, como onde deixaram as chaves, elas estão muito mais atentas ao que está acontecendo com os filhos. 

No estudo, elas perceberam que a matéria cinzenta diminui a partir das primeiras semanas da gestação e tem uma redução de cerca de 4% ao longo da gravidez. No período do parto, a diminuição passa por uma breve estabilização e depois continua diminuindo pelo menos dois anos após o parto. O fenômeno não se concentra em apenas uma região, mas atinge 80% das regiões cerebrais, e algumas áreas mudam mais rapidamente que as outras. 

Embora a diminuição de massa cinzenta já fosse um fenômeno observado e estudado, as neurocientistas se surpreenderam ao perceber que a matéria ou substância branca — parte mais clara do cérebro composta por axônios, longos cabos que conduzem os sinais elétricos entre os neurônios, e células gliais, que servem como apoio, sustentação, isolamento elétrico e nutrição dos neurônios e gânglios — cresceu e se tornou mais forte, tendo um pico no segundo trimestre e voltando quase ao normal no momento do nascimento. 

As mudanças são motivadas pelos hormônios da gravidez, mais especificamente o aumento da concentração de estradiol e progesterona, e se assemelham às observadas em cérebros adolescentes durante a puberdade. 

O estudo ainda não consegue determinar o que esse aumento traz ao cérebro da gestante, mas quando essas mudanças acontecem nos cérebros adolescentes, estão relacionadas a uma melhora nas habilidades cognitivas. 

A pesquisa trouxe revelações importantes para que os cientistas em todo o mundo compreendam melhor as mudanças que acontecem durante e após uma gravidez, e motivou a continuação. Diversas voluntárias surgiram e se preparam para participar. 

A comunidade científica, sobretudo a feminina, ressalta a importância desse tipo de iniciativa para que transtornos mentais relacionados à gestação sejam melhor compreendidos e tratados. 

 

 

 

 

 

  • Amanda Célia com as gêmeas Letícia Célia e Marina Célia
    Amanda Célia com as gêmeas Letícia Célia e Marina Célia Foto: Arquivo pessoal
  • Revista dentro - 2710
    Revista dentro - 2710 Foto: Kleber Sales
  • teste revista
    teste revista Foto: kleber sales
  •  Número de mães com depressão pós-parto aumentou na pandemia, diz estudo
    Número de mães com depressão pós-parto aumentou na pandemia, diz estudo Foto: Freepick/Dragana_Gordic
  • Mães de crianças atípicas ou neurodivergentes apresentam 74% mais esgotamento moderado a grave do que as outras
    Mães de crianças atípicas ou neurodivergentes apresentam 74% mais esgotamento moderado a grave do que as outras Foto: Kieferpix/University College London/Divulgação
  • Imagens do cérebro da mulher durante a gestação mostram aumento da substância branca
    Imagens do cérebro da mulher durante a gestação mostram aumento da substância branca Foto: Nature Neuroscience/Divulgação
  • Segundo dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) a depressão pós-parto atinge 25% das mães brasileiras no período de 6 a 18 meses após o parto
    Segundo dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) a depressão pós-parto atinge 25% das mães brasileiras no período de 6 a 18 meses após o parto Foto: Unsplash/Divulgação
  • Cerca de 65% do trabalho de cuidado não remunerado fica com as mulheres, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV)
    Cerca de 65% do trabalho de cuidado não remunerado fica com as mulheres, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) Foto: Unsplash/Divulgação
  • Mães de crianças atípicas ou neurodivergentes apresentam 74% mais esgotamento moderado a grave do que as outras
    Mães de crianças atípicas ou neurodivergentes apresentam 74% mais esgotamento moderado a grave do que as outras Foto: Unsplash/Divulgação
  • Lygia Imbelloni, head de saúde da B2 Mamy ressalta a importância de considerar os diversos recortes que perpassam as 69 milhões de mulheres que são mães no Brasil
    Lygia Imbelloni, head de saúde da B2 Mamy ressalta a importância de considerar os diversos recortes que perpassam as 69 milhões de mulheres que são mães no Brasil Foto: Arquivo pessoal
  • Vanessa Galvani, mestre em Educação, neuroeducadora emocional e autora de livros parentais e infantis
    Vanessa Galvani, mestre em Educação, neuroeducadora emocional e autora de livros parentais e infantis Foto: Arquivo pessoal
  • Depressão pós-parto e bornout materno são os principais transtornos que as mães podem enfrentar
    Depressão pós-parto e bornout materno são os principais transtornos que as mães podem enfrentar Foto: pacifico
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postado em 27/10/2024 06:00
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