As doenças autoimunes ocorrem quando o sistema imunológico, que normalmente protege o corpo contra agentes externos, como vírus e bactérias, começa a atacar as células saudáveis do próprio organismo, confundindo-as com invasores. Entre as doenças autoimunes mais comuns estão o lúpus, a artrite reumatoide e a esclerose múltipla.
Por muito tempo, a medicina acreditava que mulheres com essas condições enfrentavam grandes dificuldades ou, até mesmo, eram incapazes de engravidar e manter uma gestação segura. Essa visão estava associada a vários fatores, como o risco elevado de complicações durante a gestação, a possível piora da doença e os efeitos adversos dos medicamentos imunossupressores sobre o feto.
Recentemente, a cantora, atriz e empresária Selena Gomez, diagnosticada com lúpus em 2013, revelou que não pode engravidar, reacendendo essa preocupação entre mulheres que vivem com condições autoimunes. Contudo, avanços científicos e estudos recentes mostram que muitas mulheres com lúpus e outras doenças autoimunes podem, sim, ter gestações bem-sucedidas, desde que sigam um acompanhamento médico rigoroso.
Com planejamento adequado, controle da doença e suporte médico especializado, é possível reduzir os riscos e garantir uma gravidez segura. Embora cada caso seja único e requeira uma avaliação personalizada, a medicina tem evoluído para oferecer melhores cuidados e mais segurança a essas pacientes.
Entendendo os riscos
Um passo fundamental para mulheres com doenças autoimunes que desejam engravidar é compreender os riscos envolvidos e estar ciente de que o acompanhamento médico precisará ser ainda mais cuidadoso.
“Essas mulheres têm maior probabilidade de desenvolver pré-eclâmpsia, parto prematuro, restrição de crescimento fetal, trombose e anemia. Além disso, há um risco aumentado de abortamentos recorrentes e de agravamento da atividade da doença durante a gestação”, enumera a ginecologista e obstetra Jessica Othon, do Hospital Santa Lúcia.
Algumas doenças autoimunes podem apresentar riscos particularmente elevados. “Isso deve ser discutido com o casal, pois essas condições podem levar a complicações graves durante a gravidez”, complementa Jessica. Entre as situações mais preocupantes estão doenças que afetam gravemente os pulmões, o coração ou os rins.
“Em casos de lúpus e esclerose sistêmica, por exemplo, pode haver o desenvolvimento de hipertensão pulmonar severa, insuficiência renal ou cardiomiopatia autoimune, condições que trazem riscos significativos para a vida da mãe e do bebê”, ressalta a especialista. Cada caso deve ser avaliado individualmente para que as decisões sobre a gestação sejam tomadas com base em uma análise cuidadosa dos riscos.
Antes de engravidar
Considerando os riscos envolvidos nas gestações de mulheres com doenças autoimunes, é essencial adotar cuidados prévios para garantir uma gravidez segura. Segundo a reumatologista Carla Dionello, a gravidez precisa ser planejada para ocorrer no momento mais favorável, que é quando a doença está sob controle.
"Uma das coisas mais importantes que fazemos com mulheres em idade fértil é sempre perguntar sobre o desejo de engravidar. Dessa forma, conseguimos orientar o momento ideal para tentar a gravidez. A doença precisa estar em remissão, sem atividade", enfatiza Carla.
Caso essa orientação não seja seguida e a paciente engravide em um momento em que a doença está descompensada, os riscos aumentam significativamente. “Um dos problemas que vemos é a perda gestacional ou o nascimento antes do tempo, o pré-termo”, alerta a reumatologista.
Além da escolha do melhor momento, a ginecologista Jessica Othon destaca a importância de manter os exames atualizados. “Os exames realizados são específicos para cada condição. Por isso, é essencial fazer uma consulta pré-concepcional para preparar o corpo e assegurar que tudo esteja em ordem antes de engravidar”, aconselha ela.
Saiba Mais
Durante a gravidez
Ao longo da gravidez, é essencial que a paciente receba cuidados contínuos para garantir o controle eficaz da doença. “Quanto mais controlada estiver a doença, em todos os aspectos clínicos e laboratoriais, menores serão os problemas durante a gestação e maiores as chances de sucesso”, afirma a reumatologista Carla Dionello.
Por isso, é fundamental que o pré-natal seja conduzido por uma equipe multidisciplinar, incluindo um obstetra especializado em gestação de alto risco, um reumatologista e, conforme necessário, outros profissionais de saúde, dependendo dos órgãos afetados pela doença. Um dos principais pontos de atenção é o uso de medicamentos.
Segundo Carla, alguns medicamentos podem representar riscos durante a gestação e precisam ser suspensos. “É o caso de imunossupressores potentes, como ciclofosfamida e metotrexato”, destaca ela. Esses medicamentos devem ser substituídos por alternativas seguras para o uso durante a gravidez.
“Esses detalhes são cruciais. A paciente não pode interromper o acompanhamento com o reumatologista, que dará as orientações adequadas para manter a doença controlada ao longo da gestação”, enfatiza Carla.
Palavra do especialista
É possível planejar uma gravidez segura para mulheres com lúpus e outras doenças autoimunes? Quais são as condições ideais para isso?
Na maioria dos casos, sim. Entretanto, a gestação deve ser planejada para que ela aconteça num momento em que a doença esteja controlada e que as medicações em uso sejam compatíveis com a gestação. No caso do lúpus, o ideal é que a paciente esteja sem atividade de doença há pelo menos 12 meses.
A amamentação é recomendada para mulheres com doenças autoimunes?
Sim, a amamentação é aconselhada para essas mulheres, desde que a doença esteja controlada e as medicações em uso sejam compatíveis, pois a amamentação traz inúmeros benefícios tanto para a mãe quanto para o bebê.
Jessica Othon é ginecologista e obstetra do Cemefe, do Hospital Santa Lúcia
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte
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