Cidade Nossa

Crônica Cidade Nossa: o fim do mundo

Apesar do período difícil que Brasília vem enfrentando, sobretudo pelas queimadas que têm arrasado o Cerrado, Laerte acredita que ainda é possível acreditar que a vida é bela

REV-1509-CRONICA -  (crédito: Maurenilson Freire)
REV-1509-CRONICA - (crédito: Maurenilson Freire)

Por Laerte Rimoli, jornalista

"Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar. Por causa disso, a minha gente lá de casa começou a rezar." As queimadas no interior de São Paulo espalharam uma fuligem que atingiu Brasília, a 800km do foco maior. Imediatamente ao acordar, teto baixo, tive a sensação de que o fim do mundo se aproximava.

Meu Amargedon particular. O Santos Futebol Clube extinto, na segunda divisão do campeonato brasileiro. A casa colorida de Pirenópolis, montada com esmero para receber os amigos, vira pó. Não gostei de pensar que sumiriam, junto comigo, os pés de pequi, a pizza napolitana, o arroz branco ao alho e cebola. Mas, muitas dores cessariam. Doenças incuráveis. Mulheres agredidas. Crianças molestadas. Essa constatação, contudo, não ameniza meu desconforto. Sumir, puff, é esquisito.

O choque de um cometa com a Terra ou uma explosão, pura e simples, provocada pelas queimadas. "Ni l'un, ni l'autre", Charles Baudelaire. Até Piaf diria o mesmo. Quanto apego a essa vidinha. É que estive nas cachoeiras da Chapada dos Veadeiros: água jorrando de uma montanha cheia de vegetação. Lancei quatro crônicas no livro Nuvens 5 e 6, ao lado de escritores consagrados. Não conheço a Capadócia. Quero voltar a Jericoacoara. O som das Cataratas do Iguaçu, que nunca se apagou da minha memória. Só me ocorrem coisas mundanas. Vamos filosofar. Qual minha importância nessa existência? Vixe, raciocínio tortuoso. A essência de tudo: o medo. O desconhecido. O imponderável. Volto ao Assis Valente: "Vai ter barulho e vai ter confusão. Porque o mundo não se acabou".

Hoje o céu está azul, há árvores no entorno do apartamento. Voo rasante de passarinhos. Marcia dedilha, graciosamente, o teclado do Mac Book Air. Ouço o barulho da Rosa na cozinha. Arroz e feijão garantidos. Tenho que encontrar a segunda via do boleto da taxa de incêndio do apartamento do Rio de Janeiro. Meu nome foi parar na dívida ativa da Procuradoria Geral do Estado. Semana que vem, preparação para o Dia Nacional do Amendoim. Enviar aos jornalistas explicações sobre contaminação de chocolate por partículas de plástico. A jornada é a somatória de atividades ordinárias. Atrasei a crônica da Oficina de textos do Eduardo Affonso. Fernando volta para Roma. Vamos encontrá-lo em dezembro. A vida é bela.

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postado em 15/09/2024 07:00
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