Comportamento

Por agostos mais dourados: a amamentação é responsabilidade de todos

Mães defendem o aleitamento materno e chamam para a responsabilidade toda a sociedade, que pode contribuir para garantir que mais mulheres consigam amamentar

A frase "nasce uma mãe, nasce a culpa" é bem conhecida e traduz o sentimento da maioria das mulheres que entram no mundo da maternidade. O desejo de fazer tudo "certo" e garantir que os filhos tenham o melhor de você é um dos grandes catalisadores dessa culpa. Além dos próprios sentimentos, essas mães passam a lidar também com o julgamento da sociedade.

A falta de empatia no que se refere às mães e a culpa são, justamente, dois dos grandes desafios que podem impedir ou interromper a amamentação. O processo, primordial para o bem-estar e a saúde do bebê, faz parte da natureza humana, liga a mulher a todos os outros mamíferos da Terra e é uma das maneiras mais primais de cuidado com a cria. 

Os estudos que comprovam os benefícios da amamentação até, no mínimo, os seis meses de idade de um bebê são inúmeros. As provas vivas são os diversos bebês que não teriam sobrevivido caso não tivessem recebido a nutrição, os anticorpos e todos os outros benefícios do leite materno. Por que então, ao ver uma pessoa amamentando seu bebê em público, tantas pessoas franzem a testa, olham feio e chegam, até mesmo, a abordar essa família de maneira agressiva? Por que a licença-maternidade prevista em lei não garante esse direito básico do recém-nascido?

Esses são alguns dos questionamentos levantados por mães que viveram a amamentação e seus desafios e querem ajudar outras mulheres a não desistirem dessa vivência, caso esse seja desejo delas, claro. E neste Agosto Dourado, querem chamar a atenção para algumas das dificuldades que permeiam o aleitamento materno e podem ser sanadas com acesso à informação e incentivo de políticas públicas

Quatro experiências

A analista de Perfil Comportamental e de Percepção Infantil Laura Schwengber tem quatro filhos e viveu, com cada um, uma experiência diferente durante o aleitamento. Enquanto com os dois bebês do meio o processo foi tranquilo e sem grandes dificuldades, com o primogênito e a caçula, dar o peito foi, durante um tempo, sinônimo de sofrimento. 

Arquivo pessoal - Laura amamentando Levi, seu segundo filho

Na primeira vez, quando não se falava ainda sobre consultoria de amamentação, ela recebeu seu bebê, o colocou no peito e pronto. "Achava que era instintivo, fácil, automático. A gente não ouvia dizer que eles e nós estávamos aprendendo, como mãe, eu tinha que saber de tudo."

Nos primeiros dez dias, sem saber que existia o que hoje chamamos de pega errada, quando o bebê, por algum motivo, não consegue sugar corretamente o seio, Laura amamentou sentindo uma dor insuportável. 

"Eu só continuei porque amamentar era um propósito meu, eu sabia todos os benefícios a curto e longo prazo para meu filho e não podia desistir. Achava que era normal sentir dor e não tinha alguém ali para me dizer que não é. E hoje faço questão de dizer para todas as mulheres que encontro, não é normal sentir dor na amamentação", reforça. 

Depois dos dias iniciais, a dor passou e ela conseguiu seguir o aleitamento com mais tranquilidade. Com os outros dois filhos, tudo seguiu com mais suavidade, e ela acreditou que o problema tinha sido realmente algo normal na primeira amamentação. 

Arquivo pessoal - Levi agarrado na mãe Laura, durante amamentação

Com a chegada da quarta filha, Laura reviveu as dores do início e chegou a um ponto que jamais imaginou. Desde a primeira vez que a bebê mamou, ela sentiu dor. O seio ficou machucado e ela ouvia de familiares e profissionais de saúde que era normal. 

Quando a filha tinha menos de uma semana de vida, em uma das mamadas da madrugada, a dor chegou a um ponto crítico. Ao afastar, no impulso, a filha do seio, Laura sentiu uma fisgada e começou a perceber algo pingando em sua perna. Quando ligou a luz, viu que as duas estavam banhadas em sangue. Depois de correr para uma maternidade, onde ninguém sabia muito bem como ajudá-la, Laura teve a sorte de encontrar, por acaso, uma enfermeira que também era consultora de amamentação em uma clínica particular. 

"Ela ficou compadecida do meu desespero e veio me ajudar, me levou para uma sala e viu que eu quase tinha perdido meu mamilo. Na mesma hora, usou um laser e a dor parecia ter desaparecido, ela me salvou", lembra. 

Missão: ajudar

Depois disso, Laura recebeu a ajuda necessária para corrigir o que não funcionava e conseguiu manter a amamentação. Depois de viver essa experiência, escolheu fazer de sua missão levar a informação que não teve para todas as mães possíveis. 

Arquivo pessoal - Laura com Levi no colo e Lucas, seu primogênito

Ela defende que todas as maternidades precisam ter. Acredita ainda que o serviço público precisa fornecer mais informações e ajuda para essas mães, sobretudo as de primeira viagem, que não sabem o que esperar. 

"Esperei quatro filhos para aprender que não precisa e não deve doer. Imagina quantas mulheres desistem de amamentar por não terem esse apoio, um suporte para que continuem cuidando de seus filhos?, questiona. 

E Laura ressalta que quando uma mulher decide interromper o aleitamento, independentemente do motivo, o que ela precisa é de acolhimento, não julgamento. Muitas vezes, as causas são dores que poderiam ser sanadas, e ela abre mão de algo importante para ela por não conseguir continuar. 

"O leite materno é a vacina mais poderosa que você pode ofertar ao seu bebê, e é primordial para a conexão entre mãe e filho. Para que isso seja preservado, essas mulheres precisam de respeito, inclusive, no mercado de trabalho."

Laura acredita que a sociedade precisa entender que cuidar de um bebê — que se tornará um adulto contribuinte, quando se considera a lógica capitalista do valor de uma nova vida — deve ser um esforço conjunto, e aqui ressalta que cada um pode começar isso diminuindo o olhar de julgamento para quem amamenta em público ou para quem escolheu não amamentar. 

Fotos: Arquivo pessoal - O olhar apaixonado de Letícia, terceira filha de Laura, enquanto mama

Em termos mais práticos, defende o aumento da licença-maternidade para, no mínimo, seis meses, o período recomendado pela OMS como aleitamento exclusivo, e o acesso à consultoria de amamentação nas maternidades. Ela escreveu o livro Cuide-se pra cuidar, publicação da Hanoi Editora, no qual divide suas experiências com o intuito de diminuir o número de pessoas que passam por isso. 

Uma espera difícil

Mãe em tempo integral, a dona de casa Mônica Lima dos Santos Carvalho, 43 anos, brinca que sua profissão é ser vaca leiteira, e com muito orgulho. A mais velha, Maria Clara dos Santos Carvalho, 11, mamou até os três anos e meio e o caçula, João Paulo dos Santos Carvalho está com dois e segue em livre demanda. “Só vai deixar de mamar quando ele não quiser mais”, promete Mônica.

Arquivo pessoal - Momento entre mãe e filhos: Mônica amamentando João com Maria Clara ao lado

As experiências dela foram diferentes. Com a primeira filha, que nasceu a termo, não imaginava as dificuldades que encontraria. Ela acredita que o imaginário de que a amamentação é algo simples e fácil dificulta que muitas mulheres externem suas dores e dificuldades, com medo de serem vistas como “menos” mães ou até mesmo incapazes de cumprir com suas “funções” na maternidade. 

Achando tudo normal e dentro do esperado, Mônica sentia muita dor e, algumas vezes, a filha mamava com sangue. “Achava que era assim mesmo e muitas pessoas diziam que era normal, até que, durante o acompanhamento com pediatra, vimos que ela não estava ganhando o peso esperado”, lembra. 

Sua salvação foi uma enfermeira do posto de saúde, que explicou que a amamentação não deveria causar dor. Depois de entender sobre a pega errada e como corrigir, ela conseguiu manter o aleitamento até os quase quatro anos da filha. 

“O primeiro desafio foi achar que seria fácil, o que não é. Depois veio entender que não deveria causar dor e, por fim, lidei com o julgamento das pessoas que olhavam torto quando eu amamentava em público”, comenta. 

Fotos: Arquivo pessoal - Maria Clara mamando

Mônica lembra que precisava levar na esportiva as críticas da família e de pessoas próximas, se não viveria em conflito; na rua, ignorava, pois via o aleitamento como a coisa mais importante que podia fazer pela filha. 

Trabalho de formiguinha

Depois de alguns anos, chegou João, que nasceu com 31 semanas e cinco dias e não podia ir ao peito ainda — no caso de bebês prematuros, mamar pode gastar mais calorias do que eles conseguem ganhar e o reflexo de sugar costuma ser adquirido somente após as 34 semanas. 

Arquivo pessoal - Maria Clara ajudando o pai a alimentar o irmão por meio da sonda, ainda na UTIN

“Foi uma ansiedade imensa, e o leite demorou a descer. Eu ficava na sala de ordenha por horas para conseguir algumas gotinhas de leite para ele, deixava meu peito machucar, mas sentia que precisava fazer alguma coisa por ele.”Com o apoio das consultoras e enfermeiras do banco de leite, Mônica entendeu que tudo bem oferecer fórmula para que seu bebê se fortalecesse e ela pudesse, enfim, amamentá-lo. E quando o dia chegou, foi uma felicidade. “Eu me senti mãe de verdade do João Paulo quando ele veio para meu colo e pude amamentar, parecia que ele estava nascendo naquele momento”, lembra.

Hoje, Mônica trabalha em uma ONG de bebês prematuros, é doadora de leite materno e garante que levanta a bandeira da amamentação como pode. Ela acredita que o trabalho de formiguinha, de uma mãe de cada vez, é primordial para que a sociedade mude a forma como encara a amamentação. 

Arquivo pessoal - João mamando e ingerindo o complemento através da translactação

Um dos principais problemas para ela é a discrepância entre o aleitamento materno exclusivo e a licença-maternidade. Em seguida, vem a falta de informação que atrapalha que as mães busquem ajuda para amamentar. 

“Por achar que é fácil, muitas têm vergonha de pedir ajuda e se veem na obrigação de dar fórmula e mamadeira, pois ninguém quer ver o filho com fome. Não temos incentivo, existem campanhas falando da importância, mas e o apoio para essas mulheres?”, questiona. 

Mônica acredita que falar sobre as dificuldades normais da amamentação e trabalhar na mulher a noção de que não é culpa dela e que ela pode e deve procurar ajuda faz parte do seu papel como mãe e mulher. “De uma mãe para as outras, devemos buscar ajuda e oferecer quando estiver ao nosso alcance. Evitar os julgamentos é o primeiro passo, entender as próprias limitações também. A fórmula salva bebês e você não é menos mãe se precisa desse complemento”, afirma. 

arquivo pessoal - amamentação

O que diz a lei 

Atualmente, a licença-maternidade prevista pela Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), é de 120 dias, cerca de quatro meses. O período traz uma discrepância com a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, que é de que o bebê deve receber o aleitamento materno exclusivo até os seis meses, quando se inicia a introdução alimentar. 

Depois de retornar ao trabalho, as mães têm direito, durante a jornada de trabalho, a dois descansos de meia hora cada um para amamentar o bebê ou fazer a ordenha. Esse direito é garantido até o bebê completar seis meses de vida. 

No entanto, Cinthia Calsinsk, enfermeira obstetra do Boa Hora, programa de acolhimento da Omint Saúde para orientação a mães desde a gravidez até o pós-parto, ressalta que as políticas atuais estão entre os motivos pelos quais apenas 45,8% dos bebês recebam leite materno com exclusividade, de acordo com o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI). 

“As políticas de licença-maternidade, muitas vezes, são inadequadas, com prazos inferiores ao necessário para o aleitamento exclusivo do bebê. Além disso, a ausência de infraestrutura adequada para a extração de leite no ambiente de trabalho contribui para a baixa taxa de amamentação no Brasil”, afirma. 

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Fotos: Arquivo pessoal - Maria Clara mamando
Arquivo pessoal - Antes de poder ir ao seio, João era alimentado por sonda e copinho
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Arquivo pessoal - Mônica amamentando João na festa de um ano do filho
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arquivo pessoal - amamentação