Por Cláudio Ferreira, jornalista
Em cada semáforo, um aperto no coração diante de um cartaz curto e direto onde está escrito: "Fome". Em cada parada do percurso feito de carro, uma sensação de impotência diante de tanta gente nas ruas pedindo um pouco para sobreviver. Infelizmente, não é exclusividade de Brasília, mas parece que nas vias do Plano Piloto, os espaços abertos escancaram ainda mais essa realidade cruel.
A desigualdade não é novidade, eu sei. A abordagem da população de rua tampouco. Mas não são só as novidades que nos despertam — os velhos dilemas, aqueles para os quais a solução sempre parece distante, também mexem conosco.
Em tempos em que todos opinam sobre tudo, tem sempre quem queira polemizar diante da escolha por dar ou não a ajuda que os ocupantes das ruas pedem. Dar dinheiro, dizem alguns, não vai solucionar a vida daquela pessoa e estimula o indivíduo a continuar ali ao lado do sinal de trânsito. Não dar dinheiro, dizem outros, pode significar abreviar a sobrevivência de quem precisa do básico.
A difícil escolha também está dentro de nós. E como ser humano — e, portanto, sempre imperfeito — já me peguei algumas vezes fazendo uma espécie de "classificação mental": tentando analisar quem pede dinheiro a partir da aparência naqueles poucos segundos e caindo na armadilhado "merecimento". Fujo disso na maioria das vezes: não sou o senhor da razão e das regras, não é justo classificar ninguém pela aparência, e a decisão pode ser apenas se quero (ou posso) ajudar ou não.
Escapar dos julgamentos também faz parte do meu exercício diário ao ver um pequeno acampamento de barracas montado em qualquer gramado da cidade. O primeiro sentimento é o de que nenhum ser humano deveria precisar se submeter àquelas condições de vida, com família, sem comida, sofrendo com Sol e chuva em excesso. É, mas muita coisa não "deveria" estar acontecendo e é melhor lidar com a realidade do que com o ideal. Sem questionamentos do tipo "é tão novo, poderia estar trabalhando", que sempre partem da nossa realidade e do nosso ponto de vista para julgar o outro, que a vida tornou tão vulnerável.
Atualmente, além dos brasileiros, o Plano Piloto acolhe famílias de venezuelanos, que portam cartazes pedindo um pouco de comida ou dinheiro. O cartaz, aliás, tornou-se o veículo de comunicação dominante nas ruas — como muita gente tem medo de abrir os vidros do carro para escutar o pedido, alguém percebeu que a comunicação visual faria mais efeito. Muitos colocam inclusive o Pix para receber doações.
O que fazer diante da corrida dos meninos com saquinhos de pipoca estacionados nos nossos retrovisores? O que fazer diante das crianças que estão nas ruas pedindo junto com os pais? Como se sentir bem ao ser interrompido, em uma refeição fora de casa, por vários alguéns vendendo panos de prato e outras mercadorias? Como lidar com os que, além de pedirem entre os automóveis, demonstram que estão vulneráveis não só economicamente, mas também na própria saúde mental?
Essa crônica não tem conclusão, só tem tristeza e um vazio de ideias. É um cotidiano cruel nos lembrando, a toda hora, que existem vidas diferentes, vividas de maneiras bem piores do que a nossa. Estado ineficaz, país injusto, desigualdade sem fim. A lista é grande, já conhecemos os itens. Conhecer, no entanto, não aplaca nosso velho dilema. Eu sei que não sou responsável por ter a solução aos problemas sociais do país. Isso a razão já me disse. Mas o que os olhos veem diariamente vai direto para o coração.
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