Quando falamos em paternidade, muitos dizem que, por mais presente e envolvido que o homem seja durante a gestação, é no instante em que segura seu bebê nos braços pela primeira vez que a ficha cai por completo: agora ele é um papai.
E muitos deles validam a afirmação, o que aumenta ainda mais a reflexão sobre os papais que não têm a oportunidade de pegar seus filhos logo após o nascimento. Os pais de prematuros extremos, assim como as mães e seus bebês, podem ser chamados de guerreiros com toda a força que a palavra carrega.
Ainda em comemoração ao Dia dos Pais, conversamos com papais de prematuros que puderam, pela primeira vez, comemorar a data ao lado de seus filhos. E eles dividiram com a Revista como foi a experiência, até então, inédita.
Pai de primeira viagem, o arquiteto Brian Nunes, 32 anos, já começou a paternidade com um susto — ou melhor, três! Logo na primeira ecografia, ele e a mulher, a atendente comercial Isabela Lacerda, 30, descobriram que estavam esperando trigêmeos.
O casal tinha perdido um bebê ainda no início da gestação, há cerca de quatro anos. A gravidez foi planejada e muito desejada, mas nada poderia prepará-los para a montanha-russa de uma gestação de múltiplos.
A condição acabou fazendo com que o parto acontecesse muito antes do esperado. Com 22 semanas, Isabela e Brian ficaram internados pelo risco de parto iminente. Com medicamentos e muitos cuidados, conseguiram segurar os bebês por mais algumas semanas. "Com essa idade gestacional, a chance de eles sobreviverem era mínima, então fizemos de tudo para o parto não acontecer naquele momento", lembra Isabela.
Brian esteve ali todos os segundos desses dias. Apreensivo, buscava atender todas as necessidades de Isabela, que estava "brigando com a gravidade" e não podia se levantar da cama para nada. Ele trabalhava de dentro do hospital, dormia lá todos os dias e, de acordo com a mulher, "cuidou de todas as necessidades emocionais, espirituais e fisiológicas" que ela tinha.
"Hoje, eu consigo amá-lo mais do que amava antes, eu chorava e dizia que não ia dar conta e era ele que me dava forças para tudo, segurava minha mão e dizia que eu conseguia, sim, e que ia dar tudo certo", lembra. Apenas 23 dias depois, no dia 6 de dezembro de 2023, às 9h, com 25 semanas e três dias de gravidez, Isa deu à luz Bernardo, Heloísa e Levi.
Brian, que vivia com a perspectiva de perder os filhos e a mulher, fazia tudo que estivesse ao seu alcance para não transmitir medo e insegurança para Isabela. Durante o parto, não largou a mão dela nem por um segundo e quando teve a certeza de que ela estava bem, correu para conhecer seus três pequenos milagres.
Durante três dias, ele se dividia entre a UTI e a Neonatal. Fazia chamadas de vídeo e fotos para que Isabela pudesse ver os bebês e se equilibrava entre ser pai e parceiro naqueles momentos difíceis.
Embora existam funções que dependam da mãe, um pai presente pode fazer o que está a seu alcance. Era Brian que fazia a ordenha do leite de Isabela para alimentar os bebês, que ainda não podiam mamar. Hoje, com os bebês completando seis meses desde o nascimento e tendo saído do hospital aos cinco, é ele quem dá mamadeira, remédios, troca as fraldas e tudo que envolve cuidar de um filho, ou de três!
Com uma relação próxima e amorosa com o próprio pai, é isso que Brian deseja reproduzir com Bernardo, Heloísa e Levi. Ele conta que, assim como os outros pais de bebês nascidos a termo e sem complicações, a ficha demorou a cair, e no caso dele, muito além do comum.
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"Eu brincava que a sensação era a mesma de comprar alguma coisa e não poder levar para casa. Com eles na UTI Neonatal, eu não podia pegar, dar banho, cuidar mesmo, então, ali, no meio das preocupações todas, eu ainda não me sentia pai por completo. Você acaba focando nas coisas urgentes", comenta.
Mas ao chegar em casa, tudo atingiu Brian de uma vez. Ali, os três bebês eram responsabilidade dele e de Isabel em tempo integral e por completo. Ainda no piloto automático para as tarefas do dia a dia, ele conta que estar com a família é o que existe de mais precioso e, apesar da felicidade e do alívio, afirma que três é um número ideal.
No primeiro Dia dos Pais, um filme passou pela sua cabeça, começando quando ele tinha 12 anos e já sonhava em ser pai. "Foi um dia bom, mas poderia ter sido melhor. Infelizmente, o Bernardo teve um problema respiratório e passamos a data no hospital", conta.
No domingo, eles receberam alta da UTI e passaram o dia no quarto, o que para ele já foi um presente. "Foi um momento de reflexão, por mais que estivéssemos ali, ele estava bem e passei meu dia agradecendo pela saúde dos meus filhos", completa.
Dia cheio de emoção
O empresário Matheus Lacerda, 31, também viveu no último domingo o seu primeiro Dia dos Pais ao lado da primogênita Ísis Gouthier Lacerda, de seis meses. Ela nasceu de 24 semanas, depois de intensas tentativas de manter a bebê na barriga por mais tempo.
Apesar de Ísis ter nascido em fevereiro, Matheus comenta que só conseguiu sentir que estava, de fato, exercendo sua paternidade em meados de julho, quando puderam ir para casa depois de 145 dias no hospital, sendo 139 deles na UTI. “Foi um desafio, passamos todos esses dias nos hospital com ela, comemorando cada pequena vitória”, lembra.
No hospital, embora estivesse presente em todos os momentos, Matheus comenta que os pais não podem dar os banhos, atribuição das enfermeiras, nem serem os principais responsáveis por aquele bebê. Na UTI Neonatal, por exemplo, é necessário pedir que uma enfermeira ou técnica de enfermagem pegue o seu bebê da incubadora e coloque no seu colo enquanto você espera sentado — segurar os recém-nascidos em pé também não é permitido por questões de segurança.
Matheus lembra, com bastante emoção, de quando ele e a esposa, a cirurgiã dentista Rayssa Gouthier, 32, correram para o hospital depois de ela sentir uma secreção e descobrir que estava perdendo o tampão. Lá, eles fizeram um procedimento chamado cerclagem, uma sutura no colo do útero para impedir a abertura do útero e a descida da bolsa, além de colocar um pessário, estrutura de silicone que funciona como suporte para os órgãos pélvicos.
A cirurgia, feita de cabeça para baixo, foi um sucesso e Rayssa passou os próximos dias em repouso absoluto. Mas no dia 15 de fevereiro, ela entrou em trabalho de parto e começou a ter contrações. E para garantir a saúde da mãe e da bebê, foi feito o trabalho de parto.
“Ninguém te prepara para o que é ser pai de um prematuro. Eles não sabiam nem se ela ia sobreviver e nos alertavam disso. Hoje, ela está aqui, sem nenhuma sequela, se superando a cada dia”, diz, com carinho.
Foi somente depois de dois meses que ele pôde, enfim, viver a experiência mágica de segurar sua filha nos braços pela primeira vez. O primeiro Dia dos Pais foi cheio de amor, em casa. Os três passaram a data reunidos, e Matheus fez questão de dar para Ísis, como tem feito todos os dias, o máximo de colo possível, para compensar os dias perdidos.
“Não tenho palavras para descrever, eu estava muito feliz, mas ao tempo tenso, com medo de alguma coisa dar errado. Poder estar em casa e segurá-la toda hora, dar a mamadeira pela manhã, é um sentimento de realização muito grande nas pequenas coisas”, completa.
E Matheus confessa que, mesmo tendo passado a vida toda achando o Dia dos Pais uma data comercial, não segurou a emoção quando ele se tornou o protagonista do dia. Ele ganhou um café da manhã especial e um porta-retrato com uma foto dele e da filha.“Você acorda diferente. Realmente, é um sentimento especial, quando a gente vive, percebe isso, é uma emoção”.
Cuidados médicos
Em meio a todo o desgaste emocional e medo pelo filho que está na UTIN, os pais de prematuros extremos ainda precisam se esforçar para entender e aprender uma série de novos termos e condições de saúde.
Acompanhar o peso do bebê, medido todos os dias, se torna quase um ritual, afinal eles precisam alcançar pelo menos dois quilos para ter alta. As classificações entre os prematuros também ficam na ponta da língua. A pediatra neonatal e coordenadora da UTI Neonatal da Maternidade Brasília, Ana Amélia Fialho, ensina que abaixo de 29 semanas, os pequenos são os prematuros extremos, entre 29 e 33 semanas e seis dias, são os prematuros e acima disso, a partir de 34 semanas, são os prematuros tardios.
Segundo a Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais, a prematuridade é a principal causa de mortalidade infantil e quanto mais novo o bebê, menores as chances de sobrevivência. Dados da Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais (RBPN) mostraram, excluindo-se os bebês com diagnóstico de malformação congênita e óbitos na sala de parto, que cerca de 17,1% dos bebês com idade gestacional menoe que 24 semanas tiveram sobrevida mais expressiva, número que subiu para 47% quando avaliados os nascidos entre 24 e 27 semanas.
Por isso, quando ocorre o risco de parto antecipado, é feito todo um esforço para segurar os bebês o máximo possível, aumentando assim suas chances de sobrevivência e diminuindo as intercorrências de saúde.
Ana Amélia comenta que os principais problemas de saúde que afetam os prematuros extremos são os riscos de infecção, em virtude do sistema imunológico incompetente; problemas respiratórios pela imaturidade pulmonar — o pulmão é o último órgão a ficar "pronto" antes de um bebê nascer e os alveolos precisam de ajuda para abrir e poder iniciar a troca de gases; problemas no sistema nervoso central causados por hemorragias; alterações na retina; icteíricia; alteração na calcificação dos ossos; doenças metabólicas e até mesmo riscos de fraturas espontâneas.
E a pediatra ressalta que além de todos os cuidados médicos, a presença dos pais na UTIN é essencial na recuperação dos bebês. "Costumo dizer que apenas pegamos os bebês emprestados para fazer o que os pais não conseguem, mas que eles fazem parte da equipe e são os principais e mais importantes cuidadores desses recém-nascidos", completa.
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