Por Orlando Pontes, jornalista
Luís Fellype Rodrigues, sob a competente supervisão de Adriana Bernardes, nos conta, em reportagem na capa de Cidades deste Correio do domingo (14/7), os perrengues pelos quais passa a galera dos 60+ nos ônibus que fazem as linhas urbanas no Distrito Federal.
Não sabem eles que o sufoco dos velhinhos brasilienses (entre os quais, do alto dos meus meia-três bem-vividos me incluo) é fichinha comparado ao aperto da tchurma que precisa do transporte público do Entorno.
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Esse pessoal enfrenta, diariamente, viagens de, pelo menos, duas horas, de casa para o trabalho e vice-versa. Até aí, novidade zero. O problema começa quando alguns, para aliviar o estresse do dia de batalhas, resolvem tomar uma gelada depois do expediente.
Chico Mão Leve, um cabeleireiro que trabalha pelas bandas de Taguatinga, não dispensa um happy hour após alinhar as madeixas da clientela, especialmente às sextas-feiras. Afinal, sextar é um direito universal. Mesmo quando a féria é pequena.
Dia desses, empolgado no bate-papo no boteco, Mão Leve excedeu-se na ingesta da marrdita. Perdeu a condução das 20h30 e só embarcou no baú das 22h. No pinga-pinga do coletivo, de parada em parada, a distância de Taguá a Valparaíso-GO parecia infinita.
Na altura da Marinha, perto da Polícia Rodoviária Federal, apelou ao motorista: "Amigo, preciso desaguar". O condutor, de olho no retrovisor interno, percebeu que metade da tripulação dormia. Outra metade, em pé, só pensava em chegar ao destino o mais rápido possível.
Compreensivo, o chofer parou no acostamento. Mão Leve desceu e dirigiu-se à traseira do veículo. Logo, o pessoal que dava boa noite à coruja protestou: "Vamu, motorista! Deixa esse mijão aí". Entre reclamações e chacotas, envergonhado, mas aliviado, Chico reembarcou. E a viagem seguiu.
Não teve a mesma sorte o contínuo Ari Travessa. Fim de mês, salário-mínimo acabando, resolveu gastar os últimos trocados numa carrocinha de cachorro quente perto do ponto de ônibus no Eixinho Norte. Em vez do pão com salsicha e batata palha, optou por latinhas de marcas baratas.
Bebeu o que a grana podia pagar. Ficou só com o da passagem. Pegou o coletivo. O aperto começou depois de Sobradinho. Mas ficou incontrolável ao entrar na estrada rumo a Planaltina de Goiás, ao sair da BR-020.
Sem a mesma coragem de Mão Leve de tentar contar com a compreensão do motorista, puxou o cordão da cigarra. O busão não precisou nem parar. Travessa pulou e correu para detrás do abrigo já com a braguilha aberta... Chuáááá!!! Ufa! Só então percebeu que não tinha nenhum centavo para pegar o próximo ônibus. Mas caminhou, aliviado, boa parte da noite até chegar em casa.
Luana, uma comerciária que ganha o pão atrás de um balcão em Águas Claras e reside em Águas Lindas, diz que o azar de Chico Mão Leve e Ari Travessa é não morar para as bandas por onde pilota o motorista com o qual ela viaja:
— Ele para toda vez num trecho perto do Setor de Indústrias da Ceilândia. E quem quiser pode descer pra esvaziar o tanque. Mas a preferência para ficar atrás da árvore é dele.
Diante dessa calamidade, os "comedores de água", como dizem os baianos, vão lançar o movimento pela construção de banheiros de parada obrigatória para ônibus entre as cidades do Entorno que ligam Brasília pelas BR-020, 040, 060 e 070.
Só não querem que tal conquista, se acontecer, vire letra morta, como a lei distrital que determina serem todos os assentos de ônibus do DF "preferenciais para idosos, gestantes, passageiros com crianças no colo, com deficiência ou mobilidade reduzida".
Nossos velhinhos que o digam!