Choros, risos, conversas, gritos e músicas são alguns dos sons que ouvimos cotidianamente e transformamos em respostas, momentos, lembranças e emoções. Entretanto, existem pessoas que perdem a audição ao longo da vida e precisam encontrar outras maneiras de viver essas interações.
A audição é um dos sentidos mais importantes para a percepção do ambiente ao nosso redor e a sua perda interfere na maneira de nos relacionar, não só com as pessoas, mas também com nós mesmos. Essa perda pode afetar, inclusive, a saúde neurológica do paciente.
Segundo o otorrinolaringologista do Hospital Santa Marta André Neri, a surdez é definida como a diminuição da capacidade de ouvir, quando a pessoa não consegue mais entender ou perceber os sons ao redor, e pode ser leve, moderada, grave ou profunda. “A surdez profunda é aquela na qual o indivíduo não escuta nada, é surdo, podendo ser unilateral, quando só um ouvido não é capaz de perceber nenhum som, ou bilateral, quando os dois são afetados.”
De acordo com André Neri, a perda progressiva da audição é mais comum em pessoas a partir dos 65 anos, momento que ocorre o desgaste natural da cóclea, o órgão auditivo. “A cóclea vai perdendo as células ciliadas, que são responsáveis por captar e transformar o som mecânico em um som elétrico para que o nosso cérebro perceba, essas células vão morrendo e se perdendo”, explica o otorrinolaringologista.
A audição e o cérebro
Segundo o neurologista do Hospital Anchieta André Reis, a audição faz parte do sistema sensorial. “Ele é o responsável pela captação de informações, tanto de dentro como de fora do nosso corpo, e a conversão delas em impulsos elétricos, que, no cérebro, serão utilizados como parâmetros para realização de diversas atividades do nosso dia a dia”, explica.
André ressalta que as informações auditivas auxiliam em diversas tarefas complexas, a exemplo de respostas instintivas, como fugir de barulhos intensos ou ficar em alerta de acordo com determinado tipo de som. Além disso, a audição auxilia na comunicação verbal, interação social e no desenvolvimento de atividades lúdicas.
Sobre a relação da audição com as demais funções cerebrais e comportamentais, André Reis explica que a perda auditiva pode promover prejuízos relacionados à conectividade cerebral. A longo prazo, promove atrofia cerebral das regiões de maior conexão com áreas auditivas, podendo aumentar o risco para demências, como o Alzheimer, piorar a concentração e influenciar nas habilidades de comunicação social e funções executivas complexas, prejudicando a funcionalidade do indivíduo.
“A falta de entrada auditiva no nosso cérebro faz com que as células morram e então, a pessoa fica mais suscetível a doenças neurológicas de esquecimento. Se você escuta menos, você está fadado a ter uma baixa memória mais na frente”, completa o otorrinolaringologista André Neri.
Para o neurologista André Reis, a redução da interação com o ambiente modifica a capacidade de perceber o mundo, o que pode afetar a vida do paciente de diversas formas. “Se não for treinado ou corrigido de forma adequada, pode promover prejuízos cognitivos, emocionais e até mesmo riscos à saúde quando não nos atentamos aos barulhos que podem estar associados a situações perigosas.”
Causas
Segundo a audiologista e especialista em saúde auditiva, Ariane Gonçalves, são diversas as causas da perda auditiva gradativa, podendo ser a exposição prolongada a ruídos altos, como o uso de fones de ouvido, ou então o processo natural de envelhecimento que leva a perda auditiva, chamada de presbiacusia. A especialista cita mais algumas causas comuns:
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Doenças crônicas, como diabetes e hipertensão
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Medicamentos ototóxicos
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Infecções do ouvido crônicas
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Doenças autoimunes
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Traumas ou lesões na cabeça
Existe também a surdez congênita, ou seja, aquela em que o indivíduo já nasce sem o sentido da audição. De acordo com Ariane, as causas podem variar desde mutações genéticas hereditárias, infecções e/ou exposição a substâncias ototóxicas durante a gravidez, até complicações no parto, como falta de oxigênio, baixo peso ao nascer e icterícia severa.
Sintomas, diagnóstico e tratamento
Os sintomas de que uma pessoa está gradativamente perdendo a audição podem ser bem claros. Dificuldade em entender conversas, especialmente em ambientes barulhentos, sensação de que os sons estão abafados ou distantes, a presença de um zumbido nos ouvidos (tinnitus) são alguns dos sinais citados pela audiologista e especialista em saúde auditiva.
“Pedir frequentemente para as pessoas repetirem o que disseram e/ou a necessidade de aumentar o volume da televisão ou do rádio, são outros sinais de que uma pessoa pode estar perdendo a audição”, completa. Ao perceber essas características, o próprio paciente ou então as pessoas ao redor, é necessário o encaminhamento para um otorrinolaringologista para diagnóstico e tratamento.
Ariane cita quatro exames principais para diagnosticar a perda auditiva:
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Audiometria: teste que mede a capacidade auditiva em diferentes frequências e intensidades.
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Timpanometria: avalia a função do ouvido médio.
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Emissões otoacústicas: mede as respostas do ouvido interno a estímulos sonoros.
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Potenciais evocados auditivos: avalia a resposta do nervo auditivo e do tronco cerebral aos sons.
Após o diagnóstico, as opções de tratamento incluem o uso de aparelhos auditivos, implantes cocleares para casos de surdez profunda, terapia de reabilitação auditiva e tratamento médico ou cirúrgico para infecções ou problemas estruturais.
Prevenção
Segundo o otorrinolaringologista André Neri, para prevenir a perda auditiva e o desenvolvimento para quadros mais severos de demência, realizar audiometrias e exames para ver como está a capacidade auditiva é essencial. “Precisamos, então, ter cuidado com o nosso período aquisitivo, enquanto nós estamos crescendo, nós precisamos escutar bem e evitar ruídos que sejam prejudiciais a nós”, afirma.
De acordo com ele, todo adulto a partir de 50 anos e crianças quando começam a ir para a escola precisam fazer o check up, e por lei todos já fizeram o teste da orelhinha ainda na maternidade, para checar se existe a presença de alguma deficiência auditiva. Prevenir, investigar e tentar corrigir uma perda auditiva pode promover uma melhoria na qualidade de vida do paciente, independente da idade.
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Palavra do especialista
Como a audição e as funções neurológicas interagem e funcionam entre si?
O som do ambiente entra pelo aparelho auditivo através do ouvido externo e se propaga por meios fibrosos e ósseos, sendo regulado em intensidade e altura, até chegar no labirinto, onde de fato o som será convertido em sinais elétricos. Estes sinais são conduzidos pelo nervo acústico até o tronco cerebral, e transferidos até o cérebro, sendo recepcionados e organizados no lobo temporal, em ambos os hemisférios cerebrais. Após a entrada no cérebro, as informações sonoras se propagam pelo lobo parietal, que organiza a distribuição dessa informação para praticamente todo o cérebro, promovendo elevada conectividade e servindo de substrato para elaboração de todas as nossas funções comportamentais (ouvir, falar, pensar, lembrar, ter medo, ter alegria, ter respostas físicas associadas às emoções… basicamente tudo o que somos e fazemos depende da audição em algum aspecto).
Como tumores cerebrais podem causar e/ou estar relacionados à surdez? Quais os sinais dessa relação?
Tumores cerebrais podem ser a causa da perda auditiva desde que aconteçam em regiões por onde a informação sonora trafega. Tumores de região mastoidea podem acometer o trajeto mecânico do som dentro do ouvido, promovendo perda auditiva de causa periférica. Tumores associados ao nervo acústico (como o Schwannoma/Neuroma acústico) podem impedir a propagação do sinal até o tronco cerebral. Tumores de cerebelo e tronco cerebral podem comprimir vias por onde o som trafega, gerando falhas na chegada do sinal até o cérebro. Tumores cerebrais de lobo temporal podem promover mudanças nos padrões de funcionamento do córtex cerebral, gerando alterações da percepção do som, desde perda auditiva como fenômenos de alucinação com sons complexos ou ruídos, devido hiperestimulação da região auditiva pelo tumor.
André Reis é neurologista do Hospital Anchieta.
*Estagiária sob a supervisão de Ailim Cabral