Especial para o Correio — Luís Jorge Natal
Certo dia, há algum tempo, passava distraído pelo Setor Hoteleiro Norte quando uma placa me chamou a atenção. Estava ali escrito: Cat Grill. Anunciava uma churrasqueira simples, que estava cercada de pessoas comendo o velho e bom espetinho na brasa, conhecido também como churrasquinho de gato. Agora, o quitute de rua ganhava um novo status — ou quem sabe pedigree — e poderia ser consumido por ingleses e americanos que visitam a cidade.
Claro, o espetinho pedia a companhia de uma cerveja ou uma coca diet. O dietético está sumindo desde a época em que bicicleta virou bike. O incômodo me fez pensar se não estou ficando ranzinza, esquecendo que as línguas são vivas, dinâmicas e estão sempre em mutação. Como não sou especializado em autoajuda, preferi continuar achando que são coisas do passar do tempo. E vida que segue.
Um tempo depois, consegui quitar um consórcio de automóvel e fui a uma concessionária no SIA, logo no trecho 1. Entrei na loja com o carro já escolhido. Uma vendedora educada e solícita me indagou se não queria fazer um — test drive —. E foi aí que a implicância voltou com força total. Educado, quase respondi que preferia um teste de direção. Mas a moça não tem culpa, foi treinada assim.
Segundo o senso comercial, bancário e publicitário, falar algumas palavras na língua do Trump pode parecer sabedoria, conhecimento e trazer um certo ar cosmopolita. Mais uma vez, resolvi que tentaria me adaptar aos novos tempos. Afinal, sempre estudei inglês e obriguei os meus filhos a fazerem o mesmo. Nada contra a língua inglesa, que domina o mundo e até acho que podemos usá-la em expressões inexistentes no português. O que incomoda mesmo é a banalização no uso de estrangeirismos desnecessários e, por muitas vezes, idiotas, simplistas.
Também não sou uma espécie de Policarpo Quaresma, personagem de Lima Barreto, que defendia a adoção da língua Tupi. Porém, chega de esculhambação. Ouvia tranquilamente um programa jornalístico no horário nobre quando uma repórter mandou essa: "o coordenador do seminário pediu para todos *mutar* os microfones". Me danei de raiva, gritei entredentes que *mutar* é a PQP!
Alguém mais sabido do que eu escreveu certa vez: o português é a língua com a qual falo e beijo.