A mãe é a primeira referência, relação e troca de uma pessoa. É com ela que o indivíduo passa o maior tempo de sua vida e tem os maiores e primeiros aprendizados. A relação entre mãe e filho é uma das mais importantes para a formação de um ser humano, e os frutos desse relacionamento são carregados ao longo da vida inteira.
Apesar de serem, via de regra, guiadas pelo amor, as relações de muitos filhos com suas mães podem ser um tanto difíceis e até tóxicas. O narcisismo patológico, conhecido como transtorno de personalidade narcisista, quando presente dentro de relações familiares, e neste caso, nas figuras maternas, pode ter uma série de impactos na vida desses filhos.
Segundo a psicóloga Lara Amorim, pessoas com esse transtorno apresentam um padrão persistente de grandiosidade, necessidade de admiração e falta de empatia, podendo explorar os outros para benefícios próprios. “Frequentemente têm uma autoimagem inflada, acreditam que são únicas e esperam ser tratadas de maneira superior”, afirma ela.
Quando presente em mães, o narcisismo tem uma série de características que acabam afetando, principalmente, a relação com as filhas. Segundo Lara, as mães narcisistas tendem a ser extremamente controladoras e competitivas com as próprias filhas, frequentemente desvalorizando-as e criticando-as para manter um senso de superioridade.
“É uma mulher que pode apresentar uma necessidade da filha admirá-la em excesso e até uma inversão de papéis, no qual a filha passa a ser uma cuidadora emocional da mãe”, completa a psicóloga e neuropsicóloga Gabriela Borba. O diagnóstico é feito por um profissional da área de saúde mental, através de uma entrevista clínica com o paciente e com alguém com proximidade com o indivíduo.
“Não tem uma causa única que seja identificada, mas sim, um resultado de combinações genéticas, ambientais e psicológicas”, explica Gabriela. O ambiente familiar, como pais muito permissivos ou então excessivamente críticos ou negligentes, assim como experiências traumáticas ou abusivas durante a infância são alguns dos fatores que podem levar ao desenvolvimento do transtorno.
Relações disfuncionais
De acordo com a psicóloga e neuropsicóloga Gabriela Borba, a tendência de mães narcisistas direcionarem os comportamentos disfuncionais às filhas acontece em decorrência de uma identificação em que a figura materna enxerga na sucessora uma extensão de si mesma. Como consequência, ocorre uma alta exigência e uma expectativa irrealista que causa frustrações, inseguranças e até o sentimento de arrependimento na própria filha.
As dinâmicas disfuncionais dessa relação podem trazer grandes prejuízos no desenvolvimento emocional e psicológico da criança. Dificuldade em estabelecer limites, desenvolvimento de relações pouco saudáveis e uma autoimagem negativa são alguns dos obstáculos que mulheres com mães narcisistas podem enfrentar também na vida adulta.
A falta de um modelo de relação saudável impacta a autoestima, as relações interpessoais e a saúde mental dessa mulher, que muitas vezes pode ter características relacionadas à ansiedade e à depressão. “Ela pode carregar com si mesma um sentimento de culpa e vergonha, porque ao longo da vida ela passou por uma manipulação emocional, sendo que para a sua mãe ela nunca foi boa o suficiente”, explica Gabriela.
Segundo a psicóloga Lara Amorim, o paciente narcisista também acaba por ter impactos na própria vida, como problemas profissionais, dificuldade em manter relacionamentos e isolamento social, já que a grandiosidade, necessidade constante de admiração e comportamento manipulador acabam por afastar familiares, amigos e parceiros.
De acordo com Lara, os impactos acometem também o ambiente familiar, que acaba por se tornar tóxico, onde os membros são frequentemente manipulados e emocionalmente prejudicados, se sentindo negligenciados. Entre irmãos, é comum que um acabe sendo mais vitimizado que o outro, afetando a relação.
“Quando um deles é mais confrontativo, a mãe pode interpretar como uma ameaça para implementar as características de controle”, declara Gabriela. Por outro lado, aquele com comportamento mais passivo acaba por receber um tratamento preferencial, sendo supervalorizado.
Rompendo a dinâmica
Romper o ciclo tóxico do narcisismo dentro de uma relação materna, não é impossível, porém, segundo Gabriela, será mais viável na fase adulta da filha, quando ela passa a ter mais autonomia sobre as próprias decisões. “Reduzir o contato e os laços na medida do possível vai ser extremamente significativo para que essa mulher consiga seguir a vida”, afirma a neuropsicóloga.
Estabelecer limites claros, buscar apoio emocional, construir relacionamentos saudáveis, priorizar o autocuidado e independência emocional, e se informar mais sobre o transtorno são algumas das estratégias que a psicóloga Lara aconselha para lidar com os comportamentos disfuncionais.
Mãe e filha
Vívian Santos, 29 anos, profissional de relações governamentais, tem uma mãe narcisista que apresenta comportamentos do transtorno desde que a jovem se entende por gente, principalmente o vitimismo. “Ela ignora os sentimentos das outras pessoas e trata toda e qualquer situação como se fosse sobre ela e sobre como ela merece ser valorizada por algum aspecto.”
Desde criança, Vívian enfrenta dificuldades para criar vínculos com outras pessoas, já que a mãe sempre impôs diversos e enormes obstáculos para que ela estabelecesse fortes amizades. “Cresci ouvindo que ‘fulana não é sua amiga, é sua colega. Sua amiga sou eu’, e, na realidade, ela nunca foi minha amiga mesmo. Ela nunca me perguntou como eu me sentia sobre qualquer situação”, conta.
Em busca de conseguir lidar e se proteger contra os comportamentos da figura materna, a profissional sempre buscou estabelecer limites e apresentar o que a machucava, de forma pacífica e civilizada, mesmo com a mãe ignorando e se vitimizando.
Hoje, a relação é mínima. Vívian oferece suporte sempre que necessário, mas não busca vê-la com frequência, não aprofunda diálogos e não compartilha nada a respeito da vida pessoal, a fim de evitar que a mãe distorça e torne as situações sobre ela.
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Desde os 14 anos, ela entende a importância da terapia e até tentou fazer com que a família também fizesse o acompanhamento, porém nas primeiras sessões a mãe achou que estavam colocando o psicólogo contra a própria e não seguiram mais. Depois de algumas tentativas, a jovem está há um ano e meio com acompanhamento psicológico.
Apesar das dificuldades, Vívian reconhece que teve uma boa mãe, nunca deixando faltar afeto e sempre incentivando o bom desenvolvimento enquanto filhas, e que entender o transtorno e os impactos em sua vida são essenciais para conseguir manter a relação o mais pacífica possível.
"Estou trabalhando a ‘limpeza’ dos sentimentos ruins sobre o passado, pois ela foi uma ótima mãe sobretudo, e buscando a melhor forma de lidar com ela sem que isso signifique um sofrimento constante para mim.”
*Estagiária sob a supervisão de Ailim Cabral