Nesta semana, eu estava me lembrando dos idos dos anos 60 quando eu, um menino de 14 anos apaixonado por automobilismo, bati na porta do Correio Braziliense, procurei o diretor de redação, nosso saudoso Ari Cunha, e pedi um emprego. Para minha surpresa, ele me ofereceu um lugar como colunista do jornal, no assunto que mais me interessava; escrever a respeito de automóveis.
Naquele momento, com o sucesso das minhas reportagens veio a paixão ainda maior por esse tema. Me diverti muito por dois belíssimos anos numa Brasília que respirava os automóveis, pelas largas e desertas ruas, que faziam desta cidade verdadeiras pistas de corrida.
Brasília era a única capital onde o esporte automobilístico era mais importante que os jogos de futebol.
O inacreditável é que as corridas realizadas no centro da cidade, passando pelo Eixinho, pela W3, pelo Hotel Nacional e pela Rodoviária, reuniam um público de 100 mil pessoas, 1/3 da população da época, algo inimaginável.
Aquelas matérias que escrevi despertaram em mim uma paixão tão grande pela velocidade que me fizeram participar das corridas de bicicleta na deserta W4, uma via que servia apenas para levar alguns carros até algumas casas e poucos colégios naquela época.
Mas bicicleta não era um esporte veloz. E eu queria velocidade ao extremo! Assim, começou a minha história em corridas de verdade, e a opção foi pensar em correr nas corridas de carros.
O único problema é que não existia o dinheiro para eu comprar um carro. Mesmo assim, o sonho continuou me consumindo e eu mal conseguia dormir ao pensar nesse imenso problema.
Até que veio a solução inimaginável para alguém que tivesse um mínimo de bom senso, já que eu não tinha nem o carro nem o dinheiro. Mas isso foi fácil, depois de pensar um pouco no melhor caminho.
O pai de um amigo teve um grave acidente e, recém-saído do hospital, cedeu os restos do que sobrou do seu carro, o que deu início à construção do que seria o primeiro carro de corrida construído em Brasília, no fundo de um quintal e finalizado na garagem da casa da mãe de outro amigo.
O detalhe é que a corrida em vista iria acontecer dali a três semanas. Nesse momento já éramos quatro a construir algo que me daria o início de uma vida voltada à velocidade.
Iniciamos esse projeto com o restante das peças que buscamos num ferro-velho, sem termos certeza se aquela aventura daria certo. Lembro até que, em determinado momento, meus pais souberam do que estava acontecendo e fui expulso de casa, mas, isso não era problema porque havia a casa onde o carro estava sendo construído e o chão da sala era muito confortável para quem pensava naquele sonho.
Eis que o carro ficou pronto exatamente no dia daquela corrida, coincidentemente, do Campeonato Brasileiro e, naturalmente, eu sairia no último lugar entre os 34 participantes.
A aparência do carro que tinha um motor de baixa potência, rodas originais e dois pneus recauchutados era tão feia que foi apelidado de "Patinho Feio".
Para surpresa de todos, numa prova com os pilotos mais famosos do país, alguns com seus carros importados, outros em equipes profissionais, eis que o "Patinho Feio" chegou em segundo lugar e foi o mais festejado por todos.
A partir daí, a minha paixão pela velocidade não parou e lá fui eu me divertindo em corridas por vários cantos de nosso país. Essa história que tive o privilégio de viver acabou virando um livro e um filme que obteve o primeiro lugar em documentário no Festival de Cinema Brasileiro de 2017. Três anos depois, participou da abertura do Festival de Cinema Brasileiro em Miami.
Esse relato pode servir de legado para mostrar que do nada algo se torna concreto, quando existe vontade, dedicação e perseverança. Desse resultado surgiu uma das oficinas mais famosas da década de 60, chamada "Camber". Eu ouso até denominar que aí pode existir um exemplo de empreendedorismo!
Saiba Mais
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br