Não é segredo que a Serra da Mantiqueira guarda cenários espetaculares. O que nem todos sabem é que essa região vai muito além daqueles destinos mais falados, como Campos do Jordão e Monte Verde. E é entre as montanhas do sul de Minas Gerais, pertinho da tríplice divisa com São Paulo e Rio de Janeiro, que encontramos um roteiro especial, descobrindo alguns dos municípios da microrregião do Circuito das Águas.
Sem grandes núcleos urbanos por perto, esta é uma região que de fato abraçou o turismo de experiência. São propriedades rurais, cachoeiras, queijos premiados, boa gastronomia e paisagens inspiradoras nesse cantinho do interior de Minas Gerais, em um roteiro que atravessa Aiuruoca, Alagoa, Itanhandu, Passa Quatro e Itamonte.
A dica é chegar até lá de carro, em poucas horas para quem sai tanto de São Paulo quanto do Rio de Janeiro, ou mesmo de Belo Horizonte. E deixe-se perder pelas estradas, encontrando boas surpresas e pessoas tão especiais pelo caminho. A verdade é que, com aquela típica hospitalidade que só os mineiros conseguem oferecer, fica até difícil ir embora.
1. Aiuruoca
Com uma longa história de mais de 300 anos, Aiuruoca é uma cidade tranquila e essencialmente rural, com pouco mais de 6 mil habitantes. Seu nome significa “casa de papagaio” em tupi-guarani, graças aos paredões rochosos do Pico do Papagaio onde se aninhavam esses pássaros, notadamente o papagaio-de-peito-roxo.
Pico do Papagaio
E é exatamente o Pico do Papagaio o cartão-postal de Aiuruoca, que pode ser visto a partir de diversos pontos da cidade. Nas Terras Altas da Mantiqueira, Aiuruoca se privilegia de seu relevo mais acidentado, apresentando diversos mirantes com visuais imponentes, mais de 40 cachoeiras catalogadas, como a do Deus me Livre, a das Fadas e o Poço do Joaquim Bernardo, e ainda diversos picos para trilhas e escaladas, a maioria no Parque Estadual da Serra do Papagaio.
Esta é também uma cidade de fortes tradições: a Semana Santa, por exemplo, é patrimônio cultural tombado, assim como seu Carnaval antecipado, considerado o primeiro do país – festa que acontece desde 1938. Tem ainda produções centenárias de queijo prato, azeite e cachaça.
Explorando Aiuruoca
No centro de Aiuruoca, a Casa de Cultura funciona como centro de atendimento ao turista, onde você pode ter mais informações sobre passeios e contratar guias cadastrados pela prefeitura. Como as estradas rurais são de terra, com muitas subidas e descidas, o mais indicado é seguir a bordo de um carro 4×4.
Aliás, são os bairros rurais que concentram a maior parte dos atrativos de Aiuruoca. A fazenda Lá da Serra oferece visitação guiada com colheita de frutas vermelhas, como amora, framboesa e mirtilo. Já o Olibi Azeites Artesanais proporciona uma imersão no mundo da olivicultura, com direito a caminhada pelos olivais e uma degustação na qual você aprende a identificar um real azeite extravirgem e a maneira correta de saboreá-lo.
No final, um café bem mineiro com alguns quitutes aguarda o grupo. A visita completa no Olibi dura cerca de duas horas e acontece às terças, quintas e aos sábados, sempre às 10h (é necessário fazer reserva). Também é uma oportunidade para conhecer os exemplares projetos ambientais da propriedade, como o reflorestamento de áreas de Mata Atlântica e a reintrodução de aves resgatadas na natureza, em uma parceria com o Ibama.
Gastronomia e hospedagem
No quesito gastronomia, o restaurante Casal Garcia é imperdível. O cardápio traz como protagonistas os ingredientes autênticos da Mantiqueira, como truta, pinhão, queijos e cogumelos, em pratos cheios de sabor. O ambiente do restaurante é de puro aconchego, com um charme rústico em meio à natureza e direito a vistas deslumbrantes para a serra.
O local também dá acesso a uma trilha bem demarcada para a Cachoeira dos Garcias, uma das mais famosas de Aiuruoca. Para quem quer aproveitar ainda mais essa paisagem, e o show à parte do nascer do sol, o Casal Garcia conta com um hostel próprio, com três quartos privativos para casais e um coletivo para cinco pessoas.
Uma vista incrível – quase uma via de regra para as propriedades rurais de Aiuruoca – também emoldura o restaurante Velho Oeste Minas, todo inspirado no faroeste norte-americano. Ali o clima é de puro alto-astral, com os carismáticos proprietários entrando de cabeça na brincadeira, sempre fantasiados e até recriando cenas dignas de filmes junto com os clientes. Sair com um sorriso no rosto é garantia da casa, que ainda oferece pratos deliciosos, como arroz carreteiro, feijão tropeiro e filé de truta com mandioquinha.
Paraíso dos Tucanos
Outro recanto especial em Aiuruoca é a pousada Paraíso dos Tucanos, cercada por uma ampla área verde, repleta de árvores e jardins bem cuidados. Junto a essa exuberante natureza, os hóspedes podem aproveitar piscina, ofurô na beira do lago, caiaque, stand-up paddle, passeio a cavalo e muito mais.
São poucos quartos, todos bem aconchegantes, lembrando uma casa de fazenda. Pela manhã, desperte ao canto dos pássaros, incluindo grupos de tucanos que aparecem por ali diariamente, e desfrute de um café da manhã caprichado, com itens feitos na casa, como o delicioso pão de queijo. A pousada tem ainda o restaurante Casa de Vidro, que serve também almoço e jantar.
2. Alagoa
Em Alagoa (assim mesmo, sem o “s” no final), a mais alta das Terras Altas da Mantiqueira mineira (mais de 1.100 metros de altitude), é feito um dos melhores queijos do Brasil e do mundo. A história do queijo artesanal de Alagoa começou há mais de 100 anos, com um imigrante italiano que passou a produzir ali um queijo inspirado no parmesão.
Desde então, a nova receita virou uma tradição e se espalhou pelas fazendas da cidade, passando de geração em geração. O que torna o queijo de Alagoa único é o modo de fazer, que continua o mesmo desde sua origem: leite cru (não pasteurizado) e maturação sem refrigeração artificial, sem uso de corantes ou conservantes. Acrescente a essa receita o terroir especial de Alagoa, a combinação singular de clima, altitude, solo e todas as outras características envolvidas no processo.
Queijos premiados
O resultado surpreende os mais experientes paladares com queijos superpremiados, tanto no Brasil quanto no exterior. O queijo Alagoa, macio, suave e fácil de harmonizar, foi medalha de Prata no Mondial du Fromage na França em 2019. Já o Queijo Faixa Dourada, maturado por 30 dias com azeite extravirgem de Alagoa, foi Super Ouro no III Prêmio Queijo Brasil, considerado o melhor queijo artesanal de leite cru do país. E esses são apenas alguns exemplos.
Hoje, Alagoa é uma região produtora de queijo artesanal certificada pelo governo de Minas Gerais. Tem 138 produtores de queijo e, dizem, mais gado do que habitantes. A cidade produz até três toneladas de queijo por dia. E muito desse sucesso é graças ao trabalho de um cidadão alagoense: Osvaldo Martins, o Osvaldinho.
Feitos de Osvaldinho
Inspirado em seu bisavô, que era tropeiro e vendia queijos para além das montanhas da Mantiqueira, Osvaldinho decidiu ajudar um pequeno produtor local que enfrentava dificuldades para escoar seus queijos. Assim, fundou a Queijo D’Alagoa em 2009, pioneira na venda de queijo pela internet, com entregas de Norte a Sul do país. Segundo Osvaldinho, que mostra uma profunda paixão pelo que faz, ele é um tropeiro digital.
Em 2010, ele iniciou também o movimento pelo Queijo Artesanal de Alagoa, para buscar a certificação do produto e levá-lo a premiações mundo afora. O trabalho de Osvaldinho foi um divisor de águas na cidade, dando visibilidade aos pequenos produtores e ao queijo alagoense como nunca antes.
A queijo D’alagoa tem uma loja física no centro da cidade, onde você pode comprar queijos de produtores parceiros e outras delícias feitas na região, como geleias, café, doce de leite e azeites. Osvaldinho também liderou a criação da Rota do Queijo e do Azeite, para movimentar o turismo em Alagoa e mostrar o que a cidade tem de melhor.
Rota do Queijo e do Azeite
O roteiro, criado em 2016, recebeu, só no ano passado, mais de 400 turistas. Passeio de um dia inteiro, a versão expressa da Rota começa com uma visita à Fazenda Cauré, com seus 36 hectares de olivais e 16 mil pés de oliveiras. Na caminhada pela plantação, é possível saber mais sobre a produção de azeitonas e azeite, além de se deparar com belíssimas paisagens. As azeitonas cultivadas ali dão origem exclusivamente ao azeite da Prado & Vazquez, marca de Alagoa já premiada na Espanha. Aliás, a Rota inclui ainda visita à fábrica da Prado & Vazquez na cidade.
À tarde, é o momento de conhecer a Fazenda 2m, de Sô Márcio e sua esposa, a mestre queijeira Dona Dirce. Ali é feito o queijo Alagoa premiado na França, o primeiro da região a receber uma honraria do tipo. Faz parte dessa rica experiência conhecer a produção dos queijos e bater um papo com o casal. Ao final do passeio, Dona Dirce prepara um café da tarde bem mineirinho, com direito a pão de queijo, cafezinho, bolo e, é claro, muito queijo. A fazenda fica a 1.525 metros de altitude e conta com vistas incríveis para as montanhas ao redor.
Essa versão da Rota do Queijo e do Azeite tem ainda almoço incluso e parada na loja da Queijo D’Alagoa. É necessário fazer reserva.
3. Itanhandu
Além de trilhas, cachoeiras e outros passeios ecoturísticos e de aventura, a cidade de Itanhandu também se destaca por sua produção leiteira e queijeira. E a fazenda Pérola da Serra tem um grande diferencial: é a única da região com uma criação de búfalos. Sua produção de queijo de búfala começou em 2015, depois de um longo processo de desenvolvimento.
Todos os queijos da Pérola da Serra são feitos de maneira artesanal, desde esticar e trançar a muçarela até mesmo a delicada confecção da burrata, e somente com leite de búfala. Em comparação como queijo de leite de vaca, o de búfala apresenta uma série de benefícios, como menos colesterol, mais cálcio e outros nutrientes e menos componentes alergênicos.
Empresa familiar liderada pelo casal Carlos e Adriana, a Pérola da Serra é aberta para visitas, mediante agendamento. É uma verdadeira aula sobre todo o manejo das búfalas, criadas com muito cuidado e respeito, o processo da ordenha e a fabricação do queijo. Você também pode interagir com os dóceis filhotes de búfalos.
Ao final, acontece a tão esperada degustação dos saborosos queijos, acompanhada de um bom café. A variedade surpreende: além de 14 tipos de queijo, como muçarela, burrata, minas frescal, meia cura e parmesão, a Pérola da Serra produz ainda outros itens a partir do leite de búfala, como o doce de leite.
4. Passa Quatro
O roteiro pela Mantiqueira de Minas continua em Passa Quatro, estância Hidromineral que tem sua história muito ligada à antiga Estrada de Ferro Minas-Rio, cuja inauguração, ainda no século XIX, contou com a presença ilustre de D. Pedro II, tamanha sua importância na época. A estação ferroviária de Passa Quatro data de 1884. Hoje, opera apenas para fins turísticos – e é exatamente o passeio de maria fumaça a principal atração da cidade.
O Trem da Serra da Mantiqueira percorre cerca de 10 km por paisagens rurais da serra, entre a estação de Passa Quatro e a de Coronel Fulgêncio, esta última já a poucos metros da divisa com o estado de São Paulo, junto à cidade de Cruzeiro. O passeio completo, ida e volta, dura em torno de 2h e inclui duas paradas, onde os passageiros podem desembarcar do trem e comprar produtos artesanais locais.
A partir da estação de Coronel Fulgêncio, é possível visitar, depois de uma curta caminhada pelos trilhos, o Túnel da Mantiqueira. Também do século XIX, tem quase 1 km de comprimento, com uma das entradas em Minas Gerais e a outra em São Paulo.
Graças a essa localização estratégica, foi um marco da Revolução Constitucionalista de 1932, onde ocorreu o momento mais sangrento desse conflito. Ali, os mineiros impediram de forma armada o avanço dos paulistas para dentro do estado de Minas, sendo essencial para frear a revolução.
O passeio de maria fumaça do Trem da Serra da Mantiqueira acontece todos os sábados e domingos, além de algumas datas especiais. Vale comprar o ingresso antecipado pelo site.
5. Itamonte
Itamonte é um destino muito procurado por montanhistas e aventureiros que desejam explorar trilhas de diversos níveis de dificuldade e levam a lugares como o Pico dos Três Estados, o Pico das Agulhas Negras, a Pedra do Picu e o próprio Parque Nacional do Itatiaia.
Outra atração conhecida é o Instituto Alto Montana da Serra Fina, uma RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) que trabalha nos segmentos de pesquisa, educação e conservação da biodiversidade, protegendo um remanescente florestal de Mata Atlântica, inúmeras espécies endêmicas e mais de uma dezena de nascentes. O local também já foi o endereço do hotel mais luxuoso de Minas, antiga estrutura que hoje funciona como o Abrigo Alto Montana, uma acomodação de baixo custo que recebe muitos montanhistas.
O Alto Montana conta com trilhas para corridas de montanha e mountain bike, rampa de voo livre e pontos para a prática de rapel de cachoeira. Quem prefere atividades menos radicais pode aproveitar uma rede de trilhas, sendo algumas autoguiadas, birdwatching e cachoeiras.
A partir do centro de visitantes, uma caminhada de apenas 400 metros leva à Cachoeira Pinhão Assado, com vários pontos para banho. Algumas atividades precisam ser agendadas previamente e apresentam taxas extras.
Por Patrícia Chemin – revista Qual Viagem
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